Ele é formado em Arte e mídia pela UFCG (Universidade Federal da Paraíba), trabalha no audiovisual desde 2009 e participou da feitura de vários curtas locais, seja como assistente de direção ou diretor de fotografia. E, mais especificamente, no campo dos roteiros, foi co-roteirista de "Ato institucional" e "O desejo do morto". Recentemente se inscreveu no concurso NETlabTV, e está entre os vencedores do mesmo. O convidei prum bate-papo, ele topou e desde já agradeço pela solicitude. Confira!
Por Isaac Abda
O
que faz o Jhésus?
Jhésus
Tribuzi Lula – Eu trabalho com cinema e fotografia,
basicamente. O primeiro é prioridade e o segundo ajuda a pagar umas contas. Claro
que esse negócio de "trabalhar com cinema" é complicado. Eu sou de Campina
Grande, trabalho aqui. É uma situação completamente diferente de quem trabalha
com isso em Pernambuco ou em São Paulo, por exemplo. Com cinema eu trabalho
mais como diretor de fotografia, quer dizer, passei um tempinho fazendo isso e
só de um ano e meio pra cá que comecei a levar a questão do roteiro mais a
sério. Se eu pudesse escolher, ficaria só com roteiro, mas, por enquanto, a
realidade daqui não permite esse luxo não.
A
paixão por Cinema/roteiros é desde sempre?
Jhésus
Tribuzi Lula – Ah, sempre. É um troço meio masoquista. Minha
mãe vivia me levando pro cinema, então peguei o hábito. Depois você começa a se
interessar mais e quer ver mais filmes, pesquisar, estudar, então o caminho foi
mais ou menos esse: ver filmes e querer trabalhar na área. Passei por cineclube
também, então posso dizer que tive experiência como espectador, "exibidor"
e "produtor".
Tua
família dá apoio, acredita em teu potencial sem precisar de realizações que
comprovem?
Jhésus
Tribuzi Lula – No começo foi estranho. Todo mundo da minha
família é engenheiro, praticamente. Gente prática, exata (com o perdão do
trocadilho). Meu avô trabalhou num banco, então eu era o doido da família, né?
Claro que deram apoio, mas demoraram pra entender o que eu fazia exatamente. Como
eu te disse, a realidade daqui não é a realidade de São Paulo. E, mesmo que
fosse, não é a mesma realidade de Los Angeles, então o povo daqui era meio 8 ou
80, ou achava que eu ia pedir esmola no sinal ou achava que ia ganhar um Oscar
(risos).
Mas
em algum momento você teve dúvida de estar realmente no caminho certo?
Jhésus
Tribuzi Lula – Sim, sim, várias vezes. Tem um peso de mais
de 100 anos de cinema nas minhas costas (risos) e vários outros séculos de
literatura, narrativa e, cá entre nós, a experiência de fazer um filme é horrível.
Só é bonito quando você assiste making of que tá todo mundo rindo e feliz, mas
é um labor, de fato. Não estou dizendo que é a pior coisa do mundo, mas envolve
muito mais trabalho do que as pessoas acham. Fazer cinema é meio que aprender a
lidar com contenção de desastres. Você se planeja para que as coisas deem o
menos errado possível, e acho que no começo isso foi horrível pra mim. Ter de
lidar com a frustração e, pior, com ego de tudo quanto é tipo de gente. Passei
um tempo afastado disso, pra falar a verdade. Antigamente eu terminava um
projeto dizendo que nunca mais ia fazer nada. Depois passou e, eu não tenho
muitas opções. É o que eu gosto de fazer, o que me interessa, me anima (no
sentindo que o Barthes usa e tal), ou seja, às vezes é uma merda, mas é o que eu
gosto, então é aguentar e seguir.
Você
soma mais frustrações que vitórias?
Jhésus
Tribuzi Lula – Não. Veja só, eu comecei em 2009. Não é
muito tempo, mas dá pra ver a diferença. Eu e meus amigos começamos como um
"bando de doido", e hoje a gente conseguiu se entender e se estabelecer
de uma forma que já dá pra pensar em abrir uma produtora e de ter projetos em
vista. Os curtas deram certo, em sua maioria, não só porque foram finalizados, mas
porque foram vistos, passaram em festivais e, principalmente, porque deram
experiência pra todo mundo. Então, tá sempre melhorando. E quando dá merda, a
gente se arrepende, mas a experiência fica.
Fale
mais dessa trajetória...
Jhésus
Tribuzi Lula – Então, eu cursei arte e mídia, na UFCG. Não é
um curso de cinema, mas acabou formando muita gente que trabalha com isso, e
foi lá que tive meus primeiros contatos com historia da arte, estética, análise
visual, fotografia, direção e os primeiros contatos com a desgraça que é
trabalhar em equipe (risos) ou lidar com gente no final do curso. Meu tcc foi
sobre adaptação cinematográfica de obras da literatura fantástica e acabei
dirigindo um filme, e deu tudo tão errado que quase desisti. Felizmente, esse
filme se perdeu nas memórias do tempo. Meu primeiro contato com um negócio mais
profissional foi com um filme de Helton Paulino chamado "Terra Erma".
Fui assistente de direção dele, que é amigo do coração, parceiro e deve ter
sido por isso que o ajudei, porque assistência de direção consiste,
basicamente, em levar grito e sofrer (mais risos). Daí ajudei outros amigos em
curtas também. Tudo sem muita grana, ou com o suficiente pra pagar diária de
equipamento e olhe lá. Aprendendo, né? Já que uma coisa é você fazer trabalho
de faculdade e outra é ir prum set de verdade, com diária, tempo, enfim, como
eu tinha comprado uma filmadora pra mim, acabei ajudando o povo mais ainda, ou a
alugando ou indo ser assistente, fotógrafo. Na época a filmadora era top, então
todo mundo se interessava. Acho que tive a sorte de pertencer a uma geração de
amigos/parceiros que queria fazer as coisas e pronto, na teimosia, então todo
mundo se ajudou. Com o tempo, entrei como assistente de fotografia num longa: "Tudo
o que Deus criou", de André da Costa Pinto, e aí foi aquele choque. Já que
era, de certa forma, o maior set que já tinha pisado, eu só sabia do básico, e tinha
muita gente experiente na equipe técnica.
Você
acha que se estivesse no eixo Rio/Sampa haveria um caminho mais curto?
Jhésus
Tribuzi Lula – Acho que seria mais difícil, tenho quase
certeza disso, não por preconceito nem nada. Mas veja só: Campina Grande tem
uns 400 mil habitantes, compare isso com São Paulo. O tanto de gente que tem lá
querendo fazer cinema é infinitamente maior que aqui, então o mercado é mais complicado
e opera de outra forma. Claro que teria a facilidade de ter um contato com as
produtoras, com profissionais estabelecidos e tal. Aqui foi um esquema de
bandeirante, de desbravar, levar porrada.
Se
sente preparado pro mercado?
Jhésus
Tribuzi Lula – Cara, posso dizer que me sinto mais preparado
hoje em dia que em 2011, por exemplo. Como te disse, a experiência é
cumulativa. Depois que ajudei meus amigos com "O hóspede" (Ramon
Porto Mota) e "Mais Denso que Sangue" (Lan Abé), as coisas começaram
a andar, de fato.
[trecho do curta Mais Denso que Sangue]
O
teu estilo é alternativo, foge do comercial?
Jhésus
Tribuzi Lula – Vou adaptar uma frase do Zappa “pra mim só
existem dois tipos de filmes: filmes bons e filmes ruins”. Comecei indo
assistir Batman no cinema. Com a cinefilia você conhece Bergman, Buñuel, os
japoneses malucos, o Cassavetes e depois volta pro que você gostava antigamente,
ou redescobre cineastas, filmes. Então, pra mim, um John Carpenter, um James Wan
(que fez o "Invocação do Mal") tem o mesmo valor de um Tarkovski, e
eu gosto muito de filme de gênero... Quanto mais você assiste ou estuda essas
coisas, mais você descobre o mundo de possibilidades que elas te dão, e como um
filme "comercial" pode ser mais aloprado que muita coisa "artística"
(odeio esse termo) que soltam por aí. Claro que se você quiser saber dos
cineastas que me animam, a lista vai passar por Tarkovski, Tsukamoto e um monte
de gente que nunca passou no cinema daqui. Mas, óbvio que tenho posições
~políticas~ em relação ao cinema. Esses filmes com um bilhão de cortes, por
exemplo, e essa tendência de querer explicar tudo são um saco. Cinema é mais que
um personagem coadjuvante pegando a mão do espectador e dizendo o que ele tem
de ver.
"Nostalgia" [de Andrei Tarkovski]
Você
é "concurseiro" nato?
Jhésus
Tribuzi Lula – Sou não. Eu e meus amigos (Ian, Ramon, Fabiano)
temos que nos virar com editais. Dependemos disso pra tentar botar alguns
projetos pra frente. Mas sou péssimo com planilhas, justificativas: Como explicar
a contrapartida social de um filme com gente morrendo, sendo despedaçada? (risos)
Como
chegou ao NetLab?
Jhésus
Tribuzi Lula – Acho que foi o Ramon, um amigo, quem me disse. Provavelmente
as palavras dele foram "vamo fazer isso ai!" (risos). Botou pilha e
tudo mais.
Você
é difícil de se animar prum novo projeto?
Jhésus
Tribuzi Lula – Não, não. Sou difícil de achar que a ideia
serve pra algo, na verdade. Normalmente acabo achando a ideia legal, mas que
não vai dar certo, que é tosca, estranha. Preciso de alguém de fora me dando os
toques.
Fala
então do Voragem...
Jhésus
Tribuzi Lula – Então, Voragem foi culpa de Ramon e Fabiano, meus amigos.
Eu tinha essa ideia de um longa, um policial, que envolvesse gente
desaparecendo, o diabo, e duas famílias brigando politicamente. Era um negócio
meio "O homem de palha" com "memórias de um assassino", mas
aí deixei a ideia de lado, porque né... Vai saber quando iria ter dinheiro pra
isso? Enfim, Ramon sabia dessa ideia e quando o Netlab apareceu ele comentou e
disse que rolava transformar em série e que seria melhor que fazer um longa. Foi
o que bastou pra chamar Fabiano e a gente se juntar pra escrever tudo. Várias
semanas se reunindo, pensando no argumento, nas possibilidades e tal. Óbvio que
a ideia foi crescendo, e a gente nunca tinha feito nada de série. Lembro que o
conceito de "logline" era alienígena pra gente.
Saiba mais sobre o resultado do concurso: http://netlabtv.com.br/resultado/vencedores/ |
E
na prática, o que será feito do seu projeto?
Jhésus
Tribuzi Lula – Então, vou pra São Paulo agora pra ter
reunião, participar dos laboratórios e ter contato com os canais interessados.
Creio que a ideia é fazer mais tratamentos do roteiro e discutir sobre o
potencial do negócio todo. Daí pra frente estou no insondável (risos)
O
desenvolvimento do projeto é de vocês?
Jhésus
Tribuzi Lula – Olha, isso a gente só sabe lá. A gente quer
desenvolver e acredito que as pessoas querem que a gente desenvolva sim, mas
como vai ser isso, como vai se dar o processo todo, eu não sei ainda. Tem de
discutir detalhes de produção, ver quem tá interessado (e o quão interessados
estão), essas coisas. É um pouco nebuloso pra mim, pois nunca fiz série, nunca
participei desse processo então não sei como vão ser os contatos, não posso dizer
que vou chegar lá e um cara vai dizer "olá, menino, por acaso você vai querer 4 milhões de reais para fazer essa
série?" Até porque nem em sonho isso aconteceria (risos).
A
teledramaturgia ainda é um bom caminho pros roteiristas. Dá visibilidade, boa
grana, contratos estáveis... Estaria aberto pra esse mercado?
Jhésus
Tribuzi Lula – Como eu te disse, estou bem longe do eixo Rio/Sampa
pra saber como as coisas estão por lá, como estão os roteiristas e tal. Mas lembro
de ter lido umas matérias que confirmaram isso que tu falou, sobre contratos
estáveis, sobre as emissoras de canal aberto respeitarem o roteirista, darem
uma rede de segurança. Ao mesmo tempo, li que as TVs fechadas também estão
interessadas em dar essa rede de segurança. Não sei se tá funcionando bem. Porém,
como roteirista, adoraria trabalhar num local que me desse segurança pra criar,
sendo TV fechada ou não. Claro que sempre haverá problemas, adequação de ideias
a um determinado orçamento, mas isso são ossos do ofício, né? Agora se tu quer
saber se eu daria um bom roteirista de novela... Acho que não. Os caras têm uma
disciplina incrível (risos). E é um negócio tão grande, tão cheio de arestas
pra serem aparadas, que, bom, não saberia nem por onde começar. De qualquer
forma, penso que tanto o mercado de TV fechada quanto o de TV aberta tá se
preocupando em melhorar a qualidade dos produtos, em sair da zona de conforto.
Acho isso massa, empolgante.
Das
séries americanas que têm feito a cabeça do público, qual te instiga mais e a
que você passa longe?
Jhésus Tribuzi Lula – The Wire. Corro o risco de queimar a
língua, mas The Wire deve ser a grande produção audiovisual dos anos 2000. Se
eu tivesse que escolher três séries, ficaria com The Wire, Deadwood e Breaking Bad.
As duas primeiras, partem do gênero pra discutir algo maior (Baltimore, os EUA)
e Breaking Bad deveria fazer parte das aulas de criação de personagem e de como
ser fiel ao personagem, e deve ser uma das poucas séries que só melhoraram. De
qualquer forma, The Wire está no meu coração e acho que todos os seres humanos
deveriam assistir e repassar para outros seres humanos. Das que passo longe: Comecei
a assistir American Horror Story, mas desisti ao fim da primeira temporada. Não
sei se resolveram isso, mas fiquei com a sensação de que eles metem muita ideia
e não conseguem desenvolver direito ou fecham o arco só pra fechar mesmo e acho
isso meio ruim... Olha o tanto de coisa que eles tinham pra usar na primeira
temporada e muita coisa foi deixada de lado, ou diluída. Fiquei com a sensação
de que o Ryan Murphy estava mais interessado em "chocar" que em fazer
um negócio de horror mesmo. Sem contar os setecentos planos por segundo e falta
de tato pra construir uma cena de horror com ritmo menos acelerado. Dexter eu
desisti depois da terceira temporada. Me disseram que a quarta é muito boa, mas
acho que enjoei do personagem. Parece que ficam com medo de fazer um assassino
se comportar como assassino e acabam querendo justificar tudo:
"código", "só mato gente ruim". Ah, faz um "Henry - Portrait
of a Serial Killer". E vejo “Sons of Anarchy” por masoquismo. Eu gosto dos
personagens, da forma como eles se relacionam (ou se relacionavam), mas estão
enrolando, né? E o Kurt Sutter mandou muito bem em The Shield, mas parece que perdeu
um pouco a mão nessas ultimas temporadas.
trecho de The Wire
Aflore
seu lado cinéfilo: Cite um filme que de tão bom você gostaria de ter
roteirizado...
Jhésus
Tribuzi Lula – Só um? Stalker do Tarkovsky, Mother do Bong Joon Ho, e tem Chinatown.
É
meio lugar comum falar do roteiro de Chinatown, mas não tem como não citá-lo. Gosto
de Miami Vice do Michael Mann também porque é um policial onde
ninguém perde tempo explicando as coisas bonitinhas. O espectador que se vire
pra pegar as coisas.
trailer de Chinatown
E
dos nossos?
Jhésus
Tribuzi Lula – As pessoas falam das nouvelles vagues francesa,
japonesa, falam dos filmes que estavam à margem disso tudo aí, mas acho que tem
coisa do cinema brasileiro que é tão ou mais ousado que muito trabalho vindo de
fora. Claro que um Shuji Terayama da vida sempre vai ser referência, um Oshima,
um Kiju Yoshida. Mas, você pega um filme do Sganzerla, do Bressane, é muita “alopração”,
é muita inventividade, e não precisa ficar só nesses exemplos... Você assiste
um "Rainha Diaba" (do Plínio Marcos) ou um "Eu Matei Lúcio Flávio" (do Antônio
Calmon), que são filmes de gênero e são muito divertidos. Tem o Jece Valadão
dando tiro ao som de música disco. Isso é lindo. As pessoas têm um preconceito
com o cinema brasileiro, como se ele só trabalhasse dentro de certos extremos
(putaria, cabeçudo), mas não é assim. Sempre vai ter um cara mais interessado
nessas coisas, mas faz parte. Então você tem gente como o Fauzi Mansur, como o Walter
Hugo Khouri, que deveriam ser revisitados. Tem o Mojica, que dá um pau em muito
cineasta de horror de hoje em dia, enfim, acho que tem muita coisa boa a ser
vista e revista.
"A Rainha Diaba" [de Plínio Marcos]
Cinema
nacional, hoje em dia, nem pensar...
Jhésus
Tribuzi Lula – Tem coisa boa sim, mas tá no circuito de
festival, né? Ou então é sumariamente ignorado. Não sei por quais motivos Reichenbach
fez o "Falsa Loura" em 2007. Acho filmão, mas ignorado.
trailer de Falsa Loura
Com
quem você almeja trabalhar?
Jhésus
Tribuzi Lula – Dos roteiristas, cineastas já colocados no
mercado, eu queria trabalhar com o Mojica, fazer umas parcerias com o Dennison Ramalho,
Rodrigo Aragão. Adoraria escrever um roteiro pro Rodrigo Aragão, e pro Petter
Baiestorf também. Ah! Não posso deixar de citar a Rosanne Mulholland, que está
no meu coração, por motivos que não posso explicitar, mas que são sinceros
(risos).
Preparado
pra lidar com a censura?
Jhésus
Tribuzi Lula – Não sei. Tem coisas que você tem de lutar e
acaba abrindo mão. Mas tem outras que fazem parte do projeto, que não dá pra
abrir mão. É como eu te disse: se eu fosse escrever sobre um assassino, eu
preferia que ele fosse mais um "Henry" da vida que um assassino
bonzinho e simpático, charmoso. De qualquer forma, não sei como isso vai
funcionar, falando especificamente de voragem. Não sei até onde vai ter muita
censura, não sei o que não vão querer mostrar, caso queiram produzir.
Esse
é o teu melhor momento?
Jhésus
Tribuzi Lula – Sim. Não só meu, mas dos meninos também. Tem
muita ideia surgindo, o filme mais novo de Ramon tá passando em festivais, o
Ian Abé tá terminando mais um, Fabiano tá com umas ideias, e além desse roteiro
há outros sendo preparados. Então posso dizer que, sim, é o meu melhor momento.
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