De Isaac Santos
Capítulo 2
Cena 1. Praia. Exterior. Dia.
Praia
do Rio Vermelho – Salvador/Bahia - 1956
É
dois de fevereiro. Devotos de Nossa Senhora da Conceição lotam a praia. Clotilde
e Olga estão por ali.
Clotilde – Tu
veio pra ficar aí parada? Vem logo, deixa de ser besta.
Olga – Vou nada. Eu já me
arrependi de ter entrado nesse bolo.
Clotilde – Então fica aí. Eu vou entrar um pouco que eu to mais é precisando das
bênçãos.
Clotilde
se joga ao mar. Olga apenas molha os pés.
Cena 2. Praia. Exterior. Dia.
Olga
resmungando, já querendo ir embora dali. Aproxima-se um rapaz e puxa conversa.
Davi (expansivo) – Oi, belezinha.
Que cara é essa? Hoje é dia de alegria... Dia saudar Iemanjá! (abre os braços,
com um sorriso largo no rosto e rodopia esfuziante)
Olga (incomodada) – É,
né!? Mas eu já fiz isso.
Davi – Mas como já fez e
tava aí resmungando, menina? (tomando a liberdade de mexer nos cabelos de Olga)
Olga (impaciente) – Cuide da sua vida! Eu nem te conheço.
Davi – Êta! (gargalha)
Você é das minhas... Meu guia nunca erra. A gente se encontra por aí, criatura.
(sai rebolando, esbanjando simpatia)
Cena 3. Praia. Exterior. Dia.
Clotilde
está se afogando e grita por socorro.
Clotilde – Soco... Socorro... socoooorro...
Olga se assusta e corre pro mar.
Olga – Ai meu Deus... Alguém ajuda... (desespero) Ajuda ali, gente!
Algumas pessoas correm para ajudar e outra parte da multidão apenas observa.
Clotilde – Soco... Socorro... socoooorro...
Olga se assusta e corre pro mar.
Olga – Ai meu Deus... Alguém ajuda... (desespero) Ajuda ali, gente!
Algumas pessoas correm para ajudar e outra parte da multidão apenas observa.
Cena 4. Rua. Exterior. Dia.
Clotilde
e Olga caminham, já se aproximando da pousada.
Olga (chateada) – Eu
poderia ter morrido afogada, Clotilde.
Clotilde –
Ah, deixa de drama. Fazia tempo que eu não me divertia tanto.
Olga – Pois trate de não
me meter em suas brincadeiras bestas. Viu o povo todo preocupado contigo? Todo
mundo pensando que tava mesmo se afogando.
Clotilde –
Mas era só uma brincadeira, pra lembrar nossos tempos de Orfanato. Lembra
como a gente aprontava? (risonha)
Olga (tenta conter o
riso) – É, mas quase sempre sobrava pra mim. (séria) Essa de hoje não teve
graça alguma.
Clotilde
(sonsa) – Ó, eu não vou mais fazer isso. Prometo. (bem humorada) Mas até
que eu fiz direitinho, né? Só sei que quando eu vi aquele povo todo achando que
eu tava mesmo me afogando, me senti aquelas mocinhas de Cinema esperando pelo galã
pra salvá-las. Sem contar com a parte da respiração boca a boca. (safada)
Olga – Que galã que
nada... Vê se acorda. Se tu aprontar dessas de novo eu finjo que nem te conheço.
Clotilde
(mudando o rumo da conversa) - ... E por que tu tava toda estranha?
Olga – Ah, eu só fui por
tua causa. Um bando de gente esquisita, parecendo uns alienados, poluindo o mar,
desperdiçando tanta coisa boa, cara. E tu tava parecendo um deles.
Clotilde (temerosa)
– Olga, não fala assim que eu tenho até medo de castigo. Tá certo que o
negócio lá é meio batucado, mas ó eu aqui... me joguei e to me sentindo ótima.
Olga – Cada uma sabe de si, né?
Clotilde – E
quem era aquele homem conversando contigo? Diferente
ele, né? (risonha)
Olga – Um afrescalhado falando umas maluquices. Botei logo pra correr.
Clotilde (descontraindo)
– A última a chegar é mulher da madre. (as duas correm em direção ao portão da Pousada)
Cena 5. Pousada Em Família. Corredor.
Interior. Dia.
Olga indo pro quarto. Ela está voltando do banho, enrolada numa toalha. Telma a
surpreende.
Telma – Andando de
toalha no corredor, mocinha? De novo!
Olga – Se não tem nada de
interessante pra falar comigo, então cala a boca, tá? Eu não to aqui de graça. (dá as costas e continua andando)
Telma – Já é a segunda vez que eu te vejo andando
de toalha.
Olga – Ah, volta lá pra
tua recepção.
Clotilde
ouve a discussão e abre a porta do quarto para saber o que está acontecendo.
Cena 6. Pousada Em Família. Quarto de
Olga e Clotilde. Dia.
Clotilde – Ela
não falou nenhuma mentira. Tem que entender, é o trabalho dela. (mudando de assunto) Agora se veste rápido que não vai dar tempo nem de
almoçar. O tempo tá passando e nada de conseguir um emprego fixo. Daqui a pouco
a grana acaba.
Olga – (desanimada) Mais uma entrevista de emprego... Sei lá, às vezes parece que...
Clotilde
(interrompendo) – Nem vem com ladainha. Pessimismo
comigo não dá certo.
Olga (já arrumada, penteia
os cabelos) – Deixa de ser boba. Eu só acho que a gente não tá sabendo
procurar direito...
Clotilde (impaciente)
– Adianta, a gente conversa no caminho.
Olga – Pronto, acabei.
Vamos.
Cena 7. Pousada Em Família. Corredor.
Dia.
Olga – E se a gente
procurasse outras coisas?
Clotilde (fechando
a porta) – Você me deixa nervosa, Olga.
Cena 8. Lanchonete. Interior. Dia.
Clotilde
e Olga saem da entrevista e param prum lanche.
Olga – Não inventa mais
de a gente sair sem almoçar. Já tava quase passando mal.
Clotilde
(bem humorada) – Eu também (sorri). Eu tava olhando pra cara daquele velho e
imaginando uma bolacha.
Olga – Bolacha? Eu tava
olhando aquela menina na minha frente, imaginando uma galinha assada.
Clotilde –
Eu sei a galinha que você tava imaginando. Pensa que não percebi o modo como
você olhava pra ela?
Olga – Não posso mais olhar pra você assim, né? Você tá toda diferente.
Clotilde
(desconversa) – Tá uma delícia esse pão com mortadela. Tá gostando do seu?
(Olga descontente, nada responde)
Cena 9. Rua. Exterior. Noite
Clotilde
e Olga caminham numa rua, já bem perto da Pousada.
Olga (aborrecida) – Leva
a bolsa pra mim. Vou dar uma volta.
Clotilde –
Olga, olha o horário. Já passa das seis, hein?
Olga – Ah, me deixe!
Olga
se distancia de Clotilde que apenas a observa.
Cena 10. Pousada Em Família. Recepção.
Interior. Noite.
Clotilde
aproveita o momento para ter uma conversa com Telma. Há um rapaz acertando suas
contas com a pousada.
Telma (em conversa adiantada com o rapaz) – Prontinho. Obrigada. Felicidades pra vocês. (o
rapaz se despede e sai)
Clotilde –
Nunca vi esse rapaz aqui na pensão. Aliás, quase nunca vejo os rapazes.
Telma (sorri) – Graças a
Deus. Por isso mesmo que moças e rapazes ficam separados.
Clotilde – Aqui
é tudo certinho, né? Por isso que você pega no pé da Olga.
Telma – Mas ela é muito
teimosa. Eu não posso perder esse emprego. Se bem que... (hesita) Cadê sua amiga?
Cena 11. Praça. Exterior. Noite
Olga
sentada num banco. Passam algumas senhoras e a observam com olhar de
reprovação.
Olga (desaforada) – O que é que tão olhando? Vão lavar uma roupa, fazer uma faxina. (para si) Eu não me conformo. Ela não era assim. Agora é irmãzinha
pra cá, amiguinha pra lá! É só isso que eu sou pra ela?
Cena 12.
Pousada Em Família. Recepção. Interior. Noite.
Clotilde – Daqui
a pouco ela tá por aí. (insistente) Mas, você ia dizendo alguma coisa.
Telma (com discrição) –
Não comente nada com ninguém, principalmente com ela, pra depois não querer
fazer gracejo com a situação.
Clotilde –
Claro, claro. Nem se preocupe com isso.
Telma – Esse rapaz que
você viu saindo. Ele veio do interior trabalhar na cidade, passou um ano
morando aqui na pousada. Mas casou. Só veio buscar o restante das coisas
dele.
Clotilde (curiosa)
– Tá, mas eu quero saber do que você ia me falando naquela hora.
Telma – Você
não notou que a pousada tá cada vez mais vazia? De uns tempos pra cá a situação
tá difícil. No andar de vocês os quartos estão todos vazios, já tem quase um mês.
A dona tá mantendo isso aqui com sacrifício.
Clotilde – E... você tá
pensando em sair antes que a coisa piore.
Telma – Exatamente. Eu te
aconselho a pensar na possibilidade de ir pra outro lugar, porque se
chegar mesmo ao ponto que eu imagino, a dona não vai ter dúvida antes de fechar
a pousada.
Clotilde –
Telma, você parece ser tão boa pessoa. (desabafa) Pra ser sincera, quando eu
encostei aqui foi pra falar sobre a situação minha e da Olga. (risonha)
Telma – Eu até imagino. (sorri) Tá acabando o dinheiro, vocês ainda não conseguiram nada
de trabalho certo...
Clotilde
(constrangida) – É, é isso... A gente até conseguiu daquela vez, cê lembra? O
homem da padaria acertou com a gente. Eu num horário e ela em
outro. No balcão mesmo, coisa simples. Mas a Olga implicou que ele tava dando
em cima de mim, criou confusão, aí nem eu nem ela. Não durou nem dois
meses.
Telma – Pois então,
Clotilde. Talvez eu até possa tentar te ajudar. Eu quero. Você me parece
uma boa menina. Mas tem alguma coisa naquela sua amiga que não me agrada. Quer
um conselho? Se afaste dela. Eu tenho um pouco mais de experiência que você.
Escute o que eu digo: Ela ainda vai acabar te trazendo problemas.
Olga
chega nesse instante.
Olga – Problemas?
Não quer ser mais clara, Senhora? (irônica)
Clotilde
(desconcertada) – Até que enfim, hein? Eu... (procurando uma desculpa) Eu subi,
mas resolvi descer pra ir atrás de você. Aí eu tava falando pra ela que eu
fiquei preocupada contigo.
Olga (agressiva) – Pelo
visto muito preocupada, nem as bolsas guardou.
Clotilde –
É, eu nem cheguei a entrar no quarto...
Olga (interrompe) – ... E
o que isso tem a ver com o que tá acontecendo aqui? O que eu tenho a ver com
essa mulher? O que ela tem a ver com a vida da gente, com você e eu?
Hein, Clotilde? (alterada)
Clotilde –
Calma, Olga. Vamos subir, a gente conversa no quarto.
Telma – Eu tava só dizendo
pra ela ter uma conversa com você, porque a noite aqui na cidade da capital é
muito perigosa. Então, mesmo sem querer, você poderia trazer problemas pra
ela... (cautelosa) e pra você.
Clotilde –
Foi isso, Olga... Foi isso mesmo. Você deve estar é cansada, eu também tô. Vamos subir.
Olga resolve subir com Clotilde, mas olha pra Telma com ameaça.
Cena 13. Pousada Em Família. Quarto de
Olga e Clotilde. Interior. Noite.
Há
um clima de tensão. Olga se sente menosprezada por Clotilde. Elas discutem.
Clotilde
(conversa já avançada) – Eu nunca disse que te amava. Não desse jeito que você
tá me falando. (com carinho) A gente é irmã, a gente é amiga uma da outra.
Aquela época do orfanato já passou, a gente era menina, fazia tanta
bobagem. E quem nunca fez?! Mas hoje não faz sentido.
Olga – Não faz pra
você...
Clotilde
(interrompendo) - Sim. Pra mim não faz mais sentido algum. Eu
lamento muito se você insiste nesse assunto, mas eu já to saturada, sabia?
Olga (ri uma risada que
demonstra desequilíbrio) – Claro, claro... Tá tudo muito claro. A bobona aqui
tá sendo passada pra trás, né isso?
Clotilde –
Eu não sei do que você tá falando, Olga.
Olga (sarcástica) – Não,
não sabe? Eu to falando de você com aquela oportunista... Aquela
mulherzinha da recepção. Agora sim eu compreendo tudo. Por isso que ela não me
suporta, tá de olho em você.
Clotilde –
Olga, Olga, você não tá bem... Eu to preocupada com isso, sabia? Eu acho... Eu
acho que a gente não deve continuar dividindo o mesmo quarto.
Olga vai até a janela, onde fica por alguns
instantes. Há um profundo silêncio, interrompido por Clotilde.
Clotilde –
Eu vou arrumar as minhas coisas e passar pra outro quarto. Ainda resta um
dinheiro pra mais alguns dias. Você tem o seu também. E a partir de agora cada
uma segue seu caminho. Eu não quero que você fique chateada comigo, mas é
melhor pra nós duas.
Olga (alienada) – Vocês estão juntas há quanto tempo?
Foi logo que a gente veio pra essa espelunca? É ela quem tá colocando você
contra mim, te afastando de mim, né? (controlada) Tudo bem. Pode ir pra outro quarto, pra outro
andar, outra pousada... Vá pra onde você quiser.
Clotilde – Não é nada dessa loucura que você tá falando, mas eu não vou mais tentar te fazer entender. (controlando um choro de
menina assustada, desprotegida) Vou tomar um banho. Essa noite eu ainda
durmo aqui (sai do quarto)
Olga
anda de um lado pro outro e depois sai do quarto, ensandecida, batendo a porta
com toda força.
Corta para
Fim do 2º capítulo.
Corta para
Fim do 2º capítulo.
Confira o 3º capítulo aqui.
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