por Thiago Andrade
"O homem é um animal
que finge - e nunca é tão autêntico como quando interpreta um papel." Hazlitt , William
Oficialmente, o teatro nasceu
na Grécia, a partir de um culto ao deus da alegria e do vinho, Dionísio, ou
Baco, para os romanos. Inclusive, foi Aristóteles, há uns três séculos antes de
Cristo, o responsável pela primeira reflexão teórica sobre a natureza e os
princípios que regem a arte dramática. Foi ele quem definiu os principais
elementos de uma peça teatral: o pensamento, a melodia e a encenação, que de
certa forma ainda prevalecem nas peças teatrais contemporâneas.
Da Grécia Antiga aos teatros
de hoje, muita coisa mudou e muitas outras tecnologias surgiram, permitindo a
criação do cinema, da televisão e da Internet. No entanto, em qualquer um
desses meios somos espectadores da interpretação que os atores dão a seus
personagens, independente do gênero que eles representam.
Em toda a história do
teatro, penso no quanto a mulher foi prejudicada. Afinal, somente a partir do
século XVII foi permitido a elas o direito de atuar. Entretanto, isso
possibilitou ao homem uma atuação que vencesse o machismo e até mesmo os seus
preconceitos, uma vez, que eram eles quem também interpretavam as personagens
femininas.
Terence Stamp, como Bernadette, no filme "Priscila, Rainha do Deserto |
E até hoje, muitos atores se
desafiam e incorporam mulheres que fazem a história da dramaturgia mundial.
Aqui, no Brasil, sempre tivemos homens fazendo personagens femininos nas mais
diversas nuances. Mas qual seria a intenção por trás desse tipo de
interpretação? Seria a de alcançar certo nível de caricatura ou mostrar que o
talento pode, sim, transcender a questão dos gêneros?
Paulo Gustavo, como Dona Hermínia, em "Minha Mãe é Uma Peça" |
Em 2013, com o lançamento do
filme “Minha Mãe É Uma Peça”, Paulo Gustavo reforça essa discussão de maneira
exemplar. Ao interpretar a personagem Dona Hermínia, uma mãe de família
obcecada pelos filhos, ele coloca sua interpretação numa linha de equilíbrio
entre o caricato e o verossímil. Claro
que a intenção do filme é fazer rir, mas em dados momentos você simplesmente se
esquece que ali, na tela, se trata de um homem demonstrando todo o sentimento
de uma mãe que se sente rejeitada por suas "crianças". Os figurinos, a maquiagem e até as perucas que beiram a perfeição, conseguiram dar uma veracidade numa personagem que, até então, chega próximo do ridículo.
E olha que a Dona Hermínia
nem é a única mulher interpretada por Paulo Gustavo, que no programa “220
Volts”, incorpora mulheres divertidas e de distintas personalidades, como a preconceituosa,
porém, “rica, branca e hétera”, Senhora dos Absurdos.
Ainda no cinema e antes do
próprio Paulo Gustavo, Ary Fontoura já mostrava sua genialidade como Dona Dina
Rocha, uma matriarca maluca, em “A Guerra dos Rocha”. Marco Nanini e Ney
Latorraca também mostraram sua porção feminina, em Irmã Vap, filme derivado da
peça de maior sucesso de público da história do teatro brasileiro.
Ary Fontoura, como Dona Dina, em "A Guerra dos Rocha" |
Caricato ou não, sempre foi
e sempre será comum ver um ator travestido. O que pode visualmente parecer
engraçado pode também ser sério e levantar bandeiras contra o machismo, contra
o preconceito sexual ou contra velhos tabus. O importante é se ter em mente que
o sucesso de um ator nada mais é que o reflexo do seu personagem.
Os grandes atores brasileiros
parecem dispostos a fazerem suas personagens bem populares. Já em 1985, os
próprios Marco Nanini e Ney Latorraca interpretaram as irmãs Florisbella e
Anabela, respectivamente, na novela “Um sonho a mais”. Inclusive, a personagem
de Latorraca beija o personagem do ator Carlos Kroeber, sendo este o primeiro "beijo gay" da televisão brasileira.
Ney Latorraca, como Anabela, na novela "Um Sonho a Mais" |
Vinte anos depois, a novela
“Explode Coração” traz Sarita, uma travesti vivida por Floriano Peixoto, que
trouxe à tona um assunto sério, dando ao travesti um tratamento mais humano e
com direito a um final feliz. E confesso que não acharia estranho se a inspiração de Glória Perez para escrever este papel tenha vindo do filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, em que a transexual Bernadette, de
Terence Stamp, encontrava o equilíbrio perfeito entre drama e comédia.
Floriano Peixoto, a Sarita Vitti de "Explode Coração" |
Claro que se fosse citar os
vários exemplos que existem dentro dessa temática, esse post ficaria por demais
extenso. Até mesmo porque, são inúmeras novelas e seriados que já utilizaram
desse recurso de interpretação, sendo alguns dos últimos anos a Dra. Percy, do talentosíssimo
Miguel Magno, em “Toma Lá da Cá”, e seguindo uma linha totalmente diferente,
temos "peluda e parruda" Dona Caca, do grande Miguel Falabella, no Sai de Baixo. Isso sem falar no
seriado “Sexo Frágil”, com Wagner Moura, Lázaro Ramos, Lúcio Mauro Filho e
Bruno Garcia se revezando nos papéis de “belas” mulheres. Já de um jeito totalmente gozado, temos a trupe do "Casseta & Planeta Urgente", com a paródia das principais novelas das 21h e críticas às sofridas mocinhas. Até no "Zorra Total", podemos ver as mais sortidas criaturas, como a Valéria e o seu "ai como tô bandida". Lembrando desses casos isolados, me veio na memória a saudosa e divertida Velha Surda, de Ronald Rios, em a "Praça é Nossa".
Até algumas estrelas de Hollywood já encaram a proeza de dar vida a personagens do sexo oposto. John Travolta deu uma bela de uma "mama", no musical "Hairspray - Em Busca da Fama". Eddie Murphy foi um pouco menos feliz, em "Norbit". Mas convenhamos, tem como não amar a Mrs. Doubtfire, de Robin Williams, em "Uma babá quase perfeita"?
Robin William, Mrs. Doubtfire, "Uma Babá Quase Perfeita" |
Bizarro ou não, caricato ou
não, sempre houve espaço para que os homens pudessem interpretar mulheres que
acabaram se tornando de verdade, pelo menos para mim. Quando um ator consegue se transformar numa
figura sem gênero, ele demonstra toda a sua capacidade e talento em atuar.
Afinal, essa é a função do ator, se anular para dar vida a outro alguém,
independente de qualquer sexo, caráter ou propósito. E, particularmente, acho isso tão natural que me faz questionar: se a sociedade está pronta para pensar além do gênero na ficção,
porque é tão difícil encarar esse assunto na realidade? Afinal, não somos todos
atores e autores de nossas próprias vidas?
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