terça-feira, 24 de setembro de 2013

A dramaturgia da Record em retrospecto

Prestes a completar dez anos, investida em novelas reúne vitórias e derrotas.


Por Duh Secco, blogueiro convidado.

Prestes a completar sessenta anos de história, a Record vive um momento de intensa euforia e demasiada apreensão. A boa repercussão de Pecado Mortal, estreia de Carlos Lombardi na emissora, parece ser fundamental para determinar a continuidade de seu núcleo de dramaturgia. Uma saga que se iniciou há praticamente dez anos e que, por ocasião do aniversário da emissora, e do convite que me fora feito pela equipe do Posso Contar Contigo?, rememoro nesse texto.

No final dos anos 90, a Record recorreu à produtoras independentes para inaugurar sua faixa de dramaturgia, às 20h15. Surgiram boas novelas, como Estrela de Fogo, Louca Paixão e Tiro e Queda. O fraco desempenho desta última, no entanto, motivou a emissora a investir em produções próprias. No entanto, após Marcas da Paixão, Vidas Cruzadas e Roda da Vida, o departamento teve suas atividades suspensas, por conta da escassez de autores e da baixa audiência. (Leia meu texto “Os Outros Tempos da Record” , publicado em meu blog Agora é Que São Eles).

Em 2004, um novo tropeço vindo de produtoras independentes, a mal fadada Metamorphoses, e a obstinação em se aproximar (e até tomar a liderança) da Globo, motivou uma nova investida nas produções caseiras, marcada por altos e baixos.


Para arrebatar o público, tão logo deu início ao seu núcleo de dramaturgia, a Record foi buscar inspiração na Globo. Tão logo contratou o diretor Herval Rossano, tratou de providenciar a nova versão de um clássico já dirigido por ele nos anos 70, para a faixa das 18h da emissora carioca: A Escrava Isaura. Tiago Santiago e Ana Maria Nunes assinaram a adaptação, que trouxe em seu elenco nomes como Rubens de Falco e Norma Blum, que participaram da novela em 1976. Apesar do texto piegas, A Escrava Isaura se consagrou em um grande êxito de audiência, talvez por conta de sua produção esmerada, do elenco competente, onde se sobressaíram Patrícia França (Rosa) e Ewerton de Castro (Belchior), e da concorrência da insossa Começar de Novo, cartaz da Globo às 19h. Chamou a atenção as cenas de nudez de Leopoldo Pacheco (excelente como o vilão Leôncio) e Gabriel Gracindo (Henrique), por serem exibidas em um horário relativamente cedo e em uma emissora comandada por uma igreja evangélica. O sucesso foi tanto que menos de sete meses após o término da novela, a Record passou a reprisa-la, em horário nobre.


Para substituir A Escrava Isaura, a Record foi buscar outro texto já adaptado pela Globo: Senhora, de José de Alencar. Unida às tramas Lucíola e Diva, do mesmo autor, através da sinopse desenvolvida por Marcílio Moraes e Rosane Lima, Essas Mulheres nos trouxe uma produção esmerada, texto inspirado e elenco soberbo, se consagrando em uma das melhores produções da Record nesta nova fase. O desenrolar dos acontecimentos sempre colocava as protagonistas Aurélia (Christine Fernandes), Mila (Míriam Freeland) e Lúcia (Carla Regina, agora Cabral) nas mesmas situações. As sequências se convertiam em cenas belíssimas, como quando tivemos as três senhoras enclausuradas: Aurélia em um convento, Mila no manicômio e Lúcia na prisão. Nem tudo, entretanto, foram flores: Herval Rossano, que estava encarregado da direção, se desentendeu com a emissora e migrou para a Band, deixando sua tarefa nas mãos de Flávio Colatrello Jr., antes mesmo do início da trama.


A novela seguinte abandonaria os cenários de época para ambientar sua ação no Rio de Janeiro contemporâneo. Prova de Amor, adaptação de Tiago Santiago para um texto de Teixeira Filho, começou interessante, com um elenco de fazer inveja à algumas produções globais. Nomes como Lavínia Vlasak, Marcelo Serrado e Leonardo Vieira encabeçavam a produção. Marcou também o início das atividades do Recnov, complexo de estúdios da emissora, hoje sob a ameaça de ser desativado. A audiência explodiu, roubando preciosos pontos de Bang-Bang, com quem disputava na faixa das 19h, e do então imbatível Jornal Nacional. Os sucessivos espichamentos, no entanto, desgastaram a trama, cuja fórmula nortearia outras novelas do canal.


Satisfeita com o sucesso de audiência de suas produções, a Record lançou mão do seu segundo horário de novelas. Lauro César Muniz retornava à emissora, onde trabalhou nos anos 70, com Cidadão Brasileiro, que se iniciava às 20h15, tão logo Prova de Amor chegava ao fim. Era a história de Antônio Maciel (Gabriel Braga Nunes) ao longo de 30 anos de sua vida. Apaixonado por Luiza (Paloma Duarte), acaba se casando com Carolina (Carla Regina), enquanto sofre a influência nefasta da misteriosa Fausta (Lucélia Santos). A produção fora tumultuada, devido à saída de Flávio Colatrello Jr. (o mesmo que apagara o incêndio em Essas Mulheres) da direção. Mesmo assim, Cidadão Brasileiro se revelou uma grata surpresa. Adorava o envolvimento da professora Tereza (Luiza Tomé) com o jovem Marcelo (Bruno Ferrari), alvo do amor de sua filha Eleni (Maitê Pyragibe), jovem idealista que ingressaria na luta contra a ditadura; o romance do jornalista Homero Salles (Tuca Andrada) com Laís (Fernanda Muniz), esposa do todo-poderoso Atílio Salles Jordão (Floriano Peixoto); e a riquinha Renée (Danni Carlos), apaixonada por um perseguido político. Cenas marcantes ficaram na minha memória: Carolina tirando a calcinha e a jogando para Antônio, Celso (Leonardo Brício) e Emílio (Rubens Caribé) brigando em cima de uma canoa, o que resultou na morte do segundo; Lívia (Luiza Curvo) seduzindo o prefeito Laércio (Kito Junqueira) em um local ermo; o suicídio de Júlio (Cecil Thiré); e Manuela (Françoise Forton) matando o marido Otávio (Luiz Carlos Miéle) a pedido do próprio.


Ao lado de Cidadão Brasileiro, Bicho do Mato, substituta de Prova de Amor, formou uma dobradinha que me prendeu na tela da Record. Ao menos durante os primeiros meses da trama, quando o texto ainda estava sob o comando de Cristianne Fridman e Bosco Brasil. Trazendo as belezas do Pantanal, Bicho do Mato nos brindava com imagens belíssimas que adornavam o romance de Juba (André Bankoff) e Cecília (Renata Dominguez). Angelina Muniz, Beatriz Segall, Denise Del Vecchio, Regina Dourado, Ana Rosa, Jonas Bloch e Ana Beatriz Nogueira também figuravam no grande elenco que encabeçava a produção. Mas os números de audiência não responderam como previsto e Tiago Santiago fora chamado para intervir no texto, o que transformou a novela numa sucessão de cenas de ação e sofrimento, fazendo com que eu abandonasse a trama em seu terço final.


Alterações policialescas também comprometeriam de Alta Estação, única produção das 18h exibida na Record, em um tempo em que honraram a promessa de ter três horários de novelas, tal e qual a líder Globo. Com uma aura que lembrava Friends, Alta Estação nos trouxe o divertido casal Caio (Guilherme Boury) e Renata (Andréa Horta), responsáveis por eu me manter fiel à novela até o fim, já que as mudanças que trouxeram mais ação para a trama (seguindo a cartilha de Tiago Santiago) deturparam completamente a sinopse desenvolvida por Margareth Boury.

A violência serviria como chamariz de audiência para Vidas Opostas, de Marcílio Moraes, novela que substituiu Cidadão Brasileiro às 22h (último horário no qual a trama figurou). Dessa vez, contudo, diferentemente do que acontecera nas novelas anteriores, a violência estava inserida dentro de um contexto, já que a trama se passara numa favela e trazia em seu enredo a guerra entre traficantes, policiais e a sociedade. Vidas Opostas pode ser considerada com a mais trama de maior êxito da Record neste período, tamanha foi a sua repercussão, audiência e os prêmios que conquistara.


Ao contrário de Vidas Opostas, Luz do Sol, única novela de Ana Maria Moretzsohn na Record, passaria em brancas nuvens. A trama, demasiadamente lenta e insossa, não empolgou. O acerto foi a direção de Ivan Zettel, que nos brindou com belas sequências no início, quando a menina Drica (posteriormente vivida por Luma Costa) fora sequestrada. Luz do Sol ainda disputou audiência com o sucesso Paraíso Tropical, numa época em que a novela das 19h da Record, tamanha foram as suas mudanças de horário, era exibida às 21h.


As tramas posteriores das 21h e 22h trocariam de horário, confundindo e afugentando o público da Record. Caminhos do Coração, primeira trama de Tiago Santiago às 22h, fora um sucesso. Tornou-se febre entre o público infanto-juvenil, com sua história repleta de seres extraordinários, os mutantes. Os efeitos especiais dominavam a cena e comprometeriam seriamente o desenvolvimento da novela. Ainda assim, a audiência se manteve fiel e a Record usou a novela como arma para limar a estreia de A Favorita, na Globo.


No dia da tal estreia, Caminhos do Coração exibia seu último capítulo, em um horário diferente do que fora exibida e no qual suas próximas temporadas seriam veiculadas. Na vaga de Caminhos do Coração, às 22h, a Record encaixou Amor e Intrigas, então cartaz das 21h. A sinopse de Gisele Joras fora vencedora de um concurso que a Record promoveu na busca por novos roteiristas. Não emplacou logo de cara, mas arrebatou a audiência em seu terço final. A trama, no geral, apesar dos inúmeros clichês, se mostrou agradável. Destaque para Esther Góes, com a vilã Dorotéia, personagem à altura de seu talento. E para Jonas Bloch, o Camilo, que vivia a dor da perda de sua mulher, Marília, um sensível trabalho de Sylvia Bandeira.


Os Mutantes, que usava Caminhos do Coração como subtítulo, não teve a mesma sorte de Amor e Intrigas. Em novo horário, Tiago Santiago continuava dando amostras de sua fantasia desmedida. Os mutantes se proliferavam, a trama se arrastava diante de poucos apelos, e audiência começou a degringolar, se distanciando dos números que assustaram a Globo, que viu A Favorita capengar em seu início. Para apagar o incêndio, Os Mutantes daria lugar à Promessas de Amor, derradeira temporada da saga fantasiosa, que preteria os seres geneticamente modificados a favor do romantismo do casal vivido por Renata Dominguez e Luciano Szafir. Não vi absolutamente nada desta novela. Para mim, tratava-se da pá de terra definitiva sobre um produto que já havia chegado ao fim com o último capítulo de Caminhos do Coração. Nada mais havia a ser mostrado e a insistência da Record na trama provou que eu, e grande parte do público, estávamos certos. A novela provocou a saída de Tiago Santiago da emissora. E o início da parceria com a mexicana Televisa.


Textos mexicanos adaptados para a realidade brasileira não eram novidade na nossa TV. O SBT havia utilizado esse expediente por anos, tendo como parceira a mesma Televisa. Na Record, os produtos eram melhor acabados. Mas ainda assim, não passaram impassíveis de comparações com o original. Principalmente Bela, A Feia, cuja versão mexicana havia sido exibida recentemente no SBT, e a colombiana, que deu início a todas as outras, fez muito sucesso na Rede TV!. A bela que era feia, nesta versão, foi muito bem interpretada por Gisele Itiê. Mas quem se sobressaiu mesmo foi Bárbara Borges, como Elvira, a irmã brega de Bela, cujo bordão “Patê com pão” fora repetido tantas vezes que chegou a cansar. Assim como a novela, submetida a constantes espichamentos; dentre eles, o que a colocou como tapa-buraco ente o final de Poder Paralelo e o início de Ribeirão do Tempo, levando a Record a manter apenas um único horário de novelas.

Antes de Poder Paralelo, no entanto, pudemos conferir Chamas da Vida. Ótimo trabalho de Cristianne Fridman, a novela que focava no universo dos bombeiros usou de um dos signos da teledramaturgia da Record à exaustão: os capítulos de quarta, que costumam registrar maior audiência por competirem com o futebol, sempre eram preenchidos com atos heroicos dos bombeiros. Incêndios não faltaram nesta novela que trouxe a sanguinária Vilma como vilã, em um fantástico trabalho de criação de Lucinha Lins, tanto na fase em que ela atuava como incendiária, como quando fora descoberta a existência de um segundo incendiário, que a assombrava.


Chamas da Vida fora substituída por Poder Paralelo, segundo trabalho de Lauro César Muniz na emissora. Voltada para o mundo do narcotráfico, a novela seguiu a cartilha da Record e nos trouxe cenas de ação e violência. Mas Lauro sabe conduzir suas tramas com a maestria e impediu que as repetições levassem o público à exaustão. Um misterioso assassino executou diversos personagens na fase final, brindando o público com sequências de suspense e mistério. O único fator que jogou contra a trama: a insistência da Record em privilegiar a faixa de shows (e nos últimos tempos, a de jornalismo) em detrimento à teledramaturgia. Poder Paralelo chegou a entrar no ar próximo da meia-noite, o que impede o público de se fidelizar a uma novela.


Após o término desta e a tomada do horário por Bela, A Feia, a Record estrearia Ribeirão do Tempo, de Marcílio Moraes. O autor voltava a calcar sua história em uma crítica social, desta vez usando a cidade que dava título à novela como uma espécie de microcosmo do Brasil. Lá, políticos corruptos eram perseguidos por organizações cujo intento, embora parecesse honesto à princípio, era tomar o poder para continuar a manter tudo como está, ou até mesmo deixar as coisas ainda piores. O Professor Flores (Antônio Grassi) e o senador Nicolau (Heitor Martinez), que assumira o cargo após matar o próprio pai, de quem era suplente, dominaram a ação. Destaque também para Caio Junqueira, como o atrapalhado detetive Joca, e Taumaturgo Ferreira, o Querêncio, que, de bêbado, passa a prefeito da cidade após enriquecer.


A Record tornaria a investir em um segundo horário de novelas, enquanto Ribeirão do Tempo estava no ar. Às 19h30, no mesmo dia em que a Globo estreava Morde & Assopra, a emissora levava ao ar a sua segunda adaptação mexicana, Rebelde. O título já conhecido pelo público chegou a empolgar no início. Mas as repetitivas situações do texto de Margareth Boury, como os encontros sempre similares do professor Vicente (Eduardo Pires) e Becky (Lana Rhodes) acabaram afugentando o público (eu, inclusive). Ainda que sem história para contar, a Record decidiu dar sobrevida à novela, em uma segunda temporada. A situação se agravou e a derrota para Carrossel, do SBT, serviu para que o segundo horário fosse abandonado mais uma vez.


Mas a crise chegaria ao horário remanescente. Após Vidas em Jogo, substituta de Ribeirão do Tempo, a emissora não veria mais as suas novelas atingirem os dois dígitos. A novela de Cristianne Fridman se saiu bem na audiência, embora já demonstrasse o desgaste da fórmula marcada por perseguições e tiroteios e do excessivo número de capítulos (quase todas as tramas, a partir de Prova de Amor, passaram a terminar com mais de 200 capítulos).


Máscaras, a substituta, foi mal concebida por Lauro César Muniz. Esforços para salvar a trama não faltaram, incluindo até mesmo a substituição do diretor, Ignácio Coqueiro. Mas havia pouco a ser feito. A produção conturbada levou o elenco a se posicionar contra uma possível perseguição da imprensa. Com a trama em declínio, a Record apressou a produção de sua substituta, Balacobaco.


Embora tenha elevado ligeiramente os índices, Balacobaco foi um desperdício de tempo. Gisele Joras enveredou por um caminho perigoso: o da repetição. Todas as tramas e personagens vistos em sua novela já haviam figurado em seus dois trabalhos anteriores. Um colorido excessivo, que buscava lembrar os sucessos globais Cheias de Charme e Avenida Brasil, tornou a novela ainda mais desinteressante. Como solução, o número reduzido de capítulos, que seriam ainda mais reduzidos na produção seguinte.


Dona Xepa estreou com a missão de durar pouco mais de três meses. Sai do ar nesta terça, para dar lugar a Pecado Mortal. No tempo em que ficou no ar, não apresentou grandes feitos, mas também não fez feio. Gustavo Reiz soube conduzir os textos, embora todas as situações criadas para a novela ficassem melhor em um projeto levado ao ar mais cedo. Ângela Leal segurou muito bem sua Xepa e conquistou grandes momentos ao lado de seus dois filhos, Arthur Aguiar (Edson) e Thaís Fersoza (Rosália). Angelina Muniz também foi um destaque à parte como Pérola. A direção de Ivan Zettel, no entanto, continuou abusando de efeitos já vistos em Rebelde, que tornavam os capítulos engraçadinhos demais.



Quanto à Pecado Mortal, resta torcer pelo seu sucesso. O elenco é bom, o autor melhor ainda, e a direção de Alexandre Avancini promete boas sequências. Que tudo sejam flores nesta nova produção. A dramaturgia da Record e o mercado de trabalho para autores, diretores, técnicos e atores agradecem. O público, mais ainda!


Duh, muito obrigado pela solicitude. Texto excelente!
Duh Secco é fisioterapeuta. Atua na área, mas tem paixão mesmo é pelos roteiros. É colunista do blog Agora é Que São Eles, em parceria com Guilherme Staush. Sobre as novelas da Record, escreveu análises em seu blog, que você pode conferir logo abaixo.

Sobre Máscaras.
Sobre Rebelde.

3 comentários:

  1. Eu gostava bem mais da fase "esquecida" da Record. Louca Paixão, por exemplo, apesar de ter tido uma produção simples, foi muito melhor que algumas novelas recentes da emissora.
    Da retomada que se iniciou com A Escrava Isaura, eu só curti Essas Mulheres e Cidadão Brasileiro.

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  2. Acho que a novela do Lombardi vai fazer sucesso.

    Ricardo Amarante

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  3. Adorei. Eu não assisto muito as novelas da Record, por conta do hábito. Estudo a noite também e agora pego as últimas três partes da novela das 9 da Globo. Nunca ví tanta informação interessante num texto só. Texto fácil de ser compreendido. Adoro quando o blogueiro cita referências e comparações com as tramas Globais. Muito bom.

    Felipe Marques

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