domingo, 27 de janeiro de 2013

Decifrando Carlos Lombardi

“Sou uma espécie de candidato a miss que leu Proust e fica todo mundo falando o tempo todo: ‘Mas eu vi você com o Pequeno Príncipe na mão”.

                                                                                                                                   
 Por Daniel Pilotto

Eu confesso para os leitores que sempre tive vontade de escrever sobre o autor.

Vontade de me aprofundar sobre o seu estilo, sua estética e seu universo tão particular, que sempre soaram para mim como um rompimento ao que era estabelecido como novela sem deixar de ser a própria.

Mas não queria apenas uma descrição de sua carreira, novelas e roteiros, estes dados biográficos que sempre vemos aos montes em todos os sites relacionados à tv. O que mais me interessava era analisar os efeitos que o autor e suas tramas causam nos telespectadores.

Com a idéia na cabeça saí em campo buscando as mais diferentes notas, matérias e postagens pela internet e me surpreendi com a diversidade de opiniões e idéias, muitas delas pré-concebidas, diga-se de passagem, sobre a obra do autor. No que tange à novela o brasileiro pode ser bastante conservador. É como se para alguns telespectadores a simples utilização de recursos tão próprios de seu estilo já causassem a recusa e viessem antes de qualquer idéia dramatúrgica que ele tente expressar, aliás, estas ficam em segundo plano na visão dos mesmos.

Para outros, o autor trouxe novidade ao veículo, revolucionando e introduzindo uma linguagem única. Sem contar uma expectativa que gera cada vez que se anuncia sua volta às telinhas, já que cada novela que escreve é tão ou mais aguardada que uma temporada de série ou filme americano.

Carlos Lombardi teve um começo de carreira bastante interessante, foi professor universitário, autor de livros românticos (destes de bancas de revistas, que até serviram de inspiração para o autor escrever os delírios românticos da personagem de Viviane Pasmanter, a Maria João em UGA UGA, que vivia sonhando e entrando dentro das tramas destes livros. Tal e qual Daniele Winitz, a Bárbara do seriado GUERRA E PAZ, que além de autora dos mesmos, vivia sempre na mesma confusão entre realidade e ficção) e como escritor de programas de Telecurso o que inevitavelmente o levou para trabalhar efetivamente na tv. 
Só para recordar também foi colaborador de dois dos maiores autores do horário das sete, autores que imprimiram a comédia definitivamente no gênero novela: Cassiano Gabus Mendes e Sílvio de Abreu. Mas como bom discípulo ele soube assimilar o que era mais importante na maneira de cada novelista criar e incorporar ao seu próprio, sem desvirtuar ou comprometer o que já pretendia fazer como autor solo.

Mesmo reconhecendo seu estilo em alguns personagens e situações de GUERRA DOS SEXOS (como não acreditar que a fascinação de Roberta pela tatuagem no torso nu de Nando não tenha surgido das idéias de Lombardi?) e na sua novela de estréia VEREDA TROPICAL (escrita quase em totalidade com a parceria de Sílvio de Abreu), não considero estas como tramas em que vi o autor surgir de fato.

A minha grande surpresa em relação a Carlos Lombardi veio mesmo com BEBÊ A BORDO (1988). Esta trama foi uma verdadeira revolução no gênero, pois não se apresentava apenas como mais uma comédia, trazia em sua estrutura uma anarquia, um subverter de regras que foram muito bem vindos na tv. Não era possível enquadrar a novela no estilo de nenhuma outra, a sua trama tinha um ritmo e uma agilidade fora do habitual, diálogos rápidos, precisos e irônicos, e uma linguagem mais próxima das histórias em quadrinhos e do videoclipe. Isto sem falar nos personagens, tão complexos que a primeira vista era impossível decifrá-los.



Está bem, sei que muitos irão dizer que não viram nada disto. Para uma grande parte dos telespectadores era apenas uma novela confusa onde ninguém se entendia e ponto. E é aí que quero chegar, o interessante é saber ler o que há por trás de cada novela do autor, existe muito mais além das aparências e quem souber ultrapassar esta fronteira vai se surpreender.

Um exemplo claro do que digo é que por trás deste estilo o autor costuma sempre trabalhar com as relações familiares, e esta parece ser sua maior obsessão. Relações conflituosas entre pais e filhos, entre irmãos, a estrutura familiar assim como é estabelecida em suas novelas está sempre desestruturada.

Em BEBÊ A BORDO era possível perceber isto em diversos núcleos, aliás nesta trama este era o mote principal. Ana (Isabela Garcia) era uma jovem que vivia à margem da sociedade por conta de um passado de abandono, ela era filha de Laura (Dina Sfat), e não queria cometer o mesmo erro da mãe em se separar de sua filha. Laura por sua vez vivia uma relação de amor e ódio com o sogro, Nero (Ary Fontoura) com a filha Raio de Luar (Sílvia Buarque) e com os dois enteados. Na mesma trama ainda existiam os irmãos, Rico (Guilherme Leme) e Rei (Guilherme Fontes) que sofriam por conta de um pai agressivo, inconstante e ausente, e só encontravam um pouco de consolo e amizade na presença de Branca (Nicette Bruno) que assumia a figura de uma mãe para os dois, mesmo tendo em sua casa uma relação bastante complicada com seus próprios filhos. Isto sem falar nos tantos outros núcleos onde sempre a figura pai/ mãe ausente ou displicente se faz presente.

No final das contas a idéia que fica é que no meio de tanto conflito, são pessoas tentando acertar, tentando mudar seus erros e prosseguir da melhor maneira possível diante dos problemas e da vida que tem.

A partir de PERIGOSAS PERUAS sua novela seguinte eu senti que o autor tentava manter o mesmo estilo de BEBÊ A BORDO, mas algo estava mudado. Era como se tivesse que pegar mais leve desta vez. Não na trama em si e sim no que tinha surpreendido tanto, aqui a anarquia ainda existia, mas estava mais contida. A trama era mais, digamos assim, tradicional e o drama familiar era mais forte. A história de Cidinha (Vera Fischer) Leda (Silvia Pfeiffer), Belo (Mario Gomes) e Tuca (Natália Lage), a filha que Cidinha julgava ser sua e que na realidade era da amiga foi o conflito familiar da vez. Em meio a isto uma turma de policiais tentando desbaratar uma família de mafiosos davam o tom mais ágil e cômico. Enfim uma novela de transição para a próxima trama.



A aceitação definitiva veio mesmo em QUATRO POR QUATRO, e acredito que aqui o autor soube incorporar tudo o que era necessário para atingir o público, manteve seu estilo, tinha cara de novela (estruturada nos moldes que os puristas consideram como o ideal) e personagens bastante reconhecíveis e identificáveis em novelas. Bruno (Humberto Martins) era um homem preso a um passado trágico que volta para recuperar o amor da filha, deixada aos cuidados de um tio ambicioso e inescrupuloso. Some-se a isto a vingança atrapalhada de quatro mulheres que se sentiam prejudicadas por seus homens e temos um grande sucesso do horário.



Nas novelas seguintes Lombardi trabalha com os mais diferentes temas, entretanto é latente em cada uma das obras os dramas familiares que já citei acima. VIRA LATA, UGA UGA, O QUINTO DOS INFERNOS, KUBANACAN e PÉ NA JACA trouxeram em sua estrutura personagens que buscavam recuperar algo que haviam perdido, um momento que lhes foi interrompido, precisando resgatar no passado o que os impede de viver bem o presente, seja por uma tragédia, seja por um mistério ou por fatos históricos. 



Até mesmo em tramas que não são suas e que é chamado para recuperar a história e a audiência (sim, ele conseguiu recuperar novelas fadadas ao fracasso como CORAÇÃO DE ESTUDANTE e BANG BANG), o autor consegue destrinchar o psicológico de cada personagem e criar uma trama mais envolvente e cheia de nuances.

Tudo a princípio parece ser complicado, e nem sei se me fiz claro durante todo o meu texto, sabem como é, o fã pode sempre soar exagerado. Mas de uma coisa tenho a certeza, é mais fácil procurar e encontrar tudo o que descrevi dentro de uma novela de Carlos Lombardi do que a classificação simplista que sempre fazem dele, como o “autor dos descamisados”. Classificação bastante provinciana já que a nudez ou a insinuação de nudez em suas obras nada mais é do que o retrato de nós mesmos, basta citar os desfiles de Carnaval e o Big Brother como exemplo, corpos nus não faltam. E como ele mesmo espirituosamente já disse: “Não são meus personagens que usam pouca roupa. São os das outras novelas que usam demais.”



Que Carlos Lombardi continue assim, sarcástico, divertido, anárquico e tocante. Sorte a ele na nova casa, e que se mantenha fiel ao estilo que o consagrou, mesmo que uns amem e outros odeiem, assim é a vida.

8 comentários:

  1. Adoro as novelas do Carlos Lombardi, sempre irreverentes e cheias de ação, romance, emoção e muito humor. Além, claro, dos personagens cativantes e bem construídos. Assistir uma novela do Lombardi é viver durante meses uma deliciosa aventura. Não vi os grandes sucessos dele, mas acompanhei com muito gosto Kubanacam, Pé na Jaca e Guerra e Paz, e adorei, são das minhas novelas favoritas e acho que foram incompreendidas. A Globo perde muito sem ele, e a record deve saber valorizá-lo. Não vejo novelas na record, mas vou fazer uma forcinha para conferir Vida Bandida.

    Parabéns pelo texto, abraços!

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  2. Confesso que vim ao blog esperando um texto menos profundo sobre as tramas de Carlos Lombardi, no entanto, felizmente me surpreendi com a maestria nas palavras de Daniel Pilotto!
    Conheci as novelas com "Vereda Tropical" em 1984 e contando apenas com 6 anos de existência rs.
    Acho que devo ao Lombardi o meu amor aos folhetins, pois não parei mais depois... e claro sempre elegendo as da década de 80 como as melhores! Do Lombardi elejo "Vereda Tropical", "Bebê a Bordo" e "Quatro por Quatro"! O autor, além de imprimir a sua marca, sempre nos presenteava com trilhas sonoras muito boas! Sorte ao Lombardi na nova casa!

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  3. Obrigado a todos pelos comentários!!!!!!
    Sempre bom saber que existem fãs do trabalho do autor!!!
    Agradeço ao blogdolalo, ao Rafael Barbosa e ao Renato Coelho pelas palavras tão carinhosas!!! Um grande abraço!!!!!!

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  4. eu sempre gostei do carlos lombardi, mesmo entendendo muito mais a proposta de bebê a bordo qdo esta reprisou...um folhetim reloaded agora acho eu...personagens que fugiam dos esteriótipos dos atores, dialógos ácidos e até teatrais na metalinguagem do ary fontoura e da dina sfat. Mas me apaixonei mesmo pela inventividade das duas mulheres serem protagonistas de Perigosas peruas e a mistura da ação policialesca com o drama familiar( que eu preferia).nessa novela até o que eu não gostava muito , os diálogos engraçadinhos, vi que se tornava uma marca do autor e via uma novela de autoria.Confesso que gosto mais da parte folhetinesca dele, da janete clair que tá lá dentro rsss como a trama de amizade em pé na jaca, por exemplo,em que os sentimentos dos personagens eram todos misturados e ao mesmo tempo a inovação de ter cinco personagens principais.Muito legal a homenagem, Daniel... e os descamisados que se descamisem sempre mais...é luxo só.

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  5. Edu, obrigado pelos teus comentários sempre tão interessantes e que sempre acrescentam tanto!!!! E principalmente por ter o carinho e a delicadeza de sempre divulgar meus posts!!!!!!!!!!! Obrigado mesmo!!!!!!!!!!!

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  6. Eu também achei que o texto iria se restringir a opinião comum sobre o autor mas me deparei com uma verdadeira análise de fã, mas um fã isento e atento, que sabe o que diz. O Daniel conseguiu fazer uma linha do tempo da obra do autor, mostrando desde a sua formação e influências, como se formou o autor e sua obra, como cada passo que o Carlos Lombardi deu foi construido e o que cada trama trouxe da outra, formando a caracteristica do autor. Eu sempre identifiquei que o Carlos Lombardi é um autor dramático. Essas relações familiares sempre presentes em sua obra, e o mover dos personagens, sempre impulsionado por uma tentativa de resgate de algo que ficou no passado, eu sempre identifiquei. Mas essa linha do tempo, e como isso foi construido ao longo do tempo, só mesmo um fã de carteirinha poderia fazer. Pessoalmente, eu nunca fui contra os descamisados, e nunca realmente achei que isso fosse a marca do Carlos Lombardi, embora já tenha rido desse tipo de comentário e mesmo ajudado a fazê-los, mas para bancar eu mesmo o engraçadinho. O que sempre me incomodou foi que todos os personagens falem de forma absolutamente igual, todos os personagens fazem piadas cortantes e ácidas, o que na aparência os torna iguais, ainda que tenham trajetórias e interesses diferentes - isso é o que realmente me incomoda. Dos descamisados eu até gosto porque beleza realmente não me incomoda. Acho mesmo que a grande marca do autor é criar estas histórias de desajustess familiares, de busca de um passado interrompido, apontado brilhamentemente pelo Daniel. Carlos Lombardi é um dos autores mais dramáticos da telenovela brasileira.

    Sou o TOM DUTRA comentando (e não sei retirar esse título de Espelho Mágico, nome de um blog criado e extinto no tempo mesosóico)

    Tom Dutra - Santo André - SP

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  7. Poxa Tom, que análise maravilhosa a tua também!!!!!! Que bom que você também reconhece esta dramaticidade no estilo do autor pois eu considero esta sua principal característica!!!!
    Sobre a maneira peculiar dos personagens falarem com diálogos ácidos e irônicos eu te confesso quem em determinadas tramas isto também me incomoda, mas daí eu penso: é um estilo unico! Acho válido que ao menos um autor faça desta maneira, pois o universo dele fica mais reconhecível, próprio mesmo!!!!!
    Quero te agradecer imensamente pelo comentário, que me anima e me incentiva a escrever mais sobre novelas!!!!!! Abração!!!!!

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