sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Bráulio Pedroso – um autor pouco lembrado (Parte II)

Por Guilherme Fernandes

No texto anterior, abordei a genialidade criativa de Bráulio Pedroso, desde sua estreia na TV Tupi de São Paulo, com a paradigmática Beto Rockfeller. Falei também sobre a “alternância” de sucessos e não sucessos do autor em tramas (isso vale para todas) com características inovadoras. Além de Beto, outro grande sucesso de Bráulio foi “O Cafona”, sua estreia na TV Globo. Das inovadoras, mas sem repercussão popular estão “Super Plá”, “O Bofe” e “A volta de Beto Rockfeller”. Recomendo a leitura do texto anterior antes de continuar a ler este. Basta clicar aqui.
No post anterior, ao abordar o “O Rebu”, dizia que o “triângulo” Sílvia-Cauê-Mahler foi o responsável pela morte da garota na festa que Mahler proporcionava para a princesa italiana. Durante a festa, Mahler descobriu que Cauê pretendia fugir com Sílvia ainda naquela noite. Sílvia, já havia negociado com Braga (José Lewgoy) que conseguiria descobrir o valor da proposta de Mahler para a compra do banco Reunido (Braga, assim como Mahler, era um banqueiro. Ambos disputavam a compra desde banco, que ocorreria no dia seguinte da festa). Sílvia já havia iniciado um affaire com Álvaro (Mauro Mendonça) – que inclusive foi quem conseguiu o convite da vilã, e acreditava que ele poderia lhe contar algo a este respeito. Embora empenhada em conseguir descobrir o valor da proposta para Braga, Sílvia também oferece o mesmo serviço para Mahler. Contudo, o que a garota não esperava era que além de descobrir tal plano, Mahler também descobre a “traição” de Cauê. Então, em uma forte discussão em um dos quartos do segundo andar, Mahler acaba discutindo corpo-a-corpo com Sílvia e, ao aproximar da janela, a jovem caí “acidentalmente” no jardim, falecendo na hora.
Ao perceber o ocorrido, Mahler (naturalmente a cena que descrevemos agora não aconteceu simultaneamente à revelação de que Mahler foi o assassino de Sílvia. As cenas ocorram capítulos depois, em flashback, nas recordações de Mahler à ocasião na investigação policial), usando uma passagem “secreta”, desce até a biblioteca e vai ao jardim – sem ser visto – retira o corpo de Sílvia do chão e o coloca sentado na beira da piscina. Boneco (Lima Duarte), que estava dormindo no jardim, ao ver Sílvia “sentada” a empurra para dentro d’água. Ao ver que a jovem não reagia, mesmo sem saber nadar, pulou para tentar salvá-la, quando percebeu que ela havia morrido.
A investigação criminal prossegue e Boneco se apresenta como culpado e explica que havia empurrado Sílvia na piscina (momentos antes, os jovens estavam fazendo esta brincadeira, depois, impossibilitadas de permanecerem com a mesma roupa, as garotas vestiram os ternos de Cauê, por isso, não se sabia se o corpo era de um homem ou de uma mulher, visto que as mulheres estavam trajando vestimentas tipicamente masculinas). Contudo, o laudo policial sabia que Sílvia não havia morrido afagada, mas sim com uma pancada na cabeça. Influenciado pela persuasão de Mahler e também por receber uma boa quantia financeira, Boneco acaba sustentando uma versão que antes de empurrar Sílvia havia atingido a vilã com uma bancada.
Mesmo com a confissão, a equipe liderada pelo delegado Xavier (Edson França) sabia que Boneco não havia cometido o crime, sendo o verdadeiro assassino Mahler. Contudo não havia provas contra ele. Eliminado todos os convidados da cena do crime, o único que poderia testemunhar que Mahler estava com ele no momento exato que Sílvia foi morta era Kiko (Rodrigo Santiago). Sabendo disto – inclusive antes dos policiais – Mahler procura Kiko e oferece uma boa grana, já que ele estava em busca para abrir um negócio. Kiko sustenta a versão e Boneco vai preso.
Um emaranhado de outros conflitos aconteceu. De certa forma, todos os convidados tiveram modificações de comportamento e isso refletiu na vida que seguia após a festa. Um dos destaques foi a postura de Glorinha (Isabel Ribeiro) que estava cansada da vida que levava com Álvaro. A “amizade” com Roberta (Regina Viana) – personagem claramente lésbica – fez a perceber que existiam outras formas de amor. No dia seguinte, Glorinha e Roberta decidem deixar para trás o mundo das aparências e passam a viver um amor a bordo de um navio sem rumo no Oceano Atlântico.
O último capítulo ainda revela outra morte na piscina. Ao saber da morte de Sílvia, Cauê e alguns amigos vão para um quarto de motel para se esquivarem da investigação criminal. Todos estavam dispostos a fugir, porém Cauê passa a ter visões de Sílvia e esta, arrependida, o convida para viverem juntos. Em diálogos com o “fantasma” de Sílvia, Cauê sabe que Mahler a matou, contudo o perdoa. Os policiais acabam descobrindo o paradeiro dos garotos (neste momento Kiko já havia abandonado o quarto de motel) e os leva até a mansão de Mahler. Cauê não quer conversar com seu protetor. Inclusive, em seu depoimento final para os investigadores, Cauê diz não saber quem foi o assassino de Sílvia e diz que Mahler não seria o culpado. Sensibilizado com o depoimento de Cauê, Malher tenta novamente falar com seu protegido, que diz que o perdoa, mas que irá fazer a “coisa certa”. Cauê corre pelos corredores gritando por Sílvia que o chama para viver o “amor subaquático”. Sílvia, vestida de noiva, aparece no centro da piscina, Cauê pula, a câmera foca para um beijo entre os dois e em seguida, aparece o corpo de Cauê boiando na piscina, tal qual o de Sílvia no primeiro capítulo, e a câmara foca para a lágrima que corre nos olhos de Mahler, claramente arrependido pelo que havia feito.  Assim termina esta que possivelmente foi a mais ousada telenovela brasileira e também uma das mais incompreendidas.
“O Rebu” não chegou a ser um fracasso, mais ficou longe de ser um sucesso. Críticos, como Artur da Távola, reconhecerem o mérito e a inovação de Pedroso, mas a grande parte do público não entendeu a história. Possivelmente (até porque apesar da novela ter sido transmitida em cores, a grande massa só havia TV preto e branco) as cenas de flashback dificultaram o entendimento.

Três anos se passaram até a próxima novela de Pedroso “O Pulo do Gato” (1978), também feita para o horário das 22h. A trama anterior deste horário, “Nina”, de Walter Durst, não foi bem. “Nina” teve que ser “improvisada” pelo fato da trama original de Durst “Despedida de Casado”, mesmo com capítulos gravados, ter sido vetada pela Censura Federal (O mesmo que ocorrera em 1975 com “Roque Santeiro” de Dias Gomes). 
O “Pulo do Gato”, que também não foi um grande sucesso (embora tenha recuperado a audiência de “Nina”) repetiu basicamente o mesmo enredo que Pedroso tratou em todas as telenovelas que havia escrito anteriormente. Esta trama abordou novamente, em tom de comédia, a decadência da alta sociedade. Contudo, de forma diferente de “Beto Rockfeller”, “O Cafona”, “O Bofe” e “O Rebu”. 
Mesmo não trazendo as mesmas contribuições (inovadoras) estéticas das tramas anteriores, “O Pulo do Gato” se caracteriza tanto por estar bem mais próximo da realidade e especialmente pela valorização da cultura negra (sobre esse ponto, vale a leitura de outro texto que já escrevi para esse blog). No campo estético, Bráulio inovou ao aproximar da linguagem das radionovelas apresentando um narrador que só apareceu no último capítulo, papel que coube ao ator Paulo Silvano.
O enredo foi centrado no playboy Bubi Mariano (Jorge Dória), que já decadente sobrevivia graças aos golpes que aplicava com a falsificação de obras de arte de sua pinacoteca com a ajuda do amigo e pintor Caxuxo (Milton Gonçalves). Aproximando da linguagem das radionovelas, a telenovela apresentava um narrador que só apareceu no último capítulo, papel que coube ao ator Paulo Silvano. O dinheiro da falsificação não foi o suficiente e Bubi parte para golpe em grã-finos, com isso acaba perdendo a mulher (Noêmia – Sandra Bréa) e a filha (Maíra – Marly Aguiar). De acordo com Joel Zito, a consciência racial foi um dos pontos trabalhados na telenovela com os personagens Caxuxo e Marli (Julciléia Telles). Caxuxo apoiou a criação do Grêmio Recreativo Arte Negra Quilombo, onde acabou se casando com Marli nos capítulos finais.
Com o fim do horário das 22h, Bráulio Pedroso escreve Feijão Maravilha (1979) para o horário das 19h, sendo esta sua última telenovela. De certa forma, Bráulio inaugurou a “novela comédia” às 19h, sendo até hoje a grande marca deste horário no âmbito da Rede Globo. Posteriormente, Cassiano Gabus Mendes, Sílvio de Abreu e Carlos Lombardi radicalizaram a proposta da comédia em clássicos como “Marron Glacé” (1979), “Guerra dos Sexos” (1983), “Vereda Tropical” (1984) “Cambalacho” (1986). Feijão Maravilha também realizou uma homenagem ao cinema brasileiro, especialmente as chanchadas da década de 50 (que nada tem de semelhante às pornochanchadas das décadas de 70 e 80!). Os personagens da trama estavam reunidos no Hotel Internacional, no Rio de Janeiro. Os personagens faziam referências aos filmes da Atlântica, inclusive, Eliana Macedo e Anselmo Duarte, estrelas da Atlântica, participaram do folhetim. José Lewgoy deu vida ao mafioso Ambrósio, sempre acompanhando da bela Marilyn Méier (Clarice Piovesan). Lucélia Santos foi a recepcionista Eliana, apaixonada pelo trambiqueiro Anselmo (Stepan Nercessian). Os divertidos Benevides (Grande Otelo) e Oscar (Olney Cazarré) também trabalhavam no hotel. Todos temiam o misterioso Sombra, que na verdade era o irmão gêmeo de Ambrósio, o Ambrásio.

[Site Arquivo Lucélia Santos]

Ainda na Rede Globo, Pedroso escreveu episódios para os seriados “Plantão de Polícia”, “Amizade Colorida” e “Mário Fofoca”. Em 1982 escreveu a minissérie “Parabéns pra você” em que relatava a crise existencial relacionada ao aniversário de 40 anos do Mendonça (Daniel Filho), uma dos raros momentos de forte densidade psicológica na teledramaturgia brasileira. 

[Canal Mofo TV]
Em 1985 migrou para a TV Manchete, onde ficou até 1986 e escreveu a minissérie “Tudo em cima” e o seriado “Tamanho Família” (1985). 


Depois de um tempo desempregado,  foi compor o quadro de autores do SBT (1989), onde iria escrever o que declarou ser sua última telenovela. A obra, contudo, não chegou a sair do papel. Bráulio faleceu em 15 de agosto de 1990 aos 59 anos vítima de fratura na coluna cervical causada por uma queda no banheiro de sua casa. Seu corpo foi encontrado pelo ator Cláudio Marzo que dividia o apartamento com Bráulio. Bráulio ainda escreveu 15 peças de teatro.


Confira a parte 1.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo resgate! Bráulio escreveu muita coisa interessante e contribuiu bastante para o modelo de telenovelas utilizado até hoje.

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  2. Texto muito bom... a obra de Bráulio está bem relatada... muito bem colocada nas partes 1 e 2... Ainda em 1990 fizemos uma entrevista com ele em seu apto no Rio, para o "40 anos de TV" da TV Cultura-São Paulo...Tinha uma série de projetos...

    Mauro Gianfrancesco

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  3. vi pouca coisa desse autor,vi apenas um compacto de feijão maravilha em 86 no Vale a Pena Ver de Novo,gostaria muito poder ter conhecido mais de suas obras como o rebu e o pulo do gato.

    Antonio karlus Pereira

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  4. O formato das novelas de hoje, devem ao Braulio, ele levou a gravação de externas pois as novelas eram so
    Gravadas em estúdios. E escreveu a genial novela O Rebu onde os 6 meses da novela acontecem em apenas uma noite.

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