Por FÁBIO COSTA
Atualmente, contando as reprises e as produções estrangeiras exibidas dubladas, e desconsiderando canais pagos como o Viva, temos em exibição quatorze telenovelas, sem contar a “novelinha” Malhação. Deixando-as de lado e sem contar minisséries e séries, sinto particularmente falta de programas de um gênero que infelizmente foi deixado de lado: o unitário, em suas variadas vertentes.
Unitário nada mais é que, sem que seja integrante de uma série em que os episódios, embora fechados, retomem os mesmos personagens toda semana, traz uma história que se desenvolve e se conclui num único programa, geralmente de uma hora de duração. São exemplos disso os “especiais” produzidos pela Rede Globo nos fins de ano (geralmente como programas-piloto dos projetos pensados para a grade do ano seguinte) e os “casos especiais” exibidos com esta e outras denominações desde a década de 1970.
Atento principalmente para a falta, por razões nas quais pensaremos a seguir, de uma vertente de teledramaturgia em especial: o teleteatro, pai do formato unitário, nascido com a própria TV no Brasil, na Tupi, com programas como TV de Vanguarda e Grande Teatro Tupi, na década de 1950. O teleteatro, que reinou absoluto antes da era da telenovela, tendo inclusive convivido com esta por algum tempo até sucumbir completamente, era não só uma vitrine das grandes obras da literatura e do teatro universais ou do melhor elenco disponível, mas principalmente um exercício ímpar de dramaturgia para atores, diretores, produtores, técnicos e, acima de tudo, para os telespectadores.
O teleteatro, de grande força nas décadas de 1950 e 1960, viu seu público habituar-se às telenovelas e aos enlatados norte-americanos e já na década de 1970 transformou-se, em iniciativas como o já citado Caso Especial e o programa Teatro 2, na TV Cultura, uma iniciativa de Nydia Lícia. Depois de anos em busca de uma linguagem para a televisão, sem que se vivesse apenas de copiar o cinema e/ou aproveitar as fórmulas consagradas pelo rádio e também, conforme depoimentos de pioneiros do teleteatro como Walter George Durst, graças a certo esgotamento do gênero junto ao público, depois de quase duas décadas, os especiais globais e as produções da Cultura mantinham o estilo em voga, embora sem o sucesso de outrora.
Lima Duarte em Corpo Fechado, da série Teatro 2. |
O Teatro 2, do qual alguns programas foram reprisados em certas ocasiões pela emissora – como Vestido de Noiva (Nelson Rodrigues), Crime e Castigo (Fiodor Dostoievski), Réveillon (Flávio Márcio), A Ceia dos Cardeais (Júlio Dantas) e Corpo Fechado (Guimarães Rosa), entre outros –, foi um verdadeiro laboratório de criação para diretores como Adhemar Guerra e Antunes Filho, com verdadeiros híbridos de teatro e televisão como resultado. Caso Especial, por sua vez, foi um programa que teve seu auge na década de 1970 e que, ao longo dos anos, com a denominação modificada para Brasil Especial ou, mais recentemente, Brava Gente, manteve na televisão brasileira a tradição, por assim dizer, dos unitários que, convém lembrar, são deixados de lado pelas emissoras muito também por custarem caro, e o investimento isolado em cada história ser muito alto, em especial se comparado com os custos das telenovelas, que se diluem no decorrer dos meses de produção.
O próprio Você Decide, da década de 1990, apesar de seu caráter interativo, já que nele o público decidia o final das histórias entre duas ou mais opções disponíveis, não deixa de ser também um filho dileto do teleteatro, com sua característica básica de contar o começo, o meio e o fim de uma história numa mesma apresentação. Tal como os teleteatros clássicos, também esgotou-se com o passar dos anos.
Além de esgotamento junto ao público (conclusão a que se chegou já na década de 1970), da carestia da produção e da hegemonia da novela na teledramaturgia, que outros fatores impediriam a presença de um TV de Vanguarda, um Teatro Cacilda Becker ou coisa parecida na televisão hoje em dia? Não muito tempo atrás a TV Cultura, sempre ela, exibiu o ciclo Senta que Lá Vem Comédia, em que a cada semana eram exibidas peças que iam desde Toda Donzela Tem um Pai que É uma Fera (Gláucio Gil) até Os Ossos do Barão (Jorge Andrade). Outro ciclo especial, Direções, em suas três edições, propôs novas formas de se fazer dramaturgia em TV, algo próximo do teleteatro, guardadas as devidas, inclusive com diretores como André Garolli, de experiência nos palcos e nos estúdios, e Rodolfo Garcia Vázquez, d’Os Satyros.
Claro que atualmente não é estritamente necessário, como o era para o “seleto e culto” público de TV dos anos 50, televisionar peças simplesmente ou trazer as melhores companhias teatrais para apresentações nos estúdios. No entanto, o unitário, ainda que de maneira eventual, dosada, serve para aliviar o público das histórias parceladas que se arrastam por meses e meses. Gosto muito de telenovelas, mas boas histórias parceladas podem conviver sem maiores problemas, penso, com outras tão boas quanto que se fechem numa apresentação só.
Feliz estréia no blog, Fábio... que este seja um de tantos outros posts!
ResponderExcluirBem vindo Fábio!!! :D
ResponderExcluirBem vindo Fábio! Excelente estréia!! Adorei seu texto, o teleteatro faz falta mesmo.
ResponderExcluirÓtimo texto, Fábio: riquíssimo em informações acerca da história do teleteatro, mui bem redigido. E partilho totalmente de sua opinião: nossa programação televisiva está carente, ou mesmo órfã, do gênero. Faz muita falta, realmente.
ResponderExcluirParabéns pela postagem!
Dia desses eu estava fazendo uma pesquisa sobre um grande ator para uma futura postagem (aguardem), quando me deparei com os vídeos de Vestido de Noiva da Cultura. Uma coisa tão ncrível, que não teria espaço na TV se fosse feito hoje. Faz falta essa ousadia hoje em dia.
ResponderExcluirO tema e a forma de abordagem são bons, mas o texto é incrível! Parabéns, Fábio!