quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Das ruas para o estúdio


Em meio a tantas histórias essa podia ser mais uma contada por um artista que vive a se reinventar, Adilson Dias já contou para o público deste blog sua historia de superação. Detalhes de como foi ser menino de rua e virar um diretor de teatro com a ajuda do teatrólogo Sergio Britto, o que foi conviver com as crianças chacinadas na Igreja da candelária e montar uma polêmica paixão de Cristo na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Hoje Adilson Dias se revela um poeta das artes e em suas muitas facetas, a descoberta da música. Intuitivo e autodidata, ele passou a vestir seus versos com música e partiu para as ruas com seu violão. Dessa vez sem pés descalços, sem canivete ou gargalho de garrafa, mas como artista que é hoje. O poeta vem cantando e encantando nos trens da Super via e nas praças por onde passa.

Em suas andanças o seu som acabou parando em um estúdio musical. Com a ajuda do produtor Guilherme Gê, que percebeu o talento do ‘Poeta de Rua’ e decidiu produzir suas canções.  Gê que já produziu grandes nomes da musica brasileira como Sergio Brito dos Titãs, Luis Melodia e Roberto Menescal, vem investindo na descoberta de novos talentos da MBP e Adilson Dias é um deles. Confira o bate-papo com Adilson Dias:

Como aconteceu seu encontro com o Guilherme Gê?

Eu assistia ao programa Dando as Letras, do canal Music Box Brasil da TV por assinatura. Um programa apresentado por Guilherme Gê, Alan Dias e Marcos Suzano. Decidi procurar o Guilherme no Facebook e ficamos amigos, trocamos algumas ideias e lhe enviei o áudio de minha canção, gravado no celular mesmo. Ainda muito receoso de receber um não, mas ele gostou do que ouviu e me chamou para gravar. Eu dei pulos de alegria e não acreditei no que estava acontecendo. Tomei coragem e fui.

Você me disse que nunca havia entrado num estúdio de música profissional. Fala do processo de gravação...

Ainda estou na gravação da primeira canção que foi feita no Estúdio Hanói, em Botafogo (RJ). Quando eu cheguei ao estúdio foi um baque. O lugar é maravilhoso, parece uma nave espacial. Tocar e cantar em um estúdio num silêncio total é muito diferente de fazer isso numa rua com muita poluição sonora. Era como se eu estivesse patinando no gelo depois de ralar muito os meus pés e minha garganta no chão grosso.

A música em sua vida é algo recente...

Foi no ano de 2012, quando voltei de Cuba e percebi certa musicalidade em meus versos. Então comprei um violão em um brechó e comecei a bater tentando tocar. Aprendi algumas notas em uma revistinha de música e hoje faço acordes que não sei o nome. Ando pelo braço do violão como se fosse a extensão do meu próprio braço, ouço minhas palavras vestidas com som e tenho muito prazer em fazer isso. Não me considero um cantor, mas gosto de cantar e poder dizer o que penso em minhas canções. 

Fale sobre as canções que comporão seu primeiro CD independente. A propósito, alguém está o financiando? Existe mercado musical para o seu trabalho? 

São canções autorais mais politizadas e também coisas que falam de amor e outros universos. O titulo vai ao encontro com o que vivo no cotidiano de tocar e cantar pelas ruas da cidade, minha poesia sempre bem-vinda nas margens urbanas. Não penso em expor meu trabalho atrelado a um Rio de Janeiro de uma mídia alienada que vende a cidade como uma referência internacional de arte e cultura, mas que fecha as portas para o fluxo cultural existente na mesma. Pra mim, o Rio que vivo está aberto. Aberto para as artes do gueto em suas ruas, favelas e periferias. Quando não há palco e nem foco de luz, tem sempre uma calçada e uma gambiarra pra eu fazer um show. 

Às vezes penso que seria muito mais comercial se eu fosse só “uma linda história de superação”, mas eu penso e falo o que penso. E isso não é legal para esse sistema alienador. Um suposto ‘mercado musical’ alucinante sofrendo de amor e agressão. Por isso, na dúvida: “Se dou na cara dela ou bato em você” eu não pago cinquenta reais! (risos)...

Estou estudando a possibilidade do financiamento coletivo para terminar de fazer o CD. Quero entregar um bom trabalho ao publico que estou conquistando. Venho estudando, buscando e me esforçando para isso. Uma qualidade sonora que vista com sinceridade os meus versos.

Um caminho alternativo no atual cenário de produção industrial...

O caminho para mim é fazendo shows em espaços mais alternativos, coisa que já faço. Procurar um selo que se interesse na comercialização do meu trabalho e divulgar. Não dá para ralar tanto, fazer um CD e colocar na gaveta. Eu tenho plena consciência da crise fonográfica existente em nosso país, mas o que mais me preocupa é a crise auditiva. Às vezes parece que todos estão com o ouvido no mesmo lugar, querendo ouvir repetidas vezes as mesmas coisas. Caindo no feitiço dos jabás financiados pelos fazendeiros universitários que não se formam nunca. Não me preocupo com o que está na moda, faço o que acredito e o que me faz bem. Ter discernimento sobre o que eu ouço é o que me inspira e me faz feliz.

Você ouve...

Não vou cair no clichê de dizer que ouço de tudo um pouco, porque estarei mentindo. Ouço Beatles, Caetano Veloso, João Gilberto, Nina Simone, Lenine e por ai vai. Querendo ou não, pra mim o que ouço influencia diretamente na minha musicalidade, por isso preciso ter critérios no que estou ouvindo e também ter um pensamento critico sobre o mundo que estou vivendo.

Margens Urbanas é o título do seu CD. Qual é a proposta desse trabalho?

Eu espero conseguir comunicar, tocar nas pessoas. Acho que pra fazer algum sentido. Não quero ser genial, quero só fazer música e ser feliz.

Que venha Margens Urbanas... Sucesso e obrigado!   

domingo, 13 de dezembro de 2015

As vilãs de Ana Beatriz Nogueira


Por Henrique Melo

No ar em Além do Tempo, a experiente Ana Beatriz Nogueira dá vida (novamente) a uma vilã. Sua Emília Beraldini é amarga, vingativa e carrega as dolorosas marcas de ter sido abandonada pela mãe, Vitória Ventura, ainda criança. Uma personagem tão profunda e cheia de nuances, brilhantemente defendida pela atriz que sabe como ninguém interpretar megeras deste gênero.

O olhar altivo, quase duro, a voz rouca e a sofisticação de Ana lhe conferem um ar antagônico, mesmo quando interpreta personagens “do bem”. Não é de hoje que essa dama da TV provoca a ira do público com as maldades de suas vilãs. Como forma de homenagem, e congratulação, ao trabalho primoroso da atriz no atual folhetim das 18h global, vale a pena relembrar outras vezes em que ela aterrorizou na pele do mal.

Ana Paula Dinis Moutinho – Celebridade



Apesar de não ser a antagonista da história, Ana Paula era uma oponente de peso. Não teve a mesma sorte que a irmã Maria Clara Diniz, objeto de seu ódio, ambição e inveja. Por isso, aliou-se a pérfida Laura Prudente para poder destruir Maria Clara. Foi a primeira malvadona da longa lista de Ana Beatriz e foi tão bem recepcionada pelo público, que rendeu outros tantos personagens do mesmo naipe.

Leocádia – Essas Mulheres


Na adaptação livre das obras de José de Alencar para a telenovela Essas Mulheres, da Record, Ana viveu Leocádia, uma matriarca nada gentil. Empenhada em perseguir a filha Mila, todas as vezes que Leocádia entrava em cena a nossa vontade era espancar a tela da TV!

Lili Sampaio – Bicho do Mato


Durante quase toda a exibição da novela, todos julgavam que a personagem Lili Sampaio de Bicho do Mato fosse do bem. Aliás, a jornalista vivida por Ana nesta novela revelava um grande lado cômico, surpreendendo a todos no desfecho da história quando foi revelado que ela era uma das aliadas do vilão Ramalho e a responsável pelo assassinato do mesmo.

Frau Herta – Ciranda de Pedra


A primeira grande vilã de Ana Beatriz Nogueira, Frau Herta foi responsável por muitas maldades nesta readaptação para a TV da obra Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Teles. Uma governanta fria, ardilosa e calculista, que engendrava planos diabólicos ao lado do patrão Natércio, vivido por Daniel Dantas. Em uma atuação impecável, a atriz não deixou a dever em nada para o também primoroso trabalho de Norma Blumm na versão de 1981.

Eva – A vida da gente


Outra antagonista de peso de Ana e talvez o melhor momento da atriz na telinha global. Eva era uma mãe manipuladora, que não escondia de ninguém a predileção pela filha Ana e o desprezo por Manuela, a quem destratava constantemente. Por ser um texto mais realista, Eva não era uma personagem muito maniqueísta e de grandes vilanias, porém não menos detestável. A título de comparação, lembrava (de longe) a Branca Letícia de Por Amor remoçada e mais humana. Rendeu ótimos momentos, como os em que discutia com a mãe Iná ou com a neta Júlia.

O fato é: seja como heroína ou como nêmesis, Ana Beatriz Nogueira sempre dá um show! Todos esperamos que em Além do Tempo, Emília perdoe Vitória e se torne uma mulher melhor graças ao amor de Bernando, rumando para o final feliz. Enquanto isso não acontece, vamos acompanha-la por muito tempo empenhada em se vingar da mãe.

Ao lado de outras divas como Fernanda Montenegro, Joanna Fomm, Cláudia Raia, Adriana Esteves, Eva Wilma, Elizabeth Savalla, Marília Pêra, Drica Moraes e tantas outras famosas por suas vilãs, Ana já faz presença com seu talento inquestionável. 

sábado, 7 de novembro de 2015

Recomeçar - capítulo 20 (último)



autor: Augusto Vale

CENA 01. DESPENHADEIRO. EXT. NOITE.

Continuação da última cena do capítulo anterior. Usando um lenço na mão, Lorenzo tira a mala de Belita do banco de trás do automóvel e atira-a despenhadeiro abaixo. Entra no carro e vai embora assobiando. O corpo de Belita ali no chão. Corta para:



CENA 02. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Ao som de "Are You With Me” (Lost Frequencies), um novo dia nasce. O sol desponta no céu do Rio de Janeiro. Imagens das praias, Cristo Redentor, Pão de Açúcar e outros pontos da cidade. Finaliza na fachada do prédio de Tia Sofia. Corta para:

CENA 03. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Vestida num camisolão, Tia Sofia vem da cozinha com uma xícara de café. Apanha o jornal debaixo da porta e senta no sofá, onde está seu gato. Liga a televisão e abre o jornal. Bota os olhos numa manchete: “Argentina é encontrada morta em despenhadeiro”. A notícia vem acompanhada com a foto do RG de Belita. Tia Sofia leva um susto.

TIA SOFIA: - Minha Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, valei-me!

Mais que depressa, ela vai pro quarto. Num corte descontínuo, volta pra sala já pronta pra sair, puxando uma mala. Coloca o gato numa caixa de transporte e sai. Na TV que foi esquecida ligada, corta para:

CENA 04. FACHADA DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. DIA.

Apressada, Tia Sofia entra num táxi.

TIA SOFIA: - Pro aeroporto, moço. (resmunga) O Rio de Janeiro já não é mais o mesmo.

O táxi sai. Corta para:

CENA 05. HOSPITAL. SALA DE QUIMIOTERAPIA. INT. DIA.

Música: “Emerald Legacy” - Kevin Kern. Numa sala coletiva, alguns pacientes estão sentados em poltronas, em franco processo de quimioterapia. Numa delas, está Davi, recebendo tranquilamente um medicamento na veia. Se entristece um pouco ao olhar mais adiante uma moça na mesma situação, só que já bastante debilitada, com um lenço na cabeça. Corta para:



CENA 06. ESTACIONAMENTO DO HOSPITAL. EXT. DIA.

A música continua. Filipe e Davi caminham abraçados até o carro. Filipe não economiza carinhos ao namorado, que ainda está meio tristonho e sentindo um pouco os efeitos das drogas. Entram no carro. Davi no passageiro.

FILIPE: - Tá bem mesmo?

DAVI: - Tô ótimo, meu amor.

FILIPE: - Vamos pra casa.

O carro sai. Corta para:

CENA 07. AVENIDA/PRAIA. EXT. DIA.

Mesma música. Filipe dirige o carro. Davi, com a cabeça encostada no banco, vai olhando a paisagem e tudo que lhe chama atenção pelo caminho. Melancolia. Vê as pessoas fazendo suas atividades, vivendo normalmente: pessoas na praia, um pai ensinando a filha pequena a andar de bicicleta, um casal namorando etc. Sua atenção é quebrada por Filipe, que aperta sua mão, num gesto de carinho. Trocam um sorriso, e Davi volta a olhar pela janela. Corta para:

CENA 08. PRAIA. EXT. DIA.

Segue a música. Fim de tarde. Sol despedindo-se no horizonte, deixando o mar alaranjado. Vemos Davi e Filipe abraçados, em pé, contemplando o entardecer. CORTE DESCONTÍNUO. Brincam com as ondas que chegam com pouca força na areia. Corta para:

CENA 09. COMPILAÇÃO. DIA/NOITE.

Ainda com a mesma música, agora vemos momentos diversos de Davi às voltas com o tratamento do câncer. Já sem cabelos, faz outras sessões de quimioterapia e exames. No meio da noite, acorda com náuseas e corre pro banheiro, vomitando. Filipe ao seu lado. Em outro momento, uma transa frustrada entre eles. Davi sente muitas dores nas costas. Num último insert, vemos Davi sendo levado apressadamente numa maca pelo corredor do hospital. Filipe chora encostado na parede. Lágrimas de muito sofrimento. Gilda chega correndo e abraça o filho, que continua chorando copiosamente. Corta para:

CENA 10. HOSPITAL. SALA DO MÉDICO. INT. DIA.

Davi e Filipe diante do médico, numa mesa. O médico checa alguns exames.

FILIPE: - Quanto progredimos, doutor?

MÉDICO: - O tumor não está respondendo ao tratamento. O tumor cresceu, temos de removê-lo agora ou pode haver metástase. Vamos operar. 

FILIPE: - Mas já? Não é muito cedo?

DAVI: - Quais as chances de eu morrer na mesa de operação?

MÉDICO: - Sendo bem realista, uma cirurgia desse tipo é perigosa, oferece riscos. O tamanho e o local do tumor colaboram pra isso. Mas é a opção que temos.

Davi e Filipe entreolham-se. Corta para:



CENA 11. MARANHÃO. EXT. DIA.

Letreiro: Maranhão. Uma colagem de paisagens do Estado toma conta da tela, ao som de “Tambor de Crioula” (Rita Ribeiro). Vemos ainda o Centro Histórico, brincantes dançando o tambor de crioula, a culinária típica, o arroz de cuxá etc. Por fim, vemos a beleza dos Lençóis Maranhenses. Corta para:

CENA 12. LENÇOIS MARANHENSES – BARREIRINHAS. EXT. DIA.

Numa lagoa de águas cristalinas, no meio das dunas de areia branca, vemos Júlia e Kadu tomando banho. Mais apaixonados que nunca.

KADU: - Quero viver aqui pra sempre.

JÚLIA: - Quer mais nada da vida não?

KADU: - Não. Você quer?

JÚLIA: - Você. Pro resto dos meus dias. Pra todo o sempre... ao alcance dos seus braços, dos seus olhos e dos seus beijos.

KADU: - É?

JÚLIA: - Aham.

E beijam-se. Música: “Kiss Me” – Ed Sheeran. Javier aparece correndo na areia. Kadu vai pegá-lo e entra com ele na água. Os três bem felizes. Corta para:



CENA 13. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. DIA.

Segue a música. Júlia e Kadu fazem amor. Quarto bonito de detalhes artesanais. Da cama é possível ver uma paisagem belíssima, com as dunas de areia ao longe. CORTE DESCONTÍNUO. Ainda na cama, o casal depois da transa. Júlia com a cabeça sobre o peito de Kadu.

JÚLIA: - Nunca imaginei que pudesse ser tão feliz.

KADU: - Pra felicidade ficar completa mesmo, só falta a gente colocar o nosso bacurizinho no mundo.

JÚLIA: - Ah não, Kadu.

KADU: - Você prometeu, amor. O ano já virou, tá na hora de cumprir.

JÚLIA: - E a loja? Quem vai cuidar da loja? Meu Deus, a loja!

Júlia dá beijinho nele e corre pro banheiro.

KADU: - Ah, volta aqui, amor! Vamos namorar mais um pouquinho, tá tão gostoso. Deixa pra abrir a loja só à tarde, vai.

Júlia volta já se arrumando pra sair.

JÚLIA: - Nada disso. E você também, preguiçoso... Não tem as fotos do catálogo pra fazer?

KADU: - Caramba! Tô mais que atrasado!

Kadu pula da cama e, apressado, entra no banheiro. Júlia sorri, enquanto penteia o cabelo em frente ao espelho. Corta para:

CENA 14. LOJA DE JÚLIA. INT/EXT. DIA.

Uma loja de artigos artesanais. Júlia atende alguns turistas interessados em souvenirs. Um sujeito - que a CAM não identifica - a observa de longe, por entre alguns tecidos pendurados. Corta para:

CENA 15. RIO. EXT. DIA.

Música: “Save Room” – John Legend. Num barco, acompanhado por colegas de trabalho, Kadu vai tirando fotos das margens do rio. Corta para:



CENA 16. COMUNIDADE RIBEIRINHA. EXT. DIA.

Segue a música. Kadu tira fotos dos moradores e de coisas peculiares da comunidade ribeirinha. Corta para:

CENA 17. RUA DA LOJA DE JÚLIA. EXT. DIA.

Final de tarde. Júlia fecha a loja e vai descendo a rua de pedras. Começa a ser seguida por um sujeito. CAM subjetiva. Tensão. Ela sente que há alguém no seu rastro. Olha pra trás, mas não vê ninguém suspeito. Júlia entra num beco e fica à espreita. De repente, ela avança no sujeito que atravessa, imobilizando-o. Vemos agora o rosto do sujeito. Um completo desconhecido.

JÚLIA: - O que você quer me seguindo? Fala!

SUJEITO: - Nada não, moça. Quer dizer, a senhorita deixou cair isso aqui. Eu só queria devolver.

Ele mostra um celular. Júlia se desarma e pega o celular. O cara sai assustado. Corta para:

CENA 18. CRECHE. EXT. DIA.

Júlia apanha Javier na creche. Cumprimenta a professora e segue pra casa. Corta para:



CENA 19. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.

Música: “Super Freak” – Rick James. Anoitece na Cidade Maravilhosa. Imagens ilustrando isso. Corta para:

CENA 20. APART. DE GILDA. QUARTO. INT. NOITE

Abre direto num berro ensurdecedor e impaciente de Gilda, chamando Jojô, que surge imediatamente com uma caixinha de água de coco.

GILDA: - Jojôôôôô!

JOJÔ: - Tô aqui, Miss! Em pele, osso e carisma!

GILDA: - Cadê a água de coco que mandei você/

JOJÔ: (antecipa-se) - Tá aqui, amada.

GILDA: - De caixinha?

JOJÔ: - Alguma coisa contra?

GILDA: - Prefiro caixão. Pra te enterrar a vinte quatro palmos da terra, incompetente! Não quero mais água de coco. Me arranje um whisky. Já!

Corte descontínuo. Gilda toma o whisky. Jojô ao lado. Gilda olha-se no espelho e faz cara de choro.

GILDA: - Eu tô uma pilha de nervos, Jojô! Tô mais nervosa que mosca em pote de cola.

JOJÔ: - Calma, minha divina. É só uma pré-estreia.

GILDA: (orgulhosa) - A pré-estreia de “Desilusões de Olívia Watterson”. Sonhei tanto com esse dia. É a minha vitória, a minha volta por cima... É um recomeço, Jojô.

JOJÔ: - Ninguém segura Gilda Lazarotto!

Gilda, com o whisky, e Jojô, com a caixinha de água de coco, brindam. Corta para:

CENA 21. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA DO FILME. INT. NOITE.

Gilda, num vestido lindíssimo, posa para fotos. Em algumas, ao lado de famosos que estão prestigiando a pré-estreia do filme. Marieta Severo, Fernanda Torres, Mariana Ximenes, Carlos Alberto Riccelli, Daniel Filho, Paulo Coelho entre outros. 

Corte descontínuo. Gilda acaba de posar pra uma foto e vai saindo. Abel aproxima-se.

ABEL: - Como é voltar aos holofotes, aos flashes? Tá curtindo?

GILDA: - Te confesso que já tô cansando.

ABEL: - Tão cedo?

GILDA: - Mentira, eu tô adorando! Estou de volta pro meu aconchego.

Os dois sorriem, sob os olhares de Leonor ao longe – acompanhada de Horácio. Davi e Filipe chegam e caminham para onde estão Gilda e Abel. Cumprimentos e abraços. Jojô por ali também. Corta para:

CENA 22. SALA DE CINEMA. INT. NOITE.

Abel assiste o filme ao lado de Gilda. Neste momento, ela pega a mão dele sobre o braço da poltrona, acariciando-a. Entreolham e esboçam um sorriso. Em outro ponto da sala, Leonor, sentada com Horácio, olha ao redor, tentando localizar Abel. Finalmente consegue vê-lo ao lado de Gilda. Não gosta nada daquilo. Corta para:

CENA 23. CASA DE JÚLIA. PISCINA. EXT. NOITE.

Deitados juntinhos numa espreguiçadeira, ao lado da piscina, Júlia e Kadu namoram ao luar.

JÚLIA: - Tive pensando... Não vou mais ficar esperando a hora certa, eu quero fazer a hora certa.

KADU: - De que você tá falando?

JÚLIA: - Do nosso filho. Eu quero engravidar.

KADU: - Meu amor! Finalmente! Você não sabe como fico feliz em ouvir isso.

JÚLIA: - É, eu sei. E vai ser bom pro Javier também. Ele fica tão sozinho aqui, só tem a companhia dos amiguinhos da creche... tá na hora de ganhar um irmãozinho.

KADU: - Ou uma irmãzinha, pra herdar a beleza da mãe. A mais linda de todas!

Beijam-se. CAM subjetiva no jardim dá a entender que o casal é observado por alguém. Corta para:

CENA 24. SALA DE CINEMA. INT. NOITE.

A reprodução do filme acaba e todos aplaudem. Gilda e Abel sorridentes. Leonor não tira os olhos deles, já bastante irritada. Corta para:

CENA 25. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA DO FILME. INT. NOITE.

Gilda, com uma taça de champanhe, é paparicada por alguns. Abel ao lado, também recebendo elogios por seu trabalho de roteirista. Filipe e Davi aproximam-se.

FILIPE: - Mãe, nós já estamos indo.

GILDA: - Ah, fiquem mais um pouco. Vamos jantar juntos, que tal?

DAVI: - Outro dia, Gilda. Hoje tô muito cansado... Essas drogas consomem todas as minhas forças.

GILDA: - Eu entendo. Fica pra outro dia então. E com receita minha, hein!

DAVI: - Tá combinado. Mais uma vez, parabéns pelo filme. É um primor! (para Abel) Parabéns, Abel! Trabalho de gênio mesmo.

ABEL: - Ah, que isso! Obrigado por vir. Espero que você se recupere o mais rápido possível e volte a trabalhar conosco na produtora.

DAVI: - Tomara. Que um anjo passe agora e diga “amém”.

Filipe e Davi se despendem deles e saem. Leonor chega junto, mordida de ciúmes.

LEONOR: - Está satisfeita com o champanhe, minha querida?

GILDA: - Olha, Leozinha, sinceramente/

LEONOR: (corta) – Se você quiser, podemos providenciar uma caipirinha, um cachaça, um rabo de galo... Bebidas que fazem mais o seu estilo.

ABEL: (repreende) - Leonor!

LEONOR: - O que foi, Abel? Virou guarda-costas da Gilda agora? Não é por nada não, mas eu esperava mais de você.

Corta rápido para:

CENA 26. BANHEIRO DO SALÃO. INT. NOITE.

Leonor retoca a maquiagem em frente ao espelho. Abel irritado.

ABEL: - Você está cada dia mais insuportável, Leonor. Qual a necessidade dessa antipatia com a Gilda?

LEONOR: - Tá encantado pela atriz mambembe? Esqueceu tudo que ela fez pra chegar até aqui/ pra conseguir realizar esse filme?

ABEL: - Não, não esqueci. Mas também não vou condená-la pro resto da vida por isso. Todo mundo erra nessa vida... você não?

LEONOR: - O meu erro é querer você ao meu lado. Isso eu nunca terei, não é? Você sempre fez o que quis, sempre decidiu por nós dois... Vá em frente, Abel.

Leonor sai. Abel fica pensativo. Corta para:

CENA 27. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

Davi e Filipe deitados na cama. Abraçados. Chove lá fora.

DAVI: - Vamos brincar de “e se...”?

FILIPE: - Como é?

DAVI: - E se chover o dia todo amanhã...?

FILIPE: - A gente não sai de debaixo das cobertas, passamos o dia todo assim, bem grudadinhos.

DAVI: - Sua vez.

FILIPE: - Hummm... E se o mundo acabasse agora?

DAVI: - Já teria valido a pena por te conhecer, por tudo que já vivemos, por cada segundo que fui feliz com você.

Pausa.

DAVI: - E se.... e se eu não resistir? E se eu morrer/

FILIPE: - Não diz isso. Se agarre à vida, meu amor. Vamos acreditar sempre no melhor.

DAVI: - Não quero fazer a cirurgia. Não quero morrer numa mesa fria de hospital. Seria a minha maior derrota, depois de tanto lutar por uma salvação. Também não quero mais seguir com a quimio, é inútil

FILIPE: - Davi/

DAVI: (corta) – Me deixe decidir. Por favor, não tire isso de mim... Me permita escolher como viver o tempo que me resta.

O abraço se fortalece. CAM vai saindo em dolly out, ampliando o quarto e mostrando a chuva caindo lá fora. Música: “Fields Of Gold” - Kevin Kern. Corta para:



CENA 28. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA. INT. NOITE.

Gilda toma uma taça de champanhe e despede-se de algumas pessoas que foram prestigiar o filme. Abel aproxima-se.

ABEL: - Já deu minha hora, Gilda. Vou pra casa.

GILDA: - É, acho que o melhor da noite já foi... Tá quase na hora da Gilderela aqui virar a gata borralheira novamente.

ABEL: - Quer uma carona?

Gilda olha pra Jojô ali perto, que lhe dá uma piscadela.

GILDA: - Claro! Vamos nessa!

Entorna o restante da bebida e deposita a taça na bandeja de um garçom que vai passando. E sai com Abel. Jojô, junto a uma turminha, comemora. Corta para:



CENA 29. ESTACIONAMENTO DO SALÃO/AVENIDA. EXT. NOITE.

O instrumental da música “I Want To Know What Love Is” (Foreigner) começa a tocar. Abel e Gilda correm na chuva até o carro estacionado. Ao chegar, Abel vê que um dos pneus está vazio.

ABEL: - Ah não! Que droga!

GILDA: - Putz! Mas pra isso é que existem os táxis. Vem comigo!

Gilda puxa Abel pela mão e os dois correm pelo estacionamento em direção à avenida. Sorriem com a situação. Param um táxi e entram. O táxi dá partida, enquanto Gilda e Abel entreolham-se. Clima. Tímidos, cada um volta-se para sua janela. Corta para:

CENA 30. FACHADA DO PRÉDIO DE GILDA. EXT. NOITE.

Segue o instrumental. Ainda chove. O táxi vai parando. Gilda despede-se de Abel com um beijo no rosto, mas sua boca acaba encostando levemente no canto dos lábios de Abel. Sem graça, ela sai do táxi. O táxi vai saindo e para bruscamente. Gilda vira-se e vê Abel saindo do carro, vindo ao seu encontro. Ele abraça-a e os dois trocam finalmente um ardente beijo, com a água da chuva caindo sob suas cabeças. O táxi vai embora. O refrão da música já subiu. Corta para:

CENA 31. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. NOITE.

Júlia e Kadu dormindo na cama. Kadu desperta e levanta-se. Sai. Corta para:

CENA 32. CASA DE JÚLIA. COZINHA. INT. NOITE.

Kadu entra na cozinha escura e abre a geladeira. Toma um copo d’água. Fecha a geladeira e, no momento que vira-se, é surpreendido por um sujeito que passa o braço pelo seu pescoço, enforçando-o. Tensão. Sem conseguir se defender, Kadu desmaia e é deixado ali no chão. Corta para:

CENA 33. CASA DE JÚLIA. QUARTO DE JAVIER. INT. NOITE.

O sujeito entra no quarto e observa Javier dormindo na cama. Passa a mão nos cabelos no menino e sai. Corta para:

CENA 34. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. NOITE.

Júlia desperta, mas, sonolenta, não abre os olhos, ao passo que o sujeito entra no quarto e vai aproximando-se da cama.

JÚLIA: - Amor? Sem sono?

O homem misterioso ataca Júlia, colocando um pano em seu rosto, fazendo-a inalar alguma substância tranquilizadora. Ela adormece. Corta para:

CENA 35. MAR. EXT. DIA.

Já amanheceu. Lancha parada em alto mar. Na cabine, vemos Kadu no chão, com os braços amarrados, já despertando. Júlia grita lá de fora:

JÚLIA: (off) - Não! Isso não!

Kadu em alerta. Corta pra proa da lancha, onde vemos Júlia desesperada. Fora de si, Lorenzo segura Javier e aponta um revólver na cabeça dele.

LORENZO: - Não se aproxime!

JÚLIA: - Lorenzo, não! Isso não! Não machuque o meu menino.

LORENZO: - Você fez a sua escolha. Preferiu o seu amante. Se você não me quer, também não vai ficar com nada meu – muito menos com o meu filho. Você entendeu?!

JÚLIA: - Solta ele. Solta o Javier. Ele não tem culpa de nada... Pelo amor de Deus, vamos conversar.

Corta pra cabine, onde Kadu força a corda, tentando se soltar. Corta pra proa. Lorenzo ainda mais louco. Javier chora. Júlia tenta manter o controle.

LORENZO: - Eu te dei tanto amor, te dei uma família, te dei a vida que toda mulher sonha em ter... Mas você não soube dar valor a nada disso. Nada! A minha mãe tem razão: você é uma vagabunda. Eu devia ter te deixado na sarjeta onde te encontrei.

JÚLIA: - Solta o meu filho.

LORENZO: - Meu filho! O Javier é meu filho! Você é uma ordinária, uma puta!

JÚLIA: - Me ouça, Lorenzo/

LORENZO: (corta) – Não tenho nada pra ouvir! Eu só quero que você morra de remorso sempre que se lembrar que o Javier e eu partimos por sua causa.

JÚLIA: - O que você vai fazer, Lorenzo?!

LORENZO: - Você vai ficar em paz com o seu fotógrafo de manguezais. O Javier e eu vamos pros braços de Deus.

Lorenzo, ensandecido, prestes a puxar o gatilho do revólver. Júlia se desespera. Corta pra cabine. Kadu puindo a corda rapidamente no canto de um acento. Corta pra proa. Júlia ajoelha-se, pedindo clemência. Lorenzo alucinado, chorando, ainda com a arma na cabeça do menino.

JÚLIA: - Tenha piedade, Lorenzo! Ele é só uma criança, não tem culpa de nada... Deixe ele fora disso, vamos resolver isso de outra maneira. Poupe o nosso filho.

LORENZO: - Podia ter sido diferente. Nós éramos tão felizes... Nosso casamento era perfeito.

JÚLIA: - Vem cá, me dê um abraço. Vamos continuar de onde paramos. Eu quero reatar. A gente pode retomar o nosso casamento, a nossa família...

Lorenzo vai se deixando levar pelo blefe de Júlia. Já não segura Javier com firmeza.

LORENZO: - Sério? Você tá falando sério?

JÚLIA: - Sim. Eu quero ser a esposa dócil e obediente que você sempre quis que eu fosse.

Lorenzo solta Javier e ajoelha de frente pra Júlia. Abraça-a. Chora. Corta pra cabine. Kadu finalmente consegue apartar a corda e livrar-se dela. Corta pra proa.

LORENZO: - Eu te amo! Eu te amo! A minha vida não faz o menor sentido sem você.

Agora, Kadu chega à proa. Ainda com os joelhos no chão, Lorenzo vira-se, empunha a arma e dispara dois tiros, mas sem alvo certeiro. Kadu dá um chute em Lorenzo, que cai. Ele perde o revólver, que deslizou para longe de seu alcance.

LORENZO: - Desgraçado!

Lorenzo mexe-se para recuperar a arma. Kadu não lhe dá chance. Junta Lorenzo do chão pela gola da camisa e lhe dá um violento soco no rosto. Lorenzo com a boca sangrando. Perdeu algum dente.

KADU: - Há muito tempo que eu queria te dar isso, seu verme!

Lorenzo sorri, debochando, mas logo fecha a cara e parte pra briga. Os dois começam a lutar. Júlia já levou Javier pra cabine. Lorenzo e Kadu trocam porradas. No fim, o primeiro leva a melhor. Com fúria, Lorenzo dá um soco em Kadu, que cai longe. Agora vemos Júlia, decidida, com o revólver apontado para Lorenzo, que ri outra vez com algum deboche.

LORENZO: - De novo essa cena? Será que dessa vez a sua pontaria está melhor?

JÚLIA: - Cala a boca!

LORENZO: - Atira. Mas só se a minha mulherzinha tiver alguma bala na manga, porque as duas que restavam na arma eu já disparei.

Júlia sem ação. Kadu surpreende Lorenzo com um novo golpe. Eles lutam, perdem o equilíbrio e caem na água. Júlia sem saber o que fazer. Corta para o mar. Debaixo d’água, Kadu e Lorenzo continuam em confronto, mas agora com dificuldade. Tensão altíssima. Lorenzo consegue tirar o seu canivete do bolso da calça e o enfia na barriga de Kadu. Não satisfeito, começa a esganá-lo, sufocando-o. Mas, de repente, quando a luta parece perdida para Kadu, ele arranca o canivete de sua barriga e finca a lâmina no pescoço de Lorenzo. Um golpe fatal. Lorenzo começa a afundar no oceano, já sem nenhum movimento. Corta para a superfície, onde a água já está avermelhada pelo sangue. Júlia desesperada. Ferido e sem forças, Kadu chega à superfície. Júlia cai na água para ajudá-lo a subir no barco. Corta para:

CENA 36. HOSPITAL. QUARTO. INT. DIA.

Kadu num leito. Já recebeu atendimento. Tudo sob controle. Júlia e Javier entram. Ela o abraça, emocionada, com grande alívio. 

KADU: - Acabou!

O menino junta-se a eles. Família unida, sã e salva. Corta para:


Letreiro:
ALGUNS MESES DEPOIS

CENA 37. TERESÓPOLIS - RJ. EXT. DIA/NOITE.

Música: “Só Sei Dançar com Você” – Tulipa Ruiz. Algumas belas imagens de Teresópolis. Conclui numa casa charmosa à beira de um lago. Anoitece. Corta para:



CENA 39. CASA DO LAGO. SALA. INT. NOITE.

Abre na mão de Filipe dando play num aparelho de som. Começa a tocar “How Long Will I Love You” (Ellie Goulding). No meio da sala, Filipe e Davi dançam juntinhos. Nada dizem. Sentem a canção. Sentem um ao outro. Beijam-se. Tempo nisso. Corta para:



CENA 40. CASA DO LAGO. QUARTO. INT. NOITE.

Segue a música. Davi dorme. Filipe o observa com muita ternura. Deita ao lado dele, bem colado, sentindo seu calor. Corta para:

CENA 41. CASA DO LAGO. EXT. DIA.

CAM vai aproximando-se de Davi e Filipe na beira do lago, num piquenique. Davi sentado numa cadeira. Filipe na grama.

DAVI: - A beleza desse lago enche o meu coração de vida. Não há nada mais bonito que a vida.

FILIPE: - E o amor.

DAVI: - Também. Mas não há amor sem vida, sem respiração, sem tempo para fortalê-lo... (T) Me prometa uma coisa?

FILIPE: - Prometo. O que você quiser.

DAVI: - Prometa que você vai viver por mim e por você? Prometa que terá uma vida cheia de alegrias, sentindo o sabor de cada momento e buscando sempre, todos os dias, ser uma pessoa ainda melhor – se doando, fazendo alguém sorrir e sorrindo junto. Prometa que não desistirá do amor, porque você tem toda razão: o amor é o que há de mais bonito nesse mundo. Promete?

FILIPE: - Sim, eu prometo.

DAVI: - Obrigado. (T) Não foi como desejei, mas eu fiz o meu melhor.

Nesse momento, Davi solta o lenço que está em sua mão. O lenço voa leve com o vento até cair na água do lago. Filipe se agarra ao corpo de Davi, já sem vida, e chora. Tempo nisso. Música: “Sundial Dreams” – Kevin Kern. Corta para:



CENA 42. CEMITÉRIO. EXT. DIA.

Segue a música. O caixão com o corpo de Davi descendo ao túmulo. Filipe, Gilda, Abel, Leonor, Horácio, Jojô, Flavinha, Samuel e alguns figurantes presentes. Leonor observa Gilda e Abel juntos. Gilda consola o filho. Kadu e Júlia chegam apressados e abraçam Filipe, que chora. Corta para:

CENA 43. PRAIA. EXT. DIA.

Música: “Eternity” – Robbie Williams. Final de tarde. Praia vazia. Filipe olha o mar e chora, enquanto lembra os grandes momentos que viveu ao lado de Davi. Entra colagem de cenas dos dois felizes e apaixonados. Corte descontínuo. Filipe caminha pela praia. Sol poente. Corta para:



CENA 44. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.

Segue a música. Filipe entra, chegando da rua. Apartamento vazio, sem mobília. Há apenas jornais espalhados pelo chão e algumas caixas. Ele senta no chão, junto à parede. Uma das caixas chama sua atenção por estar com seu nome escrito. Abre a caixa e depara-se com uma enorme quantidade de fitas k7. Cai no choro, alternando com sorrisos. Corta para:



CENA 45. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA/NOITE.

Música: “Waiting For Love” – Avicii. Uma sucessão de imagens de dia e noite, sugerindo alguma passagem de tempo. Corta para:

CENA 46. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO. INT. NOITE.

Na televisão, vemos a transmissão de mais uma cerimônia do Oscar, em Los Angeles. Horácio assistindo na cama, com grande interesse. Leonor ali de lado, achando um tédio, exatamente porque agora será anunciado o prêmio de Melhor Atriz. 

LEONOR: - Que grande perda de tempo e dinheiro. A Gilda está iludida, achando que vai passar uma atriz do quilate da Cate Blanchett pra trás. É muita pretensão! Aliás, todas as indicadas são melhores que a coitada, que nem sei o que faz aí.

HORÁCIO: - Merecimento, Leonor. Você não pode negar que o filme foi um sucesso e a Gilda mostrou que é boa no que faz.

LEONOR: – Merecimento? Boa no que faz? Affs! Vai ver ela usou a tática da micro câmera outra vez pra conseguir a indicação.

HORÁCIO: (boiando) – Hã?

LEONOR: - Nada, Horácio. Olha lá, chegou a hora da Gildinha cair com a cara na poeira.

As indicadas são anunciadas, e entre elas está Gilda – sentada ao lado de Abel. Uma atriz famosíssima entra no palco para anunciar a vencedora.

ATRIZ: - The Oscar goes to... Gilda Lazarotto!

Gilda faz cara de surpresa, dá um selinho em Abel, recebe cumprimentos e sobe ao palco. Na cama, Leonor e Horácio atônitos.

HORÁCIO: - Danou-se!

LEONOR: - E não é que a canastrona levou mesmo!

Gilda, emocionada, com a estatueta do Oscar na mão. Dá uma sambada, comemorando. Plateia aplaudindo de pé. 



CORTE DESCONTÍNUO. Entra a música “When I Fall In Love” (Nat King Cole). Quarto escuro. Horácio dorme. Leonor lê um livro à luz do abaju. Para a leitura e fica pensativa. Abre a gaveta do criado-mudo e tira de lá uma fotografia de Abel. Olha com saudade e coloca-a dentro do livro. Levanta-se e vai até a janela. Observa a lua cheia no céu. Clima de solidão. Corta para:



CENA 47. COMPILAÇÃO

Ao som de “Cataflor” (Tiago Iorc), passeamos por uma colagem de cenas que ilustram algumas resoluções de nossa história, tais como:

:: Júlia e Kadu de casa nova no Rio de Janeiro. O casal pinta as paredes e, muito felizes, fazem bagunça junto com Javier.

:: Filipe coloca currículo em algumas agências e consegue ser contratado. Em outro momento, ele passeia pelo calçadão da praia com o cachorro Bicicleta. Num derradeiro, tomando um drink no bar da boate e trocando um breve sorriso com um rapaz, num esforço para recomeçar como Davi pediu.

:: Gilda nas gravações de um novo filme e recebendo prêmios. Em outro momento, compra uma belíssima mansão.

:: Num último momento, vemos um almoço no jardim da mansão de Gilda. Além dela, Abel, Jojô, Júlia (já grávida), Kadu, Javier e Filipe à mesa. Leonor e Horácio chegam e juntam-se a todos. Leonor brinca com Javier e acaricia a barriga de Júlia, numa indicação de que está aceitando a família do filho.

Corta para:

CENA 48. MIRANTE. EXT. DIA.

Mirante com belíssima vista do Rio de Janeiro. Júlia, com um barrigão, e Kadu sentados num banco de pedra.

JÚLIA: - Agora que a gente já sabe que é um menino, podemos pensar no nome.

KADU: - Qual você sugere?

JÚLIA: - Não sei, um nome simples, curto, mas ao mesmo tempo forte. Vitor!

KADU: - Ah não! O nosso filho não vai ter o nome do meu dentista, por favor.

JÚLIA: (ri) – Tá bem, Vitor riscado. Então...?

KADU: - Davi. Curto, forte e afetuoso. O nome de um grande homem.

JÚLIA: - Davi! (pra barriga) Agora, você já tem um nome, meu pequeno. Um belo nome!

KADU: - Que venha com saúde, pra coroar de vez a nossa felicidade.

Levantam-se e ficam ali abraçados, olhando a vista. Beijam-se.

Enquanto isso, na parte inferior da tela, em vez de um indefectível “fim”, uma máxima é escrita:


Sempre há uma outra chance, 
uma outra amizade, 
um outro amor,
uma nova força.
Para todo fim, um recomeço.

Antoine de Saint-Exupéry

CONFIRA A TRILHA SONORA DE 'RECOMEÇAR'

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Recomeçar - capítulo 19 (penúltimo)



autor: Augusto Vale

CENA 01. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Continuação imediata da última cena. Kadu e Júlia frente a frente.

JÚLIA: - Não, isso é uma loucura, Kadu.

KADU: - Tá decidido. Se você acha que ir embora do Rio é a melhor saída pra tudo isso, eu vou com você.

JÚLIA: - Kadu, eu não quero te envolver/

KADU: (corta) – Eu já tô envolvido. A nossa história é uma só desde a primeira vez que te vi. Os nossos caminhos se cruzaram pra sempre naquela noite. A gente se ama, Júlia.

Pausa. Finalmente, Júlia sufoca seus medos, em nome da felicidade. Abraça Kadu.

JÚLIA: – É claro, meu amor! A gente se ama... O nosso amor é mais forte que esse pesadelo. Eu não vou deixar o Lorenzo vencer, não vou deixar ele tirar você de mim. É a minha felicidade, caramba! E você é o homem que eu amo.

Beijam-se, selando o reencontro e celebrando a força de um grande sentimento. Música: "Cataflor" - Tiago Iorc. Corta para:



CENA 02. PRODUTORA GALVÃO. SALA DE LEONOR. INT. DIA.

Flavinha serve um café a Leonor, que está na mesa atolada no trabalho.

LEONOR: - Obrigada.

Flavinha vai saindo.

LEONOR: - Ah, Flavinha, encontra o Carlos Eduardo e peça pra ele vir aqui, por favor.

FLAVINHA: - O Kadu?

LEONOR: (irônica) - Não, o Dolabella.

FLAVINHA: - O Kadu já foi. Parece que a namorada dele reapareceu... Ele saiu esfuziante da lanchonete, não se fala em outra coisa aqui na produtora.

LEONOR: - Como é que é?

FLAVINHA: - A Júlia. Não é esse o nome dela? Você não vai com a cara dessa mulher, né, Leonor?

LEONOR: - Sai. Vai cuidar do seu serviço.

FLAVINHA: - Com licença.

Flavinha vaza apressada, sentindo que o mau humor da patroa está pelas tampas. Leonor pensa rápido, pega a bolsa e sai. Corta para:

CENA 03. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Todos na sala: Júlia, Kadu, Tia Sofia, Belita e Javier. Clima de despedida. Júlia abraçada a Tia Sofia.

JÚLIA: - Obrigada, tia. Obrigada por tudo mesmo. Me perdoe por esse transtorno todo, tá?

TIA SOFIA: - Você tem certeza que tá fazendo a coisa certa, minha filha? Me dói o coração te ver indo embora dessa maneira.

JÚLIA: - É necessário, tia. Mas vai ficar tudo bem.

Colada a Javier, Belita chora. Júlia abraça-a.

JÚLIA: - Calma, Belita. 

KADU: - Não chore, Belita. A gente vai se encontrar em breve.

JÚLIA: - Olha, eu prometo que, assim que tiver tudo nos eixos, você vem morar comigo novamente. Promessa de amiga. Agora deixa de ser boba e engole esse choro.

KADU: - Vamos, Júlia. Tá ficando tarde.

JÚLIA: (emocionada) – Fiquem com Deus!

Ela junta Belita e Tia Sofia num só abraça. Corta para:

CENA 04. FACHADA DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. DIA.

Leonor vem chegando de carro. Ela própria dirige. De longe, vê Júlia e Kadu colocando duas malas no porta-malas e entrando no carro. Automóvel de Kadu, que logo dá partida e sai. Leonor começa a segui-los. Corta para:

CENA 05. MANSÃO DE LEONOR. JARDIM. EXT. DIA.

O carro de Kadu estaciona próximo à entrada da mansão. Javier no banco traseiro, entretido com um brinquedo.

KADU: - Vou só pegar algumas roupas. Rapidão.

JÚLIA: - Tá bem.

Kadu sai do carro e vê Leonor chegando, já caminhando até ele, superciliosa.

LEONOR: - O que essa mulher faz aqui, Carlos Eduardo? Eu não te avisei que não queria essa ‘zinha’ na minha casa?

KADU: - Mãe!

LEONOR: - É isso mesmo que eu estou vendo? Você está fugindo com ela? Você perdeu o juízo?

Júlia sai do carro e, da porta, encara Leonor – mas sem confrontar. Kadu olha as duas. Climão. Corta para:

CENA 06. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU. INT. DIA.

Kadu vai pegando algumas de suas roupas e jogando numa mala, que está aberta em cima da cama. Leonor ao lado, tentando demovê-lo.

LEONOR: - Carlos Eduardo, você está cometendo uma loucura, isso é um absurdo!

KADU: - Não tente, mãe. Não perca seu tempo tentando me fazer mudar de ideia.

LEONOR: - Será que você não percebe...? Você não enxerga que você tá acabando com a sua vida? Se atirar de cabeça num abismo talvez fizesse mais sentido. (T) Onde é que ela estava todos esses dias? Ela te falou? Meu filho, isso pode ser um golpe dessa mulher pra cima de você, pra cima da nossa família. Não duvido nada que ela esteja mancomunada com o marido – o tal Lorenzo – pra colocar as mãos/

Kadu perde a paciência e se vê obrigado a parar Leonor. Dá um sacode.

KADU: - Chega, mãe! Cale essa boca! A Júlia foi raptada por esse infeliz, torturada... Tá bom pra você? Ela fugiu dele e agora precisa sair do Rio pra que esse desgraçado não a ameace de alguma forma, use o direito dele como pai do Javier ou, pior, ponha as mãos outra vez nela. Você tá entendendo a situação? Eu não vou deixá-la nesse momento. Aliás, não vou deixá-la nunca, em momento algum... porque eu a amo! Você sabe o que é isso: amor?

Kadu volta a arrumar a mala. Leonor dá um tempinho, mas continua:

LEONOR: - Pra onde vocês vão?

KADU: - Não sei.

LEONOR: - Como não sabe? Vão andar sem rumo, sem destino, feito dois hippies bêbados e vagabundos? E ainda tem uma criança no meio desse desvario. Meu Deus! Só imagino os traumas que já estão se formando na cabeça desse menino. Com razão, essa juventude de hoje em dia está perdida, afogada no álcool, cigarro e drogas e todos os tipos. Os pais são uns irresponsáveis, as famílias estão desestruturadas, os filhos são criados feito ratos... Eu tenho dó desse menino. O que vai ser dele quando descobrir que a mãe foi uma prostituta?!

KADU: - Você é repugnante! Se a Júlia tem que ficar longe do Lorenzo, eu tenho que ficar longe é de você.

Kadu sai com a mala. Leonor vai atrás.

LEONOR: - Carlos Eduardo, volte aqui! Você está se deixando levar... Você não pode fazer essa sandice!

Corta para:

CENA 07. MANSÃO DE LEONOR. JARDIM. INT. DIA.  

Kadu vem saindo da mansão, com a mala na mão. Não para. Leonor atrás, com desespero crescente. Júlia ainda fora do carro, assistindo.

LEONOR: - Meu filho, me escuta! Não faça isso. Não vale a pena. Ouça a voz da experiência: não vale a pena se sacrificar por ninguém – muito menos por essa mulher.

KADU: - Eu não vou discutir com você.

LEONOR: - Pensa no documentário que você tá produzindo, Carlos Eduardo. Você não pode abandonar o trabalho pelo metade... O seu pai. Pensa no seu pai. O coração dele não vai aguentar quando souber que você foi embora dessa maneira, sem se despedir...

KADU: - O meu pai, ao contrário de você, deseja a minha felicidade. Infelizmente, não dá pra me despedir, mas eu vou ligar pra ele depois... Quanto ao documentário, não há nada que eu possa fazer. Sinto muito.

LEONOR: - Eu não acredito.

KADU: (pra Júlia) – Vamos, meu amor.

Kadu e Júlia entram no carro.

LEONOR: (pra Júlia) – Você conseguiu! Conseguiu tirar o meu filho de mim. Maldita!

KADU: - Peça pro seu motorista pegar o carro no aeroporto. Adeus, mãe.

Kadu dá partida e vai embora, deixando Leonor em seu desespero. Zezé lá atrás. Corta para:

CENA 08. PRODUTORA. CAMARIM DE GILDA. INT. DIA.

Gilda dá um retoque na maquiagem em frente ao espelho. Jojô entra, cantarolando.

JOJÔ: - Deixa que eu faço isso, Miss.

GILDA: - Não. Eu gosto de me maquiar sozinha. Com sutileza, porque de carregada já basta a minha aura.

JOJÔ: - Humm, até parece! Estrelando um filme lacrador, sambando de salto quinze na cara das inimigas e, como se não bastasse, arrancando suspiros do muso Abel Molinari. Não adianta negar, eu vi com estes olhinhos que a terra há de comer o mais tarde possível. Tá com tudo, gata!

GILDA: - Como é que você sabe/

JOJÔ: (completa) - Quem é o Abel Molinari? E eu sou bobo de não conhecer aquele deus? Aquilo é homem pra quinhentos talheres dourados. Com todo respeito, é claro.

GILDA: - Ihh, não tenho nada com o Abel não, ô tattoo no púbis. Nossa relação é estritamente profissional. Quer dizer, somos amigos... eu acho.

JOJÔ: - A conversa que rola aqui na produtora é que ele tem um rolo com a toda-poderosa, a Leonor Galvão. Dizem que já sacaram uns olhares bem suspeitos entre eles. O que você acha disso, Miss? Será que é fofoca quente?

GILDA: - Quente vai ficar a sua cara se continuar se metendo nesses disse-me-disse sem futuro, Jojô! Não quero saber de assistente mexeriqueiro não, hein! Quer ficar sem panetone no Natal?

JOJÔ: - Calei-me!

Gilda para a maquiagem e, como se confidenciasse a si mesmo, fala com algum fascínio:

GILDA: - O Abel não é um sujeito de rolos. É um homem sério, sensível, compromissado... apaixonante.

Jojô com cara de quem tá sacando Gilda. Corta para:

CENA 09. AVENIDA. EXT. DIA.

Kadu, Júlia e Javier no carro, indo para o aeroporto.

JÚLIA: - Confesso que fiquei com dó da sua mãe. O desespero dela tentando impedir que você saísse de casa, isso mexeu comigo... E me sinto até culpada, sabia?

KADU: - Não diz isso, meu amor. A dona Leonor se vangloria por ser muito sábia, por ter experiência de vida... mas no fundo, nunca aprendeu a aceitar que o mundo é diferente daquilo que ela pinta. Ela não pode colocar o dedo na minha cara e dizer o que é melhor pra mim. Não tenho mais sete anos, poxa.

JÚLIA: - Ela me odeia, né?

KADU: - A minha mãe odeia todo mundo que tenha menos dinheiro que ela. Mas esquece isso... Quem tenta boicotar a nossa felicidade não merece crédito.

JÚLIA: - Tem razão. Meu Deus! Com tanta confusão, nem me dei conta... Nós vamos pra onde?!

KADU: - Pra qualquer lugar onde as horas não passem e o nosso amor seja eterno.

Aquele clima romântico. Kadu coloca uma música: “Kiss Me” – Ed Sheeran. Corta para:



CENA 10. CASA DE LORENZO. JARDIM. EXT. DIA.

Em seu carro, Lorenzo vem chegando em casa. Vai pra garagem. Corta para:

CENA 11. CASA DE LORENZO. SALA. INT. DIA.

Lorenzo entra com uma sacola de loja – um presente. Yolanda no sofá, lendo um livro. Ele a cumprimenta com um beijo na testa.

LORENZO: - Oi, mãe.

YOLANDA: - Presente pra mim?

LORENZO: - Não, mãe, esse aqui é pra Júlia... Um vestido novo. Hoje quero jantar fora e quero minha mulher belíssima. (T) Que silêncio! Cadê o Javier que não está brincando por aqui? Onde está a Júlia? (sai chamando) Meu amor?

YOLANDA: - A Júlia não está mais aqui.

Lorenzo para onde está. Vira-se para Yolanda, que segue:

YOLANDA: - Nem a Júlia nem o Javier.

LORENZO: - O que foi que a senhora disse?

Yolanda levanta-se e aproxima-se de Lorenzo.

YOLANDA: - Já estava na hora de acabar com isso, Lorenzo. Esse casamento foi um erro e essa sua obsessão por essa mulher já/

LORENZO: (corta, num berro, chorando) – O que a senhora fez?

YOLANDA: - Calma, meu filho! Eu só fiz isso pensando no seu bem. Essa história já estava passando de todos os limites, comprometendo até, sei lá, a sua sanidade, o seu equilíbrio mental... Você estava mantendo a Júlia prisioneira nesta casa! Isso não é atitude de uma pessoa em seu juízo perfeito.

LORENZO: - A senhora me traiu.

YOLANDA: - Não! Eu estou te salvando. Você foi enfeitiçado por essa mulher, meu filho.

LORENZO: - Sai da minha frente.

YOLANDA: - Estou começando a achar que você precisa de acompanhamento psicológico, Lorenzo. Você não está bem.

LORENZO: - Sai.

YOLANDA: - Lorenzo/

LORENZO: (explode) – Sai da minha frente!

O clima pesou. Yolanda vai pro quarto. Lorenzo atordoado. Pensa e sai rápido. Corta para:

CENA 12. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Tia Sofia assistindo uma novela na TV. Mala ao lado. Gato na caixa de transporte. Belita vem da cozinha.

BELITA: - Agora sim, de estômago forrado eu posso ir. Eu é que não vou comprar comida em aeroporto. Os olhos da cara. Deus me livre! A senhora não vai também?

TIA SOFIA: - Ainda não.

BELITA: - Já está meio tarde. Daqui a pouco anoitece. A Júlia pediu pra gente sair antes que a noite caísse.

TIA SOFIA: - Quando acabar a minha novela, eu vou. Já está no finalzinho. Mas você pode ir, minha filha, não se prenda por mim.

BELITA: - Então tá. Até um dia, Tia Sofia.

TIA SOFIA: - Até, menina. Vá com Deus!

Belita despede-se de Tia Sofia com algum afago. Sai com a mala e uma bolsa. Tia Sofia continua vendo TV. De repente, tira o gato da caixa.

TIA SOFIA: - Imagine que eu vou sair da minha casa. Tem até graça.

E, resmungando, leva sua mala pro quarto. Corta para:

CENA 13. FACHADA DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. DIA.

Fim de tarde. Belita vem saindo do prédio, despedindo-se do porteiro. Tranquila, caminha pela calçada. Um carro vem no mesmo sentido e vai parando perto dela. Ao olhar pro lado, Belita vê Lorenzo dentro do carro, no volante, empunhando um revólver, mirando nela.

LORENZO: - Entra no carro.

BELITA: - Doutor Lorenzo!

LORENZO: - Entra no carro ou leva bala agora!

Tremendamente assustada, Belita não vê outra saída a não ser entrar no carro. Enfia a mala na frente. Lorenzo dá um jeito de empurrar o trambolho pro banco traseiro, sem perder a mira. Belita no passageiro. Gagueja: 

BELITA: - O que o senhor quer comigo?

LORENZO: - Vamos dar um passeio.

Lorenzo sai em alta velocidade. Corta para:



CENA 14. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA/NOITE.

Música: “Let Me Go” – Cymcolé. Imagens clipadas do fim do dia no Rio de Janeiro. Anoitece. Corta para:

CENA 15. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.

Abre numa fita k7 sendo rapidamente rebobinada num gravador portátil (desses mais antigos, de jornalista). Dá play e ouvimos a voz de Filipe cantando um trechinho da música infantil “É de Chocolate” (Trem da Alegria). Enquanto isso, vemos ele e Davi sentados no chão, junto ao sofá, com uma panela de brigadeiro. Gravador na mão de Filipe. Dão risada com aquela tosquice.

DAVI: - Como você é bobo!

FILIPE: - Ficou bom, né? Sua vez agora.

DAVI: - Ah não!

FILIPE: - Ah sim! Lembra de uma boa aí.

DAVI: - Hummm... deixa eu ver. Dá aqui.

Davi pega o gravador e começa a cantar os primeiros versos de “Superfantástico” (Turma do Balão Mágico). Filipe atropela e emenda o refrão. Os dois se divertem, enquanto comem e se lambuzam de brigadeiro.

FILIPE: - Eu gosto.

DAVI: - De quê?

FILIPE: - De te ver assim, sorrindo, alegre, feliz...

DAVI: - Feliz porque eu tenho você.

Beijinho. Davi põe a cabeça no ombro de Filipe. Pausa típica de mudança de assunto:

FILIPE: - Amanhã começa a quimio, a primeira sessão.

DAVI: - Um mal necessário.

FILIPE: - Você não acha que seria bom procurar, sei lá, um grupo de apoio? Seria bom pra você. Conhecer outras pessoas que estão passando por essa situação, desabafar, compartilhar experiências, relatar dificuldades... É importante, é mais uma forma de se fortalecer pra superar isso tudo.

DAVI: - Talvez. Mas por enquanto eu tô bem, tô administrando com maturidade... E você tá aqui ao meu lado. Não existe força melhor nem maior do que o teu amor.



Emocionados, beijam-se e deitam no chão. Música: “How Long Will I Love You” – Ellie Goulding. Corta para:



CENA 16. DESPENHADEIRO. EXT. NOITE.

O cenário é a um despenhadeiro que dá pro mar. Música “Vi Luz y Subí” (Carlos Libedinsky) tocando inicialmente. O carro de Lorenzo vem chegando. Os faróis do carro e a lua são as únicas luzes no local. Barulho das ondas ao longe. Absolutamente ninguém à vista. O carro estaciona. Belita assustada e nervosa.

BELITA: - Que lugar é esse, doutor?

Lorenzo sai do carro. Dá a volta e abre a porta de Belita, mirando o revólver. Tensão sobe.

LORENZO: - Desce.

BELITA: - Doutor/

LORENZO: (corta) – Sai!

Belita obedece a ordem e sai do carro. Lorenzo a pega pelo braço, bruto e “arrasta-a” para a frente do veículo. Mão firme na nuca. Coloca o cano da arma no embaixo do queixo dela, que gagueja de nervoso.

BELITA: - Doutor, pelo amor de Deus! O que o senhor quer comigo?

LORENZO: - A minha mulher... pra onde ela foi?

BELITA: - Eu não sei, eu não sei da Júlia... Ela sumiu. Não sei dela. Eu juro!

LORENZO: - É mentira! Tenho certeza que ela te disse pra onde foi. Vocês são amigas, não são?! Já se atreve até a chamá-la de Júlia. Fala, babá dos infernos!

Belita chora.

BELITA: - Pelo amor de Deus, não me mate!

LORENZO: - Ela fugiu com o fotógrafo, com o amante?

BELITA: - Eu não sei, já disse.

LORENZO: - Não sabe? Pra onde você estava indo com essa mala? Isso tudo é medo de mim? Claro, assim fica muito mais difícil encontrá-la... A Júlia mandou que você sumisse, infeliz?

BELITA: - Pelo amor de Deus, doutor Lorenzo!

LORENZO: - Não fale em Deus, sua cadela! (T) Já estou perdendo a paciência. Diz logo o que sabe! Onde a Júlia se meteu com o fotógrafo filho da mãe e o Javier? Fala! Vou estourar os seus miolos, se não abrir o bico!

Num reflexo, Belita age e acerta os testículos de Lorenzo com o cotovelo. Ela consegue se desvencilhar dele, que agora já está no chão, gemendo de dor e xingando. 

LORENZO: - Desgraçada! Filha da puta!

Belita corre. Lorenzo dispara três tiros. Belita, ofegante, continua correndo. Tensão máxima. Lorenzo levanta-se e entra no carro. Pisa no acelerador. Semblante de psicopata. Com extrema frieza, ele avança com o carro em direção à Belita, que não para de correr, exausta. A alguns metros do fim da linha, o carro de Lorenzo cata Belita, violentamente. A babá voa por cima do carro. O dinheiro na bolsa dela (dado por Júlia) se espalha no vento. 

Volta a tocar o tango inicial. Lorenzo freia o veículo bruscamente, a poucos metros do abismo. Ele sai do carro e caminha em direção ao corpo de Belita, que está lá atrás, estendido no chão. Olha por um instante e, com o pé, vira a cabeça dela, verificando se há sinal de vida. Belita está morta. Então, Lorenzo dá alguns passos e observa, lá de cima, as ondas do mar castigando as pedras.

LORENZO: - Me aguarde, meu amor. Me aguarde.

No rosto dele, efeito e corta para:

FINAL DO PENÚLTIMO CAPÍTULO

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Recomeçar - capítulo 18



autor: Augusto Vale

CENA 01. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Ao som de “Are You With Me” (Lost Frequencies), vemos imagens de um belo dia nascendo no Rio de Janeiro. Um típico dia de sol. Corta para:



CENA 02. CASA DE LORENZO. SALA. INT. DIA.

Sentada numa poltrona, Yolanda toma uma xícara de café. Lorenzo vem da cozinha com uma pasta executiva.

LORENZO: - A senhora volta hoje pra Buenos Aires?

YOLANDA: - Meu voo é para daqui a dois dias. Por quê? Incomodo? Já quer se ver livre de mim?

LORENZO: - Só pra saber, minha mãe. Bom, eu preciso trabalhar. Bom dia.

YOLANDA: - Bom dia, meu querido. Bom trabalho.

Lorenzo despede-se da mãe com um beijo na testa. Sai. Yolanda dá um tempinho e vai averiguar a janela. Vê, por entre a cortina, Lorenzo saindo de carro. Caminha para a cozinha. Corta para:

CENA 03. CASA DE LORENZO. COZINHA. INT. DIA.

Júlia acaba de preparar uma vitamina e está servindo Javier. Yolanda entra.

YOLANDA: - Será que podemos conversar por um instante, Júlia? No escritório.

JÚLIA: (pra Javier) – A mamãe já volta, meu amor. Toma tudo, hein!

As duas saem. Corta para:

CENA 04. CASA DE LORENZO. ESCRITÓRIO. INT. DIA.

Júlia está sentada no sofá. Yolanda de pé.

YOLANDA: - Você já deve ter percebido que eu sou uma mulher muito franca. Nunca fomos amigas. Nunca tivemos uma relação de sogra e nora como deve ser.

JÚLIA: - Não estou entendendo, dona Yolanda. Qual a razão dessa conversa?

YOLANDA: - Eu nunca aprovei esse casamento, por razões que nem preciso dizer, uma vez que são bastante óbvias. O meu marido, que Deus o tenha, também sempre foi contra essa sandice do Lorenzo querer/

JÚLIA: (corta) – Quer fazer o favor de ir direto ao ponto? O desprezo que a senhora tem por mim não é novidade nenhuma.

YOLANDA: - Eu quero que você suma da vida do meu filho. Você e o menino. Estou disposta a abrir mão de uma pequena fortuna para custear as despesas do Javier, algo que lhe garanta um futuro, uma faculdade, uma boa casa... enfim, o suficiente para que vocês não tenham mais que procurar o Lorenzo pra nada.

JÚLIA: - Não sei se a senhora percebeu, mas eu estou presa nesta casa. Isso aqui é praticamente um cativeiro. Eu fugi do seu filho há quase um ano, cansada de ser espancada, humilhada...

YOLANDA: - Disse muito bem: você fugiu. Atirou o meu filho pela janela do quarto e, depois, fugiu sem prestar socorro, deixando-o pra trás, agonizando... Você devia estar na cadeia, sabia?!

JÚLIA: - Foi um acidente.

YOLANDA: - A sua sorte é que o Lorenzo não quis te denunciar.

JÚLIA: - Eu só queria viver em paz. E eu estava conseguindo, esse tempo todo longe dele. Estava refazendo a minha vida, feliz, ao lado de uma pessoa que realmente me quer bem... O Lorenzo é doente, possessivo, um psicopata completo. Me tirou dos braços do homem que eu amo e me trancafiou nessa casa, achando que assim pode colar os cacos do nosso casamento. E a senhora vem pedir que eu suma da vida dele? Como se eu tivesse muito prazer em viver aqui, como se estivesse adorando essa situação...

YOLANDA: - Pois muito bem. Já que ansiamos a mesma coisa, vou te ajudar afugir dessa casa. Dessa casa, da cidade e, se possível, do país.Você e o menino vão para qualquer lugar onde o Lorenzo não possa encontrá-los.

Corta para:

CENA 05. APART. DE GILDA. QUARTO DE FILIPE. INT. DIA.

Filipe fecha uma mala. Gilda encostada na porta, observando-o, emocionada.

GILDA: - O meu filhote saindo de casa, deixando o ninho da passarinha mãe...

FILIPE: - Ah, dona Gilda, não é a primeira vez. Quando fui estudar na Suíça, você fez esse mesmo drama.

GILDA: - Era diferente. Você foi estudar, tinha data certa pra voltar pra casa.

Eles sentam na cama.

GILDA: - Mas tudo bem, eu já tô aprendendo a exorcizar esse meu egoísmo materno.

FILIPE: - O Davi precisa de mim, mãe.

GILDA: - Eu sei. Eu sei que você também precisa dele. É um momento difícil, é imprescindível que vocês estejam mais do que unidos pra enfrentar esse dilema.

FILIPE: (chora) - Eu tô com medo, mãe. Muito medo. Eu tento dar forças, tento passar otimismo pro Davi, mas no fundo eu tô mergulhado em desespero. 

GILDA: - Calma, Filipe. Você não pode ficar assim. Você tem que ser mais forte que ele, não pode deixar se abater dessa maneira. Além do mais, o tratamento, a quimioterapia começa agora... O Davi tem muitas chances de se recuperar, de vencer esse câncer. Você vai ver, vai dar tudo certo, meu bem.

Gilda abraça Filipe. Corta para:



CENA 06. APART. DE DAVI. SALA. INT. DIA.

Música: “Só Sei Dançar com Você” – Tulipa Ruiz. Davi abre a porta e recebe Filipe, que está ali parado com a mala no chão. Sorriem. Felizes. Abraçam-se forte e trocam um longo beijo. CAM vai saindo em dolly out, ampliando a sala. Corta para:



CENA 07. PRODUTORA GALVÃO. ESTÚDIO. INT. DIA.

Música: “I Want To Know What Love Is” – Foreigner. Gilda ensaia uma cena com um ator, acompanhada pelo diretor do filme. Jojô acompanha de longe. Como quem não quer ser notado, Abel chega e fica observando Gilda em ação. Num dado momento, ela coloca os olhos nele. Trocam um tímido sorriso. Jojô não perde o lance. Corta para:

CENA 08. LANCHONETE DA PRODUTORA. INT. DIA.

Abel e Gilda numa mesa, tomando um suco.

ABEL: - Eu gosto de ver o meu texto ganhando forma, criando vida... Mesmo que seja uma adaptação, como é o caso desse filme.

GILDA: - O seu texto é maravilhoso, Abel. Flui escandalosamente bem. Estou com ele todo aqui ó, na pontinha da língua.

ABEL: - Sério?!

GILDA: - É claro! Gilda Lazarotto não pode fazer feio, meu amor.

Pausa. Outro clima:

ABEL: - Por que você mentiu?

GILDA: - Hein?

ABEL: - Naquela noite em que nos conhecemos... Por que você não me disse o seu nome? Lembro de ter ficado com a impressão de já te conhecer de algum lugar. Mas com o nome que você deu – Eleonora -, ficou impossível.

GILDA: - Acaba de responder a própria pergunta. Não quis que você me reconhecesse. Mas você também não me disse que se tratava do grande Abel Molinari, roteirista conceituado e premiado em vários festivais de cinema. Eu não teria saído do seu apartamento sem um belo autógrafo... porque eu tenho um caderninho de autógrafos, você sabe, né?! Como artista eu sou ótima, mas como tiete eu sou melhor ainda. Aliás, tenho uma história ótima com a Rosanna Arquette, preciso te contar...

Fora de áudio, Gilda conta a tal história para Abel. Corta para:

CENA 09.CASA DE LORENZO. GARAGEM. INT. DIA.

Yolanda abre o porta-malas do carro. Júlia e Javier vão entrar.

YOLANDA: - Entrem. Os seguranças não podem vê-los.

Júlia e Javier se espremem no porta-malas. Yolanda entra no carro e sai da garagem. Corta para:

CENA 10. CASA DE LORENZO. JARDIM. EXT. DIA.

O carro de Yolanda aproxima-se do portão, que está fechado. Um segurança aproxima-se do carro e faz sinal para que Yolanda abaixe o vidro.

YOLANDA: - O que você quer?

SEGURANÇA: - Dona Yolanda, me desculpe, mas o doutor deixou ordens expressas para que não deixássemos a senhora sair.

YOLANDA: - Mas o que é isso?! Que absurdo é esse?! Cometi algum crime para ficar prisioneira nesta casa?!

SEGURANÇA: - Não é isso senhora/

YOLANDA: - (corta) Vou ligar agora mesmo pro Lorenzo, quero saber que história/ Quer saber? Não vou ligar coisa nenhuma. Abra esse portão agora! Estou mandando!

SEGURANÇA: - Mas senhora/

YOLANDA: (corta) – Se você não quiser ir para o olho da rua por justa causa e sem carta de recomendação, abra a droga desse portão agora!

O segurança acata a ordem e faz sinal para um colega abrir o portão. Corta para:

CENA 11. AVENIDA. EXT. DIA.

Yolanda para o carro no acostamento e abre o porta-malas. Júlia e Javier saem do aperto e seguem viagem no banco traseiro. 

JAVIER: - Pra onde a gente tá indo, mamãe?

JÚLIA: - Pra casa, meu filho. Pra casa.

Yolanda volta a dirigir. Corta para:

CENA 12. PRODUTORA GALVÃO. ILHA DE EDIÇÃO. INT. DIA.

Kadu trabalhando na edição de um documentário. Davi entra, como quem está atrasado, e senta ao lado.

DAVI: - E aí, Kadu?! Perdi a hora, desculpa aí. Tá adiantado aí?

KADU: - Perdeu a hora, é? Olha aqui pra mim... Dormindo não estava. Então...

DAVI: - Segui teu conselho, me entendi com o Filipe. E mais: agora vamos morar juntos.

Kadu dá um abraço em Davi, sem levantar da cadeira, comemorando.

KADU: - Aêee... agora sim! Agora você fez a coisa certa. 

DAVI: - É, eu tava vacilando. Não fazia nenhum sentido ficar longe do homem que eu amo.

KADU: - Tô feliz por vocês, meu amigo. Olha, eu tava pensando, quero te dar isso aqui...

Kadu começa a preencher um cheque.

DAVI: - O que é isso?

KADU: - Pras despesas que você terá agora que vai começar a quimio... Outra coisa: acho que você deve pedir logo licença daqui da produtora. Tem que cuidar da sua saúde, moço.

DAVI: - Eu te agradeço, Kadu, mas não posso aceitar/

KADU: (corta) – Me deixa fazer alguma coisa por você?

DAVI: - Eu tenho algumas economias, é o suficiente/

KADU: (corta) - Ótimo! Tem mais essa aqui a partir de agora.

Davi se vê obrigado a pegar o cheque. Kadu vai saindo.

KADU: - Depois, a gente acaba isso aqui. Vamos comer alguma coisa. Tô faminto!

Corta para:

CENA 13. FACHADA DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. DIA.

O carro de Yolanda vai parando. Ela e Júlia conversam se olhando pelo retrovisor interno. Javier dorme.

YOLANDA: - É aqui?

JÚLIA: - Sim. É aqui que a minha tia mora.

YOLANDA: - Você sabe que este será o primeiro lugar que o Lorenzo irá procurar quando der pela sua falta, não sabe?

JÚLIA: - Eu sei. Vou pegar as minhas coisas e vou sumir daqui com o meu filho.

YOLANDA: - Pra onde você vai?

JÚLIA: - Não sei. Mas, pra me ver livre do Lorenzo, eu vou pra qualquer lugar.

Yolanda tira três maços de dinheiro (notas de R$ 100) da bolsa e oferece a Júlia. Agora se encaram.

YOLANDA: - Toma. Isso aqui é para os custos emergenciais. Me dê o número de uma conta para que eu possa depositar o que prometi.

JÚLIA: - Eu não quero o seu dinheiro.

YOLANDA: - Você vai fazer esse número de orgulho e honestidade comigo? Nós temos um acordo. Pegue o dinheiro, você vai precisar.

Júlia pega o dinheiro.

JÚLIA: - Obrigada. Obrigada pelo que a senhora fez por mim.

YOLANDA: - Eu não fiz nada por você. Eu não estou te salvando, estou salvando o meu filho. Desapareça, Júlia. Vá refazer sua vida no raio que a parta.

Yolanda com profundo desprezo por Júlia, que sai do carro com Javier nos braços. Fria, Yolanda vai embora, sob o olhar de Júlia na calçada. Corta para:

CENA 14. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Todos sorridentes. Tia Sofia abraça forte Júlia. Javier, que continua dormindo, nos braços de Belita.

TIA SOFIA: - Minha sobrinha querida! Graças a Deus você voltou sã e salva.

BELITA: - Graças a sua santinha, Tia Sofia.

TIA SOFIA: - Claro, menina. Nossa Senhora da Medalha Milagrosa nunca me falhou, e não seria dessa vez que ela me deixaria na mão. Tá tudo bem mesmo, minha filha?

JÚLIA: - Não, tia. Infelizmente. Eu consegui escapar das garras do Lorenzo, mas é só uma questão de tempo pra ele bater nessa porta e me arrastar de volta pr’aquela casa.

BELITA: - Disso eu não duvido. O que você vai fazer, Júlia?

JÚLIA: - Eu vou sair do Rio com o Javier. Preciso sumir do radar do Lorenzo. E vocês também. Vocês não podem ficar aqui.

TIA SOFIA: - Sair da minha casa? Esse homem é o mefisto, é o capeta? O que ele pode fazer contra mim? Não, não, da minha casa eu não saio. 

JÚLIA: - É só por uns tempos, tia. O Lorenzo é muito perigoso. Tenho medo do que ele possa fazer contra a senhora, tentando descobrir o meu paradeiro. Vá passar uma temporada com a Tia Glória em Belo Horizonte. E tem que ser hoje!

Corta para:

CENA 15. APART. DE TIA SOFIA. QUARTO/BANHEIRO DE JÚLIA. INT. DIA.

No quarto, Júlia acaba de colocar suas roupas numa mala. Belita sentada na cama.

JÚLIA: - Já fez a sua mala, Belita?

BELITA: - Sim, tá pronta.

Julia senta e pega nas mãos de Belita.

JÚLIA: - Lamento muito não poder te levar comigo, Belita. Mas, além de não saber direito pra onde ir, seria muito egoísmo da minha parte querer que você se sacrifique outra vez por mim. Você é uma grande amiga, Belita. Eu nunca vou esquecer o que você fez por mim.

BELITA: - Para, Júlia. Assim você vai me fazer chorar.

JÚLIA: - Não, não chora não, sua boba. Olha, eu quero que você aceite isso.

Júlia oferece o dinheiro que recebeu de Yolanda para Belita.

BELITA: - Mas isso é muito dinheiro. Eu não posso aceitar isso, Júlia.

JÚLIA: - Claro que pode. Pague sua passagem de volta pra Argentina. Te garanto que assim, em cima da hora, não será nada barata. E com o restante você faz o que achar melhor.

Belita aceita a grana e guarda em sua bolsa.

BELITA: - Tá bem. Eu vou aceitar porque não dá pra querer competir com você nos quesitos caturrice e teimosia. (T) E o Kadu, como é que ele fica nessa história? Ele tá louco atrás de você. Não sossegou um minuto desde o dia que você sumiu. Coitado.

JÚLIA: (muito triste) – O Kadu não cabe na minha vida agora, Belita. Eu já envolvi gente demais nesse pesadelo. Mas eu vou levá-lo comigo. Aqui (no peito), pra sempre.  

Júlia tenta se desvencilhar da tristeza e volta a arrumar a mala.

JÚLIA: - Vê pra mim se tô esquecendo alguma coisa importante no banheiro, por favor?

BELITA: - Claro.

Belita vai pro banheiro. CORTA PRA LÁ. Ela pensa rápido, pega o celular no bolso e digita uma mensagem. Corta para:

CENA 16. LANCHONETE DA PRODUTORA. INT. DIA.

Kadu e Davi numa mesa. Copos e pratinhos do lanche já vazios.

DAVI: - E a Júlia e o menino, nada?

KADU: - Nada, cara. A polícia não consegue dar um passo. 

DAVI: - Será que não estão fazendo corpo mole, já que não se trata de um sequestro clássico? Do jeito que as pessoas nesse país são, não duvido que achem muito admissível o marido rejeitado raptar a esposa.

O celular de Kadu notifica uma nova mensagem. Ele abre e lê: “Júlia e Javier voltaram pra casa. Corre pra cá”. Kadu transborda-se em alegria e não consegue formar uma frase. Eufórico:

KADU: - A Júlia/ O Javier/ O Javier e a Júlia/ Eles estão livres, eles voltaram...

DAVI: - Quando? Agora? 

KADU: - Eu preciso ir, eu preciso vê-los...

DAVI: - Claro! Vai logo! Eu cuido de tudo aqui. Me manda notícias.

KADU: - Tá, eu mando. (alto) O meu amor voltou! Espalhem por aí!

Todos, curiosos, olham pra Kadu, que sai esfuziante em direção à garagem. Davi sorridente. A galera cochicha. Corta para:

CENA 17. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Tristonha, Tia Sofia coloca seu gato numa caixa de transporte. Sua mala já feita ao lado do sofá. Javier brinca por ali. Júlia e Belita trazem suas malas do quarto.

JÚLIA: - Quer ajuda, tia?

TIA SOFIA: - Não, não, o ele vai se comportar direitinho nessa gaiola.

JÚLIA: - A senhora tá triste, né? Eu sinto muito, tia, mas nesse momento é o melhor a ser feito.

TIA SOFIA: - Não, minha sobrinha, não se preocupe. Já telefonei pra Glória. Vou passar uma temporada lá, tá tranquilo, não se preocupe comigo.

JÚLIA: - A senhora não sabe como eu fico aliviada.

Júlia faz um afago em Tia Sofia. A campainha já estava tocando. Belita vai abrir a porta. Júlia vira-se e vê Kadu ali parado, não contendo a emoção. Ele vai até ela e abraça-a. Abraço forte, muita saudade.

KADU: - Ah, meu amor! Graças a Deus você tá salva! Eu tava morrendo a cada segundo. A cada segundo!

Júlia está feliz em reencontrar Kadu, mas ao mesmo tempo temerosa. Ela percebe o sorriso largo de Belita e se toca que ela avisou Kadu.

JÚLIA: - Kadu, a gente precisa conversar.

KADU: - E o Javier?

Kadu vê Javier e o apanha num abraço caloroso.

KADU: - Garotão! Tá tudo bem com você?

JAVIER: - Tá.

KADU: - Olha lá, hein! No próximo pique-esconde você avisa antes. Combinado?

JAVIER: - Combinado.

Kadu percebe as malas pela sala.

KADU: - E essas malas? Pra onde vocês tão indo?

JÚLIA: - Tia, Belita, vocês podem nos deixar a sós um momento? Levem o Javier também, por favor.

Tia Sofia, Belita e Javier vão para a cozinha. Kadu intrigado. Júlia sofrendo por ter que abrir mão dele.

KADU: - Júlia, o que tá acontecendo? O que significa essas malas?

JÚLIA: - A Tia Sofia vai passar uns tempos na casa da irmã, a Belita vai voltar pra Buenos Aires... e o Javier e eu vamos embora daqui.

Aquele clima dramático.

KADU: - É o quê? Vocês vão pra onde? Vocês vão voltar pra Argentina/ Você vai voltar pro Lorenzo?

JÚLIA: - Não, não é nada disso. Muito pelo contrário. Eu tô fugindo do Lorenzo outra vez. Não tenho muito tempo. Daqui a pouco ele vai dar pela minha falta e vem bater nessa porta, me atirando no inferno novamente.

KADU: - Mas, meu amor... Você não precisa fugir. Não é assim que se resolve isso. A gente precisa denunciar esse desgraçado. O que ele fez é crime, ele tem que estar na cadeia/

JÚLIA: (corta) - Não! Você não conhece o Lorenzo. Ele tem dinheiro, tem poder, é influente... E se for preso, um bom advogado consegue livrar a pele dele num estalar de dedos. Eu tenho medo, Kadu! Você não sabe o quanto ele me torturou todos esses dias, usando o Javier... Tenho medo que ele tire o meu filho de mim. Eu não suportaria.

Júlia chora. Kadu abraça-a.

KADU: - Calma. Eu to aqui, meu amor. Nada de ruim vai lhe acontecer.

JÚLIA: - Eu não posso ficar aqui. 

KADU: - Tem certeza que isso é o melhor a se fazer?

JÚLIA: - É a minha única saída.

KADU: - Então eu vou com você.

No rosto de Júlia, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 18
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