Por Denis Pessoa
Blogueiro Convidado
Sempre que uma nova novela é anunciada, uma das primeiras curiosidades do público, e nisso estou incluso, é saber quem será o(s), ou a(s) protagonista(s).
Tão logo os primeiros nomes começam a surgir, assim como breve descrição dos personagens, eu geralmente paro e penso: mas espere um pouco. Tem algo errado.
O último caso foi na recém-terminada novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, Insensato Coração. Desde o início foi anunciado um casal de protagonistas: Pedro (Eriberto Leão) e Marina (Paola Oliveira), que, movidos por uma paixão nova e incontrolável, cometem todo o tipo de inconseqüência para ficar juntos, o que, mesmo que indiretamente, causa a morte de sua ex-noiva, Luciana (Fernanda Machado).
Este enredo inicial dava ao público um tema meio batido, mas válido: vale tudo mesmo para viver uma paixão?
Paralelamente a esta trama, corria a trama de Leonardo (Gabriel Braga Nunes). Um psicopata que vivia de pequenos golpes, e que por quantias ínfimas de dinheiro, enganava pessoas, até que cruzou o caminho de Norma (Glória Pires). Fingiu amá-la, enganou-a, traiu-a, e, roubou, e, sem o menor peso na consciência, abandonou-a para pagar por um crime que ela não cometeu.
Após sofrer e endurecer na cadeia, Norma deixa a prisão com o objetivo de vingar-se. Este momento demorou a chegar, porém, quando chegou, atraiu a atenção de boa parte do público, inclusive de muitos que já haviam desistido da novela. Para uma vilã tão aguardada pelo público, já que era fruto da parceria de Glória Pires com Gilberto Braga, que rendeu vida à Maria de Fátima, Norma estava apagada demais na trama. Porém, o autor provou mais uma vez sua imensa competência e mostrou que, vilania não se mostra na quantidade de maldades executadas em grande quantidade de capítulos, mas sim na intensidade das maldades que são executadas. E Norma superou Fátima em crueldade. Diferente da segunda, que em nome do dinheiro era capaz de trair a própria mãe, porém, que constantemente se redimia, tanto para o público quanto para a mãe, Norma tornou-se uma máquina de vingança. Uma pessoa perturbada, cujo seu combustível era o ódio, e que provou, em pouco tempo, que poderia ser tão ou até mais cruel do que Leo, um psicopata que a cada golpe tornava-se cada vez mais desumano.
Tarefa cumprida. Norma usou e abusou do poder conquistado, humilhou o vilão o quanto pode, cometeu o erro de unir-se a ele novamente, descobriu-se enganada uma segunda vez, e terminou a novela assassinada. Um final indigno para a grandeza da personagem, porém, que ilustra perfeitamente o destino de quem vive pela vingança. Norma, de fato, conseguiu sua vingança contra Leo, porém, não viveu para presenciá-la.
Uma personagem tão complexa, ao mesmo tempo, tão vazia, que foi evidentemente a estrela da novela, não merecia o título de protagonista?
Vejo que ainda há uma resistência evidente, e uma confusão entre o que significa herói e mocinha, e protagonista. O público tinha dificuldade em classificar Norma na novela. Era vilã? Heroína? Certamente que nem uma coisa, nem outra. Era uma vítima, até o momento em que decidiu pagar o mal com o mal.
Mas e os heróis, Pedro e Marina, eram os protagonistas da novela? Certamente que não. Então, me pergunto, qual a real necessidade deles na novela? Porque o público ainda precisa de um personagem que justifique a existência da obra? Por que o público ainda pode deliciar-se com meses de barbaridades cometidas por um personagem, desde que no final, o bem venha a triunfar, e assim, todas as consciências fiquem leves? Por que não assumirmos o nosso lado sádico?
O discurso sobre a família no final da novela foi muito pouco perante as atrocidades e inúmeros assassinatos cometidos ao longo da trama, inclusive o de uma mulher grávida.
Ao longo dos anos, vimos a crueldade em novelas aumentar cada vez mais, e agora, creio que chegamos a um ponto crítico. Os vilões em novelas sempre foram fascinantes, porém, sempre ocuparam uma posição muito bem definida. Hoje, no entanto, deixaram essa posição, e simplesmente passaram a dominar a história, ainda que por debaixo do pano. Insensato Coração era a história de Norma, e não de Pedro e Marina. Creio que poucas pessoas se interessavam por este casal, e aqui, não faço crítica aos atores, algo que não me cabe, e sim aos personagens que foram dados a eles.
A novela era de Norma. Mas talvez houvesse uma rejeição do público caso a novela fosse anunciada com uma protagonista tão controversa: uma protagonista que mata, que busca vingança, que foi gravemente ofendida e deseja ver seu algoz sofrendo. Talvez o público fugisse desta novela, o que não passa de uma grande hipocrisia. A maldade é divertida quando de mentira, mas não podemos admitir que ligamos a TV dia-a-dia para ver a Norma se vingando do Léo, e não para ver Pedro e Marina, meros coadjuvantes.
Voltemos a novelas anteriores: Passione, e seus verdadeiros protagonistas, Fred (Reinaldo Gianechinni) e Clara (Mariana Ximenes). Alguém realmente torcia por Bete (Fernanda Montenegro)? Difícil acreditar. Passione, bem mais apática que Insensato Coração, talvez tenha superado a segunda em crueldade. Sua maior fraqueza foi a falta de biografia dos personagens, e quando havia, era inconsistente, e de uma banalidade imensa. Colocar uma avó cruel como justificativa para Clara ser mau-caráter, e colocar uma doce e quase estúpida irmã como contraponto não serviam de nada. Era absolutamente impossível que Clara tivesse tido sua avó como única referência em sua vida. A falta de um personagem cativante, e o grande destaque que os vilões recebiam tornou, Passione um festival de violência e crueldade gratuitas, que nem o núcleo cômico conseguiam amenizar. E aqui, comparo Clara com Norma. Às duas, falta um grande tempero a qualquer vilã inesquecível: o humor. Sentamos diante da TV para relaxar, e estas duas últimas novelas causaram a mim mais momentos de tensão do que diversão. Chegamos a um extremo de violência injustificável. A cena de Leonardo perdendo um dente e Norma fingindo divertir-se com aquilo foi, embora bem escrita e realizada, lamentável do ponto de vista humano. Foi uma novela difícil de assistir. O entretenimento está deixando estas novelas. Não há moralismos aqui. Insensato Coração, ao menos, transmitia uma mensagem, já transmitida por Gilberto Braga em Celebridade. Vingança certamente não compensa.
Estabelecendo uma comparação de Norma e Clara com vilãs mais antigas, como Laura Prudente da Costa (Cláudia Abreu), Branca Letícia (Suzana Vieira), Maria Regina (Letícia Spiller). Todas mulheres cruéis, com suas razões para serem más, mas eram magnéticas, divertidas, irresistíveis.
Voltando mais um pouco no tempo, falo agora de Viver a Vida. Protagonista anunciada: Taís Araújo, que viveria a primeira Helena negra do Manoel Carlos. Protagonista de fato: Luciana, a personagem de Alinne Moraes, que ficou tetraplégica durante a novela.
Me pergunto o que aconteceu: Isso já era planejado, ou realmente, é preciso de um “bode expiatório” ao anunciarmos um protagonista que foge ao convencional? A novela teria dado certo e passado sua mensagem com sucesso se tivesse anunciado uma protagonista que ficaria tetraplégica para sempre? Insensato Coração e Passione teriam dado certo se tivessem anunciado uma golpista e uma justiceira como protagonistas?
A despeito dos percalços que uma novela pode sofrer (falta de identificação do publico com determinado ator, por exemplo), creio que estamos diante de uma inversão de valores. Confunde-se protagonista com herói e mocinha, quando na verdade, o protagonista é o personagem que move a trama, que move os personagens menores, que dá razão para a trama existir. E no caso dessas três novelas, certamente estamos falando de Luciana, Clara e Norma, e de inúmeras outras novelas onde isso ocorre.
Sou por assumirmos o real protagonista, o personagem central e absoluto. Os demais podem compartilhar do seu brilho, mas jamais roubá-lo, ou então, deixa de ser protagonista. Isso com certeza seria mais esclarecedor e daria justificava às atrocidades cometidas por tantos vilões que roubaram a cena de heróis sem bases sólidas para justificarem-se como tal. Para ser herói é preciso ter um objetivo tão forte quanto o necessário para ser um vilão, e não somente reagir aos seus ataques, como boa parte de nossos “heróis” fazem nas novelas.
O exemplo mais recente de protagonistas verdadeiros que me vem à cabeça é a dupla Flora (Patricia Pillar) e Donatela (Cláudia Raia), de A Favorita. Ambas dividiam o posto de protagonistas, e a briga entre o bem e o mal era de igual para igual. Heroína e vilã, também protagonistas da novela. Uma não roubava o brilho de outra, uma não possuía uma história mais interessante do que a outra. Simplesmente porque estavam unidas pelo mesmo destino, pela mesma tragédia. As maldades de Flora eram tão emocionantes como as desventuras de Donatela, e assim, a novela seguiu para um desfecho fantástico.
Creio que chegamos a um ponto onde teremos que fazer um retorno. As novelas tem superado os níveis “aceitáveis” de crueldade, esquecendo-se de que existem para divertir, não para deixar o já tenso telespectador sentindo-se mal. E não digo isto com fins moralistas, pois não cobro dos autores de novela uma “mensagem”, mas espero que ao menos façam sentido.
E espero ver, pelo menos de vez em quando, e quem sabe na novela Fina Estampa, um protagonista sendo também o herói da novela, e vice-versa.
Denis Pessoa tem 24 anos de idade, é auxiliar de enfermagem, já foi soldado do exército, assistiu cirurgias em animais em um pet shop, já teve o cabelo até o ombro, já usou piercing na sobrancelha, escreve um livro que não sabe se vai publicar um dia, e agora estuda Jornalismo e escreve para blogs.
Bem pertinente essa questão sobre os protagonistas. Acredito que no caso de Insensato Coração, o casal Pedro e Marina serviu mais pra seguir o protocolo. Os protagonistas de fato foram Norma e Léo. Até o momento, Fina Estampa não deixa dúvidas e dificilmente deixará. É a trajetória de Griselda que estamos acompanhando.
ResponderExcluirMuito bom o texto, é sempre bom lembrar que às vezes a culpa de um vilão ou coadjuvante brilhar mais que o herói ou a mocinha é do texto, que deixa o personagem sempre muito bom, muito justo,acima do bem e do mal, e isso faz com que fique plana e irreal a trama ao redor dele. Um exemplo de heroína interessante é a Maria Escandalosa, de Claudia Raia em Deus nos acuda, trambiqueira e vulgar tinha tudo pra ser odiada, mas viveu uma linda história de amor.
ResponderExcluirJá é uma questão que eu venho analisando faz tempo, essa coisa do protagonista. Acho que existe um senso comum muito errante que leve a maioria dos telespectadores a crer que protagonista = principal casal romântico. Não é assim. Pelo menos nos dias de hoje. Concordo com todas as colocações exceto em "Passione". Totó era o protagonista e não Beth. Claro que o nome desta novela foi Mariana Ximenes, mas Totó era o fio condutor da história. Tudo passava e girava em torno dele. Era o o protagonista, embora que a personagem de maior repercussão tenha sido Clara.
ResponderExcluirMuito oportuno o seu post, Denis, desde já agradeço pela sua importante contribuição ao Blog... volte mais vezes!
ResponderExcluirEm relação a Fina Estampa não sinto que a Tereza vá roubar a cena, mas adoro as vilãs... e até gostaria que a Dra. interpretada pela Sorrah ganhasse ares maquiavélicos!
As vilãs dominam as novelas, dificil uma novela em que a protagonista consegue superar a vilã! Vide as últimas!
ResponderExcluirAbs
Bruno, é verdade, não mencionei Totó, ele realmente era o "herói" da trama, e não Bete. Embora eu considere ele extremamente passivo e ingênuo, como boa parte dos personagens "do bem", porém, apesar de ter demorado demais a executar sua "vingança" contra Clara, o fez com louvor. Totó, diferente de Bete, que passou a novela inteira atordoada, era um homem íntegro, honesto e amava-a de verdade. Abraço e obrigado a todos que comentaram!
ResponderExcluirCherriee, seu texto é excelente!! Eu, como um grande apreciadora das vilãs, concordo em quase tudo com vc. =)
ResponderExcluirO mal excerce um grande fascínio sobre todos nós. É uma forma de vivenciar, de chutar o balde e ligar o foda-se para um monte de coisas que na vida real, a maioria de nós não teria coragem. Sem contar que ultimamente os autores traçam perfis tão errôneos que praticamente nos obrigam a torcer pelo vilão, pois ninguém quer se identificar com o babaca da vez...
ResponderExcluir#venenosemfreio
Acho que Pedro e Marina de Insensato Coração, foram se esvaziando aos poucos. Gilberto e Ricardo não sabem fazer bons "mocinhos" em suas novelas. Geralmente são bobos e sem conteúdo. O forte dos dois é mesmo a criação de vilões. Mas Léo e Norma também eram protagonistas, já que a trama dos dois não poderia ser considerada paralela e sim outra principal. Mérito também dos atores, que fizeram seus papéis com extrema competência. Além disso, os vilões são sempre mais ativos nas tramas do que os mocinhos, são eles que fazem a história acontecer. Em Passione, não considero Clara e Fred os protagonistas. Eles são mesmo os antagonistas. A história girava em torno de Bete e Totó, assim como acontecia com Taís Araújo em Viver a Vida. Mesmo sem força, a história se passava em torno de Helena. No caso de Clara e Fred, assim como Norma e Léo, tudo acontecia porque eles faziam, logo, pareciam ser os protagonistas. Quanto à crueldade dos atuais vilões, não me incomoda nem um pouco. Gosto quando as histórias pesam a mão. Não gostava, por exemplo, da Maria Regina de Suave Veneno. Achava caricata. Mas aí já é questão de gosto mesmo.
ResponderExcluirAdorei o texto!! Parabéns, meu amigo!
Adorei o texto, concordo que confundem-se protagonista com mocinho/a e herói/heroína. Acho realmente que a protagonista de Insensato Coração foi Glória Pires, mas como em Suave Veneno ela era também protagonista, mas virou uma bagunça, acho que os autores tem medo de apresentar personagens tão controversos para serem protagonistas, manipular uma mocinha/o durante a novela é mais fácil e mais crível. Também torço por vilões, amava Maria Regina em Suave Veneno e ter That I Would Be Good como sua trilha era no mínimo uma feliz coincidência! Tudo a ver! Gilberto sabe como ninguém escrever vilões, mas suas mocinhas são fracas e irritantes, já Manoel Carlos escreve heroínas como ninguém, viver a Vida foi uma infeliz decepção, a novela em si foi ruim, a verdadeira Helena da história foi Lilia Cabral e Aline Moraes teve mais destaque do que Taís Araújo, mesmo assim as Helenas de Maneco são ainda grandes exemplos de mocinha que pode ser protagonista sem deixar de ter defeitos, serem fortes e porque não de vez em quando cruéis, a própria Helena de Laços de Família vivida por Vera Fischer, ao ser julgada por ter engravidado de propósito e sem amor para tentar salvar a filha que sofria de leucêmia, ao ser comparada com uma prostituta disse "Quando meus filhos eram pequenos fiz coisas piores do que uma prostituta para criá-los" ou seja, mocinha não precisa perder espaço realmente para a vilã espertalhona, só é preciso saber dar a importância necessária para cada uma, assim como em A Favorita.
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