Por Emerson Felipe
Ultimamente, fala-se em crise e desgaste do gênero telenovela, haja vista a constante repetição dos enredos e a linha decrescente de audiência. Dentro deste quadro, uma curiosa novela das seis horas conseguiu sobressair, conquistando público e crítica com sua inusitada proposta: Cordel Encantado, de Duca Rachid e Thelma Guedes.
A faixa supracitada, caracterizada por novelas com temática mais leve e romântica, é aquela que vem apresentando uma maior estabilidade em termos de audiência ultimamente: desde Paraíso, de 2009, as novelas do horário alcançam números de audiência dentro dos padrões exigidos pela emissora . E Cordel Encantado, ao encantar o público e a crítica especializada em cheio, veio a coroar essa frutífera fase.
As autoras criaram uma inusitada história de contos de fadas que se desenrolou no sertão brasileiro, mais especificamente na fictícia cidade de Brogodó, em que Açucena (Bianca Bin), uma princesa do (também fictício) reino europeu de Seráfia, chega ainda bebê ao Brasil, cresce sem saber de sua real origem, e vive uma história de amor com o sertanejo Jesuíno, o qual também desconhece suas raízes – seu pai, Herculano (Domingos Montagner), é um temido cangaceiro.
A direção mergulhou de cabeça no universo fantasioso imaginado por Thelma e Duca, traduzindo em vistosas imagens esse conto de fadas. A estética cinematográfica foi uma atração à parte: a filmagem em 24 quadros por segundo e o contraste de luzes e cores - aliados a belos planos e figurinos vistosos- conferiram cenas de puro deleite em Cordel Encantado. Uma cena, em especial, emocionou: os cangaceiros recusam-se a entregar o corpo do jovem Cícero (Miguel Rômulo) aos pais, a fim de lhe dar um enterro segundo os costumes do cangaço; a câmera posicionada, na carroça em movimento, filma os passos da mãe em busca do corpo do filho - a imagem do desespero da mãe toma conta da tela.
Além da minuciosa direção, cabe mencionar o excelente trabalho do elenco de Cordel Encantado, de onde se extraíram grandes interpretações, tanto dos atores consagrados como das revelações. Zezé Polessa e Marcos Caruso estiveram perfeitos como o cômico e caricato casal Ternurinha e Patácio (impagável o momento em que a primeira-dama tenta se proteger de um tiroteio enrolando-se num tapete!); Osmar Prado fez o público rir com o seu “peruquento” delegado Batoré, e também se sensibilizar com o amor sincero e não correspondido que sentia pela doce e sofrida Antônia (Luiza Valdetaro). Débora Bloch construiu muito bem a perigosa vilã Úrsula, uma verdadeira feiticeira de contos de fada, manipuladora de venenos, poções, soníferos e até soro da verdade, tão cruel a ponto de trancafiar o esposo Petrus (Felipe Camargo) numa máscara de ferro.
Os protagonistas Cauã Reymond e Bianca Bin, de uma maneira geral, não comprometeram como os mocinhos apaixonados da história, apesar de um ou outro equívoco na interpretação. Nathália Dill mais uma vez mostrou desenvoltura como a contida, corajosa e íntegra advogada Doralice, numa interpretação discreta e elegante, mostrando química tanto com Cauã como Jayme Matarazzo (cujo personagem, Príncipe Felipe, conquistou o seu amor, ao fim da novela). Quanto a este ator, notável a evolução de sua interpretação, superior ao trabalho feito em Escrito nas Estrelas.
Dos coadjuvantes, merecem menção Luiza Valdetaro (convenceu como a sofredora e romântica Antônia); Ana Cecília Costa (emocionante como Virtuosa, a mãe de Açucena e Cícero); Enrique Diaz (em ótima parceira com Ana Cecília Costa, como o íntegro sertanejo rústico Euzébio); Lucy Ramos (encantadora como a humilde empregada Maria Cesária, que conquista o coração do Rei Augusto); Luana Martau (que foi do cômico ao dramático com sua Princesa Carlota); Felipe Camargo (o sofrido e desmemoriado Duque Petrus, aprisionado numa máscara de ferro pela ardilosa esposa Úrsula); Mouhamed Harfouch (o divertido libanês, sempre confundido com turco, que se relacionava simultaneamente com três mulheres); Andréia Horta (deslumbrante, perfeita como a típica nordestina Bartira); Miguel Rômulo (numa incrível desenvoltura como o jovem Cícero, ávido por ingressar no cangaço); Tuca Andrada (o traiçoeiro cangaceiro Zóio Furado), Matheus Nachtergaele (embora seu personagem tenha tornado-se cansativo no decorrer da novela, é inegável o ótimo desempenho como o místico Profeta Miguézim) e Ilva Niño (simplesmente magnífica como a forte e amorosa cangaceira, matriarca do bando do filho Herculano).
Ao lado dos consagrados, diversas revelações abrilhantaram Cordel Encantado: Domingos Montagner (grande presença em sua estreia em novelas como o temido Capitão Herculano, o Rei do Cangaço), João Miguel (perfeito como o vaidoso cangaceiro Bel, fiel ao seu chefe, chamando a atenção por seus versáteis disfarces e em ótima química com Paula Burlamaqui) e Flávia Rubim (numa ótima composição como a empregada Filó). Também deve se frisar o maravilhoso trabalho do núcleo infantil, especialmente o menino João Fernandes, muito talentoso e que demonstrou bastante naturalidade em cena, conquistando a todos com o seu esperto Nildinho (Eronildes).
Mas, como toda bela rosa tem seus pontiagudos espinhos, Cordel Encantado padeceu de alguns erros e inconsistências que, por vezes, chegaram a comprometer o seu andamento. Em dado momento, as autoras não conseguiam mais dar novos rumos à história, que estagnou num tremendo círculo vicioso, em que as vilanias desnecessárias de Timóteo Cabral imperavam e a trama envolvendo este, Jesuíno e Açucena voltava à estaca zero. Diariamente, um jogo de gato e rato entre o mocinho e o vilão era empurrado ao público: um arquitetava uma armadilha e prendia o outro que, por sua vez, conseguia se libertar e aprisionava o rival; Açucena era capturada por Timóteo e Jesuíno a salvava - e posteriormente, raptada mais uma vez, reiniciando o ciclo. Todos os esforços do roteiro se voltavam para esses únicos e repetitivos ganchos, enquanto os demais núcleos, que poderiam oferecer ótimas passagens, eram sumariamente ignorados.
Não é a primeira vez que essa perda de fôlego acontece em novelas de Thelma e Duca: seu trabalho anterior, Cama de Gato, primou por uma narrativa ágil repleta de acontecimentos encadeados, sendo que sua reta final foi o oposto de tudo aquilo que criaram ao longo de meses, terminando de forma melancólica e enfadonha. A talentosa e promissora precisa direcionar melhor os acontecimentos da trama e melhor distribuí-los ao longo dos capítulos, bem como enfatizar as tramas paralelas e os personagens secundários (pouco explorados em Cordel Encantado em razão da concentração num núcleo central repetitivo e com pouco história a contar).
A intepretação de Bruno Gagliasso como o enlouquecido vilão Timóteo Cabral revelou-se completamente equivocada: as já características – e cansativas - caras e bocas do ator, conhecidas de trabalhos anteriores, engessaram o personagem num tom desnecessariamente over e discrepante. A escalação de Luis Fernando Guimarães como o mordomo Nicolau também deixou a desejar: o ator esteve absolutamente destoante da proposta da novela e nem um pouco à vontade em cena. Os rumos dados ao personagem Herculano também não foram dos melhores: à certa altura, o temido cangaceiro era constantemente enganado pelo vilão Timóteo e tornou-se um simples joguete nas mãos da Duquesa Úrsula. Além disso, a inclusão de um núcleo de cinema na reta final só contribuiu para emperrar ainda mais o seu desenvolvimento, decretando a barriga de Cordel Encantado.
Tais aspectos negativos, felizmente, não foram desabonadores o suficiente contra a novela como um todo: o ineditismo e a ousadia do texto, a direção cinematográfica e o envolvimento do elenco fizeram de Cordel Encantado uma das melhores novelas dos últimos tempos. Uma primorosa história de cordel, com várias referências a clássicos da literatura infantil, que articulou com maestria duas temáticas distintas: a sofisticação de um reino europeu e a beleza rústica do sertão brasileiro. Cordel Encantado já é o clássico conto de fadas da nossa TV.
Um arraso esse post! Assim como a novela foi!!!
ResponderExcluirProdução impecável!
Abs
Fábio
Cordel vai deixar saudades, foi uma excelente novela! Felipe, seja bem vindo ao blog, adorei seu post =)
ResponderExcluirCrítica perfeita! É tudo o q eu sempre quis falar! hehehe
ResponderExcluirVi alguns poucos capítulos que não me permitem tecer comentários específicos sobre a novela, mas o Lip soube fazer uma crítica honesta... parabéns pela estréia!
ResponderExcluirAssisti a novela inteira, do primeiro ao último capítulo, e posso dizer que foi a melhor novela dos últimos tempos na TV. Diante de tanta porcaria apresentada pela Globo, como Morde & Assopra, Insensato Coração, Araguaia e etc., Cordel Encantado encantou... literalmente! Pela primeira vez tb li um comentário negativo sobre Bruno Gagliasso... até que enfim! Pra mim ele só tem uma cara em qualquer novela que faça... a cara de doido!!!
ResponderExcluirAdson, queridão!
ResponderExcluirContente por vê-lo mais uma vez por aqui... lembro que à época do post sobre a estréia de Cordel, você deu as caras, rs.
Sua opinião tem peso, tendo assistido toda a novela... e de fato o Bruno Gagliasso sempre se repetindo, rs... volte sempre!
Cordel foi uma novela fabulosa e encantadora, como diz o texto, que certamente deixa saudades, mas confesso que a dramática A Vida da Gente tem me conquistado e curado minha "orfandade" em relação à antecessora.
ResponderExcluirParabéns!