Por Guilherme Fernandes
No
texto anterior, abordei a genialidade criativa de Bráulio Pedroso, desde sua
estreia na TV Tupi de São Paulo, com a paradigmática Beto Rockfeller. Falei
também sobre a “alternância” de sucessos e não sucessos do autor em tramas
(isso vale para todas) com características inovadoras. Além de Beto, outro
grande sucesso de Bráulio foi “O Cafona”, sua estreia na TV Globo. Das
inovadoras, mas sem repercussão popular estão “Super Plá”, “O Bofe” e “A volta
de Beto Rockfeller”. Recomendo a leitura do texto anterior antes de continuar a
ler este. Basta clicar aqui.
No
post anterior, ao abordar o “O Rebu”, dizia que o “triângulo”
Sílvia-Cauê-Mahler foi o responsável pela morte da garota na festa que Mahler
proporcionava para a princesa italiana. Durante a festa, Mahler descobriu que
Cauê pretendia fugir com Sílvia ainda naquela noite. Sílvia, já havia negociado
com Braga (José Lewgoy) que conseguiria descobrir o valor da proposta de Mahler
para a compra do banco Reunido (Braga, assim como Mahler, era um banqueiro.
Ambos disputavam a compra desde banco, que ocorreria no dia seguinte da festa).
Sílvia já havia iniciado um affaire com Álvaro (Mauro Mendonça) – que inclusive
foi quem conseguiu o convite da vilã, e acreditava que ele poderia lhe contar
algo a este respeito. Embora empenhada em conseguir descobrir o valor da
proposta para Braga, Sílvia também oferece o mesmo serviço para Mahler.
Contudo, o que a garota não esperava era que além de descobrir tal plano,
Mahler também descobre a “traição” de Cauê. Então, em uma forte discussão em um
dos quartos do segundo andar, Mahler acaba discutindo corpo-a-corpo com Sílvia
e, ao aproximar da janela, a jovem caí “acidentalmente” no jardim, falecendo na
hora.
Ao
perceber o ocorrido, Mahler (naturalmente a cena que descrevemos agora não
aconteceu simultaneamente à revelação de que Mahler foi o assassino de Sílvia.
As cenas ocorram capítulos depois, em flashback, nas recordações de Mahler à
ocasião na investigação policial), usando uma passagem “secreta”, desce até a
biblioteca e vai ao jardim – sem ser visto – retira o corpo de Sílvia do chão e
o coloca sentado na beira da piscina. Boneco (Lima Duarte), que estava dormindo
no jardim, ao ver Sílvia “sentada” a empurra para dentro d’água. Ao ver que a
jovem não reagia, mesmo sem saber nadar, pulou para tentar salvá-la, quando
percebeu que ela havia morrido.
A
investigação criminal prossegue e Boneco se apresenta como culpado e explica
que havia empurrado Sílvia na piscina (momentos antes, os jovens estavam
fazendo esta brincadeira, depois, impossibilitadas de permanecerem com a mesma
roupa, as garotas vestiram os ternos de Cauê, por isso, não se sabia se o corpo
era de um homem ou de uma mulher, visto que as mulheres estavam trajando
vestimentas tipicamente masculinas). Contudo, o laudo policial sabia que Sílvia
não havia morrido afagada, mas sim com uma pancada na cabeça. Influenciado pela
persuasão de Mahler e também por receber uma boa quantia financeira, Boneco
acaba sustentando uma versão que antes de empurrar Sílvia havia atingido a vilã
com uma bancada.
Mesmo
com a confissão, a equipe liderada pelo delegado Xavier (Edson França) sabia
que Boneco não havia cometido o crime, sendo o verdadeiro assassino Mahler.
Contudo não havia provas contra ele. Eliminado todos os convidados da cena do
crime, o único que poderia testemunhar que Mahler estava com ele no momento
exato que Sílvia foi morta era Kiko (Rodrigo Santiago). Sabendo disto –
inclusive antes dos policiais – Mahler procura Kiko e oferece uma boa grana, já
que ele estava em busca para abrir um negócio. Kiko sustenta a versão e Boneco
vai preso.
Um
emaranhado de outros conflitos aconteceu. De certa forma, todos os convidados
tiveram modificações de comportamento e isso refletiu na vida que seguia após a
festa. Um dos destaques foi a postura de Glorinha (Isabel Ribeiro) que estava
cansada da vida que levava com Álvaro. A “amizade” com Roberta (Regina Viana) –
personagem claramente lésbica – fez a perceber que existiam outras formas de
amor. No dia seguinte, Glorinha e Roberta decidem deixar para trás o mundo das
aparências e passam a viver um amor a bordo de um navio sem rumo no Oceano
Atlântico.
O
último capítulo ainda revela outra morte na piscina. Ao saber da morte de
Sílvia, Cauê e alguns amigos vão para um quarto de motel para se esquivarem da
investigação criminal. Todos estavam dispostos a fugir, porém Cauê passa a ter
visões de Sílvia e esta, arrependida, o convida para viverem juntos. Em diálogos
com o “fantasma” de Sílvia, Cauê sabe que Mahler a matou, contudo o perdoa. Os
policiais acabam descobrindo o paradeiro dos garotos (neste momento Kiko já
havia abandonado o quarto de motel) e os leva até a mansão de Mahler. Cauê não
quer conversar com seu protetor. Inclusive, em seu depoimento final para os
investigadores, Cauê diz não saber quem foi o assassino de Sílvia e diz que
Mahler não seria o culpado. Sensibilizado com o depoimento de Cauê, Malher
tenta novamente falar com seu protegido, que diz que o perdoa, mas que irá
fazer a “coisa certa”. Cauê corre pelos corredores gritando por Sílvia que o
chama para viver o “amor subaquático”. Sílvia, vestida de noiva, aparece no
centro da piscina, Cauê pula, a câmera foca para um beijo entre os dois e em seguida,
aparece o corpo de Cauê boiando na piscina, tal qual o de Sílvia no primeiro
capítulo, e a câmara foca para a lágrima que corre nos olhos de Mahler,
claramente arrependido pelo que havia feito.
Assim termina esta que possivelmente foi a mais ousada telenovela
brasileira e também uma das mais incompreendidas.
“O
Rebu” não chegou a ser um fracasso, mais ficou longe de ser um sucesso.
Críticos, como Artur da Távola, reconhecerem o mérito e a inovação de Pedroso,
mas a grande parte do público não entendeu a história. Possivelmente (até
porque apesar da novela ter sido transmitida em cores, a grande massa só havia
TV preto e branco) as cenas de flashback dificultaram o entendimento.
Três
anos se passaram até a próxima novela de Pedroso “O Pulo do Gato” (1978),
também feita para o horário das 22h. A trama anterior deste horário, “Nina”, de
Walter Durst, não foi bem. “Nina” teve que ser “improvisada” pelo fato da trama
original de Durst “Despedida de Casado”, mesmo com capítulos gravados, ter sido
vetada pela Censura Federal (O mesmo que ocorrera em 1975 com “Roque Santeiro”
de Dias Gomes).
O “Pulo do Gato”, que também não foi um grande sucesso (embora
tenha recuperado a audiência de “Nina”) repetiu basicamente o mesmo enredo que
Pedroso tratou em todas as telenovelas que havia escrito anteriormente. Esta
trama abordou novamente, em tom de comédia, a decadência da alta sociedade.
Contudo, de forma diferente de “Beto Rockfeller”, “O Cafona”, “O Bofe” e “O
Rebu”.
Mesmo não trazendo as mesmas contribuições (inovadoras) estéticas das
tramas anteriores, “O Pulo do Gato” se caracteriza tanto por estar bem mais
próximo da realidade e especialmente pela valorização da cultura negra (sobre
esse ponto, vale a leitura de outro texto que já escrevi para esse blog). No campo
estético, Bráulio inovou ao aproximar da linguagem das radionovelas
apresentando um narrador que só apareceu no último capítulo, papel que coube ao
ator Paulo Silvano.
O
enredo foi centrado no playboy Bubi Mariano (Jorge Dória), que já decadente
sobrevivia graças aos golpes que aplicava com a falsificação de obras de arte
de sua pinacoteca com a ajuda do amigo e pintor Caxuxo (Milton Gonçalves).
Aproximando da linguagem das radionovelas, a telenovela apresentava um narrador
que só apareceu no último capítulo, papel que coube ao ator Paulo Silvano. O
dinheiro da falsificação não foi o suficiente e Bubi parte para golpe em
grã-finos, com isso acaba perdendo a mulher (Noêmia – Sandra Bréa) e a filha
(Maíra – Marly Aguiar). De acordo com Joel Zito, a consciência racial foi um
dos pontos trabalhados na telenovela com os personagens Caxuxo e Marli
(Julciléia Telles). Caxuxo apoiou a criação do Grêmio Recreativo Arte Negra
Quilombo, onde acabou se casando com Marli nos capítulos finais.
Com
o fim do horário das 22h, Bráulio Pedroso escreve Feijão Maravilha (1979) para
o horário das 19h, sendo esta sua última telenovela. De certa forma, Bráulio
inaugurou a “novela comédia” às 19h, sendo até hoje a grande marca deste
horário no âmbito da Rede Globo. Posteriormente, Cassiano Gabus Mendes, Sílvio
de Abreu e Carlos Lombardi radicalizaram a proposta da comédia em clássicos
como “Marron Glacé” (1979), “Guerra dos Sexos” (1983), “Vereda Tropical” (1984)
“Cambalacho” (1986). Feijão Maravilha também realizou uma homenagem ao cinema
brasileiro, especialmente as chanchadas da década de 50 (que nada tem de
semelhante às pornochanchadas das décadas de 70 e 80!). Os personagens da trama
estavam reunidos no Hotel Internacional, no Rio de Janeiro. Os personagens
faziam referências aos filmes da Atlântica, inclusive, Eliana Macedo e Anselmo
Duarte, estrelas da Atlântica, participaram do folhetim. José Lewgoy deu vida
ao mafioso Ambrósio, sempre acompanhando da bela Marilyn Méier (Clarice
Piovesan). Lucélia Santos foi a recepcionista Eliana, apaixonada pelo
trambiqueiro Anselmo (Stepan Nercessian). Os divertidos Benevides (Grande
Otelo) e Oscar (Olney Cazarré) também trabalhavam no hotel. Todos temiam o
misterioso Sombra, que na verdade era o irmão gêmeo de Ambrósio, o Ambrásio.
[Site Arquivo Lucélia Santos]
Ainda
na Rede Globo, Pedroso escreveu episódios para os seriados “Plantão de
Polícia”, “Amizade Colorida” e “Mário Fofoca”. Em 1982 escreveu a minissérie
“Parabéns pra você” em que relatava a crise existencial relacionada ao
aniversário de 40 anos do Mendonça (Daniel Filho), uma dos raros momentos de
forte densidade psicológica na teledramaturgia brasileira.
[Canal Mofo TV]
Em 1985 migrou para
a TV Manchete, onde ficou até 1986 e escreveu a minissérie “Tudo em cima” e o
seriado “Tamanho Família” (1985).
Depois de um tempo desempregado, foi compor o quadro de autores do SBT (1989),
onde iria escrever o que declarou ser sua última telenovela. A obra, contudo,
não chegou a sair do papel. Bráulio faleceu em 15 de agosto de 1990 aos 59 anos
vítima de fratura na coluna cervical causada por uma queda no banheiro de sua
casa. Seu corpo foi encontrado pelo ator Cláudio Marzo que dividia o
apartamento com Bráulio. Bráulio ainda escreveu 15 peças de teatro.
Confira a parte 1.
Parabéns pelo resgate! Bráulio escreveu muita coisa interessante e contribuiu bastante para o modelo de telenovelas utilizado até hoje.
ResponderExcluirTexto muito bom... a obra de Bráulio está bem relatada... muito bem colocada nas partes 1 e 2... Ainda em 1990 fizemos uma entrevista com ele em seu apto no Rio, para o "40 anos de TV" da TV Cultura-São Paulo...Tinha uma série de projetos...
ResponderExcluirMauro Gianfrancesco
vi pouca coisa desse autor,vi apenas um compacto de feijão maravilha em 86 no Vale a Pena Ver de Novo,gostaria muito poder ter conhecido mais de suas obras como o rebu e o pulo do gato.
ResponderExcluirAntonio karlus Pereira
O formato das novelas de hoje, devem ao Braulio, ele levou a gravação de externas pois as novelas eram so
ResponderExcluirGravadas em estúdios. E escreveu a genial novela O Rebu onde os 6 meses da novela acontecem em apenas uma noite.