Por Daniel Pilotto
Uma das tramas que tem chamado bastante a minha atenção na
novela das seis, FLOR DO CARIBE de Whalter Negrão, é a história de Dionísio e
Samuel. Para um fã de tudo que se ambienta no período da Segunda Guerra Mundial,
como eu, poder ver que pela primeira vez está sendo mostrado numa novela de
televisão um resquício daquilo que foi uma das grandes tragédias da humanidade,
o holocausto, se torna definitivamente um atrativo a mais para acompanhar.
Geralmente as tramas relacionadas à Segunda Guerra mundial e
a ação perversa do nazismo contra os judeus e suas consequências ficavam
restritas apenas as minisséries e novelas de época.
A primeira trama de novelas a abordar este período da
história foi O SHEIK DE AGADIR (1967) de Gloria Magadan. A trama foi uma
adaptação de um livro de Gogol, transposto para o período da Segunda Guerra. Na
trama eram retratadas a ocupação nazista na França e sua influência num reino
Árabe. Pela primeira vez era possível ver atores brasileiros vivendo
personagens nazistas, como o coronel Otto Von Lucken (Mário Lago), o oficial e
espião Hans Stauben (Emiliano Queiroz) e Frieda (Márcia de Windsor). Os atores
que viveram os nazistas ganharam antipatia do público logo de cara. Emiliano
Queiroz sentiu na pele a rejeição pelo personagem, o público da época ainda não
distinguia ficção de realidade e o ator chegou a ser agredido por uma
telespectadora no Rio de Janeiro, após ter ido ao ar o capítulo em que seu
personagem assassinava friamente um dos mocinhos da novela vivido por Cláudio
Marzo.
O período e os nazistas só seriam retratados novamente nas
minisséries A E I O URCA e AQUARELA DO BRASIL.
Em A E I O URCA (1990) de Antonio Calmon e Doc Comparato os
nazistas estavam infiltrados no Brasil, mas precisamente no Rio de Janeiro do
final dos anos 30. Na trama a jovem Sílvia (Débora Bloch) se vê envolvida numa
interessante trama de espionagem típica dos filmes de Hollywood da década de
40. Com seu pai preso por comunismo ela é chantageada por Jofre (Raul Cortez)
um nazista que a obriga a se casar com o inglês Michael (Herson Capri) e
conseguir dele um mapa de uma importante mina de urânio. Esta trama se
assemelha bastante ao filme INTERLÚDIO de Hitchcock, no que se refere ao fato
de que alemães nazistas estavam infiltrados sob outras identidades no país, com
o objetivo preciso de extrair urânio (importante mineral utilizado em
armamentos) das ricas minas brasileiras.
Em AQUARELA DO BRASIL (2000) de Lauro César Muniz o foco era
outro. Na minissérie ambientada nos anos 40 existiam duas tramas bem distintas
relacionadas ao nazismo. Na primeira parte o personagem Felipe (Marco Ricca)
tio da mocinha da história Isaura (Maria Fernanda Cândido) se vê relacionado
num esquema de espionagem nazista. Ele é confundido como colaborador,
responsável por transmitir códigos cifrados através de um sinal de rádio,
captado pela contraespionagem do exército brasileiro. Como ele tinha feito
parte da Ação integralista em sua juventude e fichado na polícia em 1938, todas
as suspeitas recaem sobre ele. No decorrer da trama se descobre o envolvimento
dos vizinhos de Isaura, os alemães Max Bronstein (José Steinberg) e Ruth
Bronstein (Ivone Hoffman) como os verdadeiros responsáveis pelas transmissões
espiãs captadas pelo exército.
Outro destaque da minissérie é a trama de Bella Landau
(Daniela Escobar), responsável por discutir o drama dos refugiados de guerra.
A jovem havia sido salva de um campo de concentração nazista
por Axel Bauer (Felipe Kannemberg) oficial do exército de Hitler, que se
apaixona por ela. Ele foge como desertor e vem acompanhado dela para o Brasil.
Um dos grandes dilemas vividos por Axel e Bella é que ele como alemão nazista
não pode desembarcar no país sem ser preso pelo exército. O conflito se estabelece,
inclusive com os outros personagens judeus da história que não compreendem o
amor entre a jovem e o alemão.
As duas minisséries são exemplos de tramas de época que
trataram o tema, de maneira bastante correta e com todo o lado histórico que
uma produção destas exige.
Uma abordagem atual, sobre os desdobramentos deste período
trágico do passado nos nossos tempos é pouco comum na Teledramaturgia.
Em 1979 a Bandeirantes levava ao ar a novela de Vicente
Sesso CARA A CARA. A história girava em torno de Ingrid Von Shubert (Fernanda
Montenegro) uma mulher que retornava ao Brasil após muitos anos em busca do
filho arrancado de seus braços após nascer num campo de concentração nazista.
A trama apenas se referia a este momento no passado da
personagem. O mote principal da trama era sua busca por este filho nos dias
atuais e as complicações decorridas pelo tempo.
Em FLOR DO CARIBE ela é a base de uma história e da vida de
dois personagens bem interessantes que após muitos anos de terminada a guerra
na Europa acabaram por se encontrar na ensolarada Rio Grande do Norte.
Samuel Achcar Schneider (Juca de Oliveira) é um dos sobreviventes
da ação nazista em Amsterdã, Holanda. Quando criança viu seus pais entregarem
toda sua fortuna para um homem misterioso, com a promessa de que conseguiriam escapar
dos nazistas e fugir da Europa. O homem misterioso era Dionísio Albuquerque
(Duda Mamberti, na fase das lembranças de Samuel e Sérgio Mamberti na fase
atual), e ele na realidade era uma espécie de informante do regime de Hitler em
meio aos judeus, entregando-os aos soldados nazistas depois de arrancar tudo o
que tinham de valor.
O interessante nesta trama de FLOR DO CARIBE é que Samuel
vai se recordando de seu passado aos poucos. No início da história ele não faz
idéia de que Dionísio, o empresário milionário dono de todas a salinas da
região e avô do marido de sua filha seja o algoz de sua família no passado.
Suas recordações vão sendo despertadas na medida em que ele
toma contato com objetos da época.
Samuca (Vitor Figueiredo), filho de Esther (Grazi Massafera)
e neto de Samuel encontra por acaso numa brincadeira no quarto de Dionísio uma
cruz nazista, uma condecoração por serviços prestados ao Führer e leva até a
casa do avô. O contato com o objeto o faz lembrar mais claramente de seu
passado e ele sai em busca de maiores detalhes.
Num segundo momento ele encontra no quarto do empresário um
relógio antigo com uma inscrição em hebraico, que pertenceu ao seu pai. Logo
após Doralice (Rita Guedes) a empregada da mansão consegue uma foto antiga de
Dionísio num álbum de retratos e quando ele a vê, mata a charada, Dionísio foi
o responsável pela morte de seus pais.
Dionísio representa os nazistas que conseguiram escapar da
Europa antes de serem presos ao final da Grande Guerra em 1945. Há diversos
relatos de que muitos deles vieram se esconder na América do Sul. O mais famoso
de todos é o médico nazista Josef Mengele. Considerado o “anjo da morte” foi o
maior responsável pelo extermínio de judeus nos campos de concentração da Alemanha.
Passou grande parte da vida escondido na Argentina e terminou seus dias no
Brasil, sem ser punido por seus crimes.
Já Dionísio, vive na fictícia Vila dos Ventos da novela, e
mantém no subsolo de sua mansão uma espécie de bunker com toda a riqueza que
conseguiu roubar dos judeus. Em meio a jóias, objetos e telas de pintores
famosos dadas como perdidas ele relembra as maldades do passado.
Mas como nas novelas em muitos casos existe justiça, parte
de seus segredos já está vindo à tona. E quem sabe, pelo menos na ficção, um
nazista fugido e nunca encontrado conseguirá ser punido.
O único senão em torno da trama é a idade dos atores
escolhidos para os personagens. Juca de Oliveira nem tanto, pois o ator já está
com 78 anos, portanto na época da Guerra ele podia muito bem ser representado
por uma criança como a que foi usada nas cenas de memória. Agora Sérgio
Mamberti, com toda a certeza está vivendo um personagem com muito mais idade do
que tem. A parte das memórias de Samuel data de 1944, portanto Dionísio (se
seguirmos a lógica de que Sérgio Mamberti tem 74 anos) teria que ter na época
apenas 13 anos. Talvez o erro tenha vindo da direção ao escolher Duda Mamberti,
o filho do ator para viver esta primeira fase. Quem sabe um ator mais jovem com
no máximo 20 anos chamaria menos atenção para o disparate da idade.
Enfim, estes são apenas detalhes. Felizmente a trama, muito
mais rica e interessante consegue se sobrepor a isto e torna FLOR DO CARIBE uma
das gratas surpresas do horário.
Parabéns, Daniel! Excelente texto. Esse é um tema de que não podemos nos esquecer. Em Vida Nova, Benedito Ruy Barbosa escreveu uma cena linda em que Ruth (Deborah Evelyn) conta aos pais (José Lewgoy e Miriam Mehler) como foi que os nazistas invadiram a casa de seus tios na Alemanha. Cena inesquecível e comovente, com um show de Deborah!
ResponderExcluirLembro bastante desta cena que você citou Walter de Azevedo, da novela VIDA NOVA, e realmente era comovente. Este período da história precisa sempre ser revisitado, para nunca ser esquecido!!!!! Obrigado pelo teu belo comentário!!!!!
ExcluirParabéns, Daniel! Ótimo texto.
ResponderExcluirObrigado Sandra, fico feliz que tenha gostado!!!!!!!
Excluir"O texto é ótimo!"
ResponderExcluirSuzana Pires, Colaboradora na autoria da novela Flor do Caribe [via twitter]
Puxa, receber um elogio de quem está escrevendo a novela não tem preço!!!!!!! AMEI!!!!!
ResponderExcluirO Dionísio, vulgo Klauss Wagner, tem uns 100 anos, tirando por fora. Por fora. Considerando que na época em que traiu a família de Samuel, provavelmente já era um oficial nazista, não poderia ser um homem de muito pouca idade para ocupar tal posto, e as lembranças do Samuel não nos deixam mentir. Acho que esse é o motivo de o Dionísio ser retratado como um homem já de meia idade e ser representado pelo Duda. O único problema da questão é considerar que dos anos 40 para cá, já se foram quase 70 anos... Se ele tinha por volta de 30 no período da Segunda Guerra, já passou dos 100. Matusalém de rodinhas, mesmo!!! A trama está realmente bem bacana, não só a HIStória de Samuel e Dionísio, como todo o seguimento; está valendo a pena assistir! E não faço essa observação sobre o Dionísio como uma crítica; pelo contrário, acho certa graça em imaginar a possível idade real do velho nazista. E também, de pensar que Sérgio, 4 anos mais novo que o espetacular Juca, interprete um personagem consideravelmente mais velho que seu companheiro, invertendo os papéis dentro da trama! Hehehe... Um abraço, parabéns pela matéria! :) God Bless you!
ResponderExcluirestudando aqui para uma apresentação sobre o nazismo e facismo,olha o que encontrei ,texto muito bem elaborado,onde concerteza irei citar em meu seminario...parabéns DANIEL...
ResponderExcluirAlguem sabe a musica tema musical do dionisio quando mostra as partes nazistas , aquele tema bem triste ! Pf quero saber o nome ! Manda para o meu e-mail gabrielmelazzo@hotmail.com obg
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