sexta-feira, 19 de julho de 2013

Bráulio Pedroso – um autor pouco lembrado [Parte 1]


Por Guilherme Fernandes

A qualidade dos autores que fazem nossa teledramaturgia é imensa. Este post é sobre Bráulio Pedroso, mas poderia ser sobre Dias Gomes, Cassiano Gabus Medes, Jorge Andrade, Janete Clair, Walter Durst, entre tantos outros.
Bráulio Pedroso, antes de sua estreia em televisão (1968) já era um reconhecido dramaturgo no teatro. Contudo, irei me deter ao seu trabalho na TV – que, inclusive, é pouco considerado em trabalhos biográficos do autor.
Tudo começou quando Cassiano Gabus Medes, na TV Tupi de São Paulo, cansado da falta de realismo brasileiro e do maniqueísmo melodramático das nossas telenovelas (e também preocupado com as quedas de audiência da emissora), pensou que só um autor vindo de fora (sem vícios televisivos) poderia “revolucionar o gênero”.
Foi o próprio Cassiano quem deu a Bráulio a sinopse da trama. Assim como Macunaíma – o (anti) herói brasileiro – de Mário de Andrade, o personagem principal deve ter uma personalidade dúbia, deve transitar entre dois mundos, adotar uma linguagem coloquial, próprio das conversas do dia-a-dia do povo brasileiro. Foi assim, e com liberdade total, que Bráulio deu vida a Beto Rockfeller.


É sempre bom ressaltar que embora “Beto Rockfeller” tenha de fato revolucionado o gênero, outras novelas anteriores, na própria Tupi como também na Excelsior, já fugiam do esquema maniqueísta (em que valores éticos são altamente definidos e antagônicos). Os exemplos principais são as telenovelas: “Ninguém crê em mim” (Lauro César Muniz, 1966, TV Excelsior), “Os Rebeldes” (Geraldo Vietri, 1967, TV Tupi SP), “Os Tigres” (Marcos Rey, 1968, TV Excelsior) e, especialmente, “Antônio Maria” (Geraldo Vietri e Walter Negrão, 1968, TV Tupi SP).
Todas essas quatro tramas se propuseram a trazer modificações na linguagem (antes muito rebuscada, como nos romances clássicos) como também na temática (enredos mais próximos à realidade brasileira). Contudo, foi na trama de Bráulio Pedroso que todos esses elementos juntos ganharam forma. A telenovela, tal qual conhecemos hoje, segue o modelo traçado em Beto Rockfeller.
Dirigida por Lima Duarte, a história era centrada na dupla vida do personagem-título. Beto (Luiz Gustavo) era na verdade um pobretão da Rua Teodoro Sampaio. Trabalhava em uma pequena loja de calçados e namorava a humilde Cida (Ana Rosa). Como ele queria enriquecer sem muitos esforços, se passava por um grã-fino da Rua Augusta, quando começar a namorar a sofisticada Lu (Débora Duarte). O maniqueísmo que antes dos mocinhos com os vilões, agora está presente em um único personagem. Foi a primeira vez que um protagonista tinha características dúbias. Ao mesmo tempo em que ele amava e queria ficar com Cida, o sonho de se tornar rico o fazia ficar cada vez mais próximo a Lu. Beto faz de tudo para que sua origem não seja descoberta. A grã-fina (decadente) Renata (Bete Mendes) é a primeira a saber de toda a verdade. E, no fim das contas, é com Renata que Beto fica.
Além da linguagem, temática e da própria interpretação dos atores (de forma mais natural possível), outra inovação da trama foi a trilha sonora. Inclusive, por causa do elevado número de capítulos (220), o autor teve de ser afastado da trama por estafa. Um dos recursos empregados, que até hoje fazem parte das tramas, foi o de deixar personagens andando a esmo ao som de alguma música. Foi assim que “Sentada a Beira do Caminho” de Erasmo e Roberto Carlos ganhou o coração dos brasileiros. O repertório internacional também foi valorizado, com músicas dos Beatles e Bee Gees. O sucesso foi tanto que a telenovela virou filme (1970) e depois teve uma continuação (A volta de Beto Rockfeller - 1973), sempre com Luiz Gustavo no papel principal.
O sucesso de Beto Rockfeller transformou a linguagem da telenovela e a partir de então as tramas da Tupi e da Excelsior passaram a trabalhar com temas mais próximos à nossa realidade, com a interpretação mais natural dos atores e com uma linguagem mais coloquial. Na Vênus platinada, contudo, somente em 1969, com “Véu de noiva” de Janete Clair – “a novela verdade”, é que a radicalização proposta por Bráulio ganhou eco. Tal afirmação, contudo, não pode ser encarada como uma máxima. Sabemos que a direção de dramaturgia da TV Globo nesta época era ocupada por Glória Magadan que acreditava que o cenário brasileiro não renderia uma boa trama. Inclusive, Dias Gomes chegou a afirmar que nem ele e nem Janete foram influenciados pela novela de Pedroso. Disse que somente puderam escrever tramas realistas após a saída de Magadan da emissora carioca. Se houve influência ou não, o que importa é que foi a trama de Bráulio (juntamente com a ousadia e a experiência de Cassiano Gabus Mendes e Lima Duarte) quem transformou o gênero e trouxe a telenovela mais próxima ao gosto brasileiro.


Ainda na Tupi e com parte do elenco de Beto (Bete Mendes, Irene Ravache, Ana Rosa, etc), Bráulio apresenta “Super Plá” (1969). Embora a telenovela não tenha sido um sucesso, outra renovação foi apresentada. “Super Plá” era ao mesmo tempo uma novela infantil e adulta. Poderia ser assistida (e entendida) por pessoas dos mais distintos graus de escolaridade.  Se até hoje a telenovela é dita por muitos como um produto cultural menor (que o teatro e o cinema, por exemplo), naquela época as pessoas tinham até vergonha em admitir que assistissem. “Super Plá” misturava cinema, teatro e história de quadrinhos. Havia personagens inspirados tanto em Tio Patinhas (Jonas Jazão – Jofre Soares) como na personagem de Virginia Cherrill (a florista cega) do filme “Luzes da Cidade” de Chaplin – a Titina vivida por Bete Mendes. 

O não sucesso fez com que Bráulio fosse afastado da trama, sendo assumida por Marcos Rey.  O enredo era centrado tanto na história de Plácido (Rodrigo Santiago) que era super inteligente quando criança, mas após um tombo perde a inteligência – sendo recuperada após tomar o refrigerante “Super Plá” (algo similar ao marinheiro Popeye que ganha forças ao comer espinafre) como no romance entre Baby Stompanato (Hélio Souto) e Joana Martini (Marília Pêra) [que inclusive, ao término da trama, viraram personagens de um espetáculo de Pedroso – A vida escrachada de Joana Martini & Baby Stompanato]. Ele um traficante bonachão e ela uma ex-vedete do teatro de revista da Praça Tiradentes (RJ).

Bráulio saiu da Tupi e foi para a Globo para juntar-se ao time dos escritores do horário das 22h. Faixa esta que permitiu inovações estéticas e temáticas. Além de Bráulio, Dias Gomes, Walter Durst e Jorge Andrade escreviam novelas das 22h. “O Cafona” (1971) foi sua estreia. Está trama foi marcada pelo deboche com a alta sociedade, tema caro às obras de Pedroso. O cafona em questão era Gilberto (Francisco Cuoco) que se transformou em um milionário quando seu comércio no subúrbio se transformou em uma rede de supermercados. Assim, a elite falida buscava sua amizade. A exemplo do decadente Fred (Paulo Gracindo) que o tenta fazer apaixonar-se por sua filha Malu (Renata Sorrah). O coração de Gilberto também foi disputado pela milionária Beatriz (Tônia Carrero) e pela sua secretária Shirley Sexy (Marília Pera). Outra parte da trama focava as aventuras dos jovens cineastas Rogério (Carlos Vereza), Cacá (Osmar Prado), Julinho (Marcos Nanini) e Lúcia (Djenane Machado), liderados pelo guru das praias cariocas, o Profeta (Ary Fontoura). A história foi fortemente inspirada na sociedade carioca. Foi a primeira vez que a emissora utilizou a expressão “qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas e com fatos reais terá sido mera coincidência”. A cantora Maysa participou da trama, vivendo a Simone (um quase alter-ego). Os nomes dos cineastas remetem aos diretores Cacá Diegues, Rogério Sganzerla e Júlio Bressame. O filme que eles iriam produzir, estrelado por Shirley Sexy, era denominado de “Matou o marido e prevaricou com o cadáver” livre inspiração no filme de Júlio Bressame “Matou a família e foi ao cinema”. A cena clássica da trama foi Gilberto bebendo a lavanda em um jantar de milionários.


A comédia que deu o tom de “O Cafona” foi transformada em deboche (quase ao nível de pastelão) em “O Bofe” (1972). De certa forma, Bráulio trouxe uma inovação na linguagem escrachada e em cenas cômico-irreais. Novamente a alta sociedade foi usada como pano de fundo. Os personagens eram uma radicalização ao estereótipo. A mocinha da trama era Guiomar (Betty Faria) que sai do subúrbio para Copacabana com o intuito de arranjar um namorado rico, acaba se envolvendo com um mecânico – Dorival (Jardel Filho). A novela ainda contava com uma dama da sociedade que era também jurada da “Buzina do Chacrinha”, trata-se da Suzana (Ilka Soares). Havia também uma senhora extremamente católica que se apaixona por um falso padre – Carlota (Zilka Salaberry) e Inocêncio (Paulo Gonçalves). O escracho ficou por conta de Bandeira (José Wilker) que morreu de tanto rir e da Tia Stanislava (Ziembinski, travestido) que se embebedava de xarope e sonhava com um príncipe trapezista. Eloísa Mafalda era Gonzaguinha, uma macumbeira e Cláudio Marzo um artista plástico. O público, desacostumado com tanta audácia, não gostou da trama e Bráulio foi substituído por Lauro César Muniz.


Bráulio então retorna a Tupi para escrever “A volta de Beto Rockfeller” que não alcançou o sucesso esperado. De volta a Globo, o autor foi convidado para adaptar o romance “Gabriela, cravo e canela” de Jorge Amado. Contudo, o tempo para produção seria muito curto e optaram por uma trama original que não demandariam tantos esforços na produção de cenário. Foi então que Bráulio propôs e realizou “O Rebu” (1974). “Gabriela” passaria a ser adaptado por Walter Durst e estreou após “O Rebu”.  


“O Rebu” é de fato a maior ousadia de Pedroso e também a maior realizada em nossa dramaturgia. E, novamente, outro fracasso em termos de audiência. Inclusive, o autor chegou a afirmar em entrevistas posteriores que era muito lembrado graças ao sucesso de “Beto Rockfeller”, mas preferia ser reconhecido como o autor de “O Rebu”.
O grosso da trama aconteceu em apenas uma noite. Sim, o 112 capítulos de “O Rebu” teve como cenário a mansão de Conrad Mahler (Ziembinski) em uma festa dada por ele para recepcionar uma princesa italiana – Olimpia Buoncompagni (Marília Branco). A trama, contudo, começa com um corpo boiando na piscina da mansão e a chegada dos policiais, entre eles o delegado Xavier (Edson França), para tentar descobrir o que sucedera. Os primeiros 50 capítulos, então, foram dedicados para saber quem havia morrido. A cada pessoa interrogada pelos policiais, no dia anterior à festa – o segundo tempo narrativo – o espectador sabia que não era esta pessoa que havia morrido. O capítulo 51 nos revelou, através de um close subaquático, que a vítima era a ambiciosa Sílvia (Bete Mendes). Até o capítulo 93 a ação foi focada em quem (e o porquê) matou Sílvia? Além dos inúmeros diálogos decorridos na festa, cenas de flash-black foram usadas para sabermos um pouco mais sobre o personagem. O assassino foi Mahler.
Em um jogo de Polo sobre o cavalo, dois anos antes da festa, Mahler conhece Cauê. Um jovem que havia sofrido um acidente no referido jogo. A pedido de Kiko (Rodrigo Santiago), amigo de Cauê e conhecido de Mahler, o magnata leva o garoto para se recuperar em sua mansão. O que deveria ser provisório virou permanente. Kiko e Cauê planejavam um golpe em Mahler, uma vez que ele não tinha herdeiros. Cauê, à sua maneira, passa a nutrir um forte sentimento pelo velho. Mahler estava disposto a fazer de Cauê seu único herdeiro. Uma clara relação homossexual que foi desenvolvida nas entrelinhas.
Contudo, Cauê apaixona-se por Sílvia. Mahler, a “raposa velha”, percebendo que esse romance o afastara de Cauê, tenta fazê-lo esquecer a ambiciosa garota. Inclusive, ela não foi convidada para a referida festa. Sílvia, em um de seus golpes, consegue o convite com Álvaro (Mauro Mendonça), advogado de Mahler. Mal sabia ela que a festa mudaria de fez seu destino.

No próximo post, terminarei a história de “O Rebu” e continuarei com outras criações de Bráulio, como “Feijão Maravilha”, “O Pulo do Gato” e “Parabéns pra você”.


Confira a parte 2.


Vídeos (you tube): Canal Memória
Memória da TV 

2 comentários:

  1. Bom texto sobre o autor Bráulio Pedroso...Lembro da novela Feijão Maravilha, uma espécie de chanchada bem brasileira, exibida na TV Globo, em 1979...

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  2. Ótimo acessar o blog e encontrar esse resgate histórico. Bráulio Pedroso é pouco lembrado, mas deixou obras interessantes. Eu gostaria que esse autor fosse revisitado, seria muito bom! Será que "O rebu" sai do papel um dia?
    www.cascudeando.zip.net

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