Por Guilherme Fernandes
A
qualidade dos autores que fazem nossa teledramaturgia é imensa. Este post é
sobre Bráulio Pedroso, mas poderia ser sobre Dias Gomes, Cassiano Gabus Medes, Jorge
Andrade, Janete Clair, Walter Durst, entre tantos outros.
Bráulio
Pedroso, antes de sua estreia em televisão (1968) já era um reconhecido
dramaturgo no teatro. Contudo, irei me deter ao seu trabalho na TV – que,
inclusive, é pouco considerado em trabalhos biográficos do autor.
Tudo
começou quando Cassiano Gabus Medes, na TV Tupi de São Paulo, cansado da falta
de realismo brasileiro e do maniqueísmo melodramático das nossas telenovelas (e
também preocupado com as quedas de audiência da emissora), pensou que só um
autor vindo de fora (sem vícios televisivos) poderia “revolucionar o gênero”.
Foi
o próprio Cassiano quem deu a Bráulio a sinopse da trama. Assim como Macunaíma
– o (anti) herói brasileiro – de Mário de Andrade, o personagem principal deve
ter uma personalidade dúbia, deve transitar entre dois mundos, adotar uma
linguagem coloquial, próprio das conversas do dia-a-dia do povo brasileiro. Foi
assim, e com liberdade total, que Bráulio deu vida a Beto Rockfeller.
É
sempre bom ressaltar que embora “Beto Rockfeller” tenha de fato revolucionado o
gênero, outras novelas anteriores, na própria Tupi como também na Excelsior, já
fugiam do esquema maniqueísta (em que valores éticos são altamente definidos e
antagônicos). Os exemplos principais são as telenovelas: “Ninguém crê em mim”
(Lauro César Muniz, 1966, TV Excelsior), “Os Rebeldes” (Geraldo Vietri, 1967, TV
Tupi SP), “Os Tigres” (Marcos Rey, 1968, TV Excelsior) e, especialmente,
“Antônio Maria” (Geraldo Vietri e Walter Negrão, 1968, TV Tupi SP).
Todas
essas quatro tramas se propuseram a trazer modificações na linguagem (antes
muito rebuscada, como nos romances clássicos) como também na temática (enredos
mais próximos à realidade brasileira). Contudo, foi na trama de Bráulio Pedroso
que todos esses elementos juntos ganharam forma. A telenovela, tal qual
conhecemos hoje, segue o modelo traçado em Beto Rockfeller.
Dirigida
por Lima Duarte, a história era centrada na dupla vida do personagem-título.
Beto (Luiz Gustavo) era na verdade um pobretão da Rua Teodoro Sampaio.
Trabalhava em uma pequena loja de calçados e namorava a humilde Cida (Ana
Rosa). Como ele queria enriquecer sem muitos esforços, se passava por um
grã-fino da Rua Augusta, quando começar a namorar a sofisticada Lu (Débora
Duarte). O maniqueísmo que antes dos mocinhos com os vilões, agora está
presente em um único personagem. Foi a primeira vez que um protagonista tinha
características dúbias. Ao mesmo tempo em que ele amava e queria ficar com
Cida, o sonho de se tornar rico o fazia ficar cada vez mais próximo a Lu. Beto
faz de tudo para que sua origem não seja descoberta. A grã-fina (decadente)
Renata (Bete Mendes) é a primeira a saber de toda a verdade. E, no fim das
contas, é com Renata que Beto fica.
Além
da linguagem, temática e da própria interpretação dos atores (de forma mais
natural possível), outra inovação da trama foi a trilha sonora. Inclusive, por
causa do elevado número de capítulos (220), o autor teve de ser afastado da
trama por estafa. Um dos recursos empregados, que até hoje fazem parte das
tramas, foi o de deixar personagens andando a esmo ao som de alguma música. Foi
assim que “Sentada a Beira do Caminho” de Erasmo e Roberto Carlos ganhou o
coração dos brasileiros. O repertório internacional também foi valorizado, com
músicas dos Beatles e Bee Gees. O sucesso foi tanto que a telenovela virou
filme (1970) e depois teve uma continuação (A volta de Beto Rockfeller - 1973),
sempre com Luiz Gustavo no papel principal.
O
sucesso de Beto Rockfeller transformou a linguagem da telenovela e a partir de
então as tramas da Tupi e da Excelsior passaram a trabalhar com temas mais
próximos à nossa realidade, com a interpretação mais natural dos atores e com
uma linguagem mais coloquial. Na Vênus platinada, contudo, somente em 1969, com
“Véu de noiva” de Janete Clair – “a novela verdade”, é que a radicalização
proposta por Bráulio ganhou eco. Tal afirmação, contudo, não pode ser encarada
como uma máxima. Sabemos que a direção de dramaturgia da TV Globo nesta época
era ocupada por Glória Magadan que acreditava que o cenário brasileiro não renderia
uma boa trama. Inclusive, Dias Gomes chegou a afirmar que nem ele e nem Janete
foram influenciados pela novela de Pedroso. Disse que somente puderam escrever
tramas realistas após a saída de Magadan da emissora carioca. Se houve
influência ou não, o que importa é que foi a trama de Bráulio (juntamente com a
ousadia e a experiência de Cassiano Gabus Mendes e Lima Duarte) quem
transformou o gênero e trouxe a telenovela mais próxima ao gosto brasileiro.
Ainda
na Tupi e com parte do elenco de Beto (Bete Mendes, Irene Ravache, Ana Rosa,
etc), Bráulio apresenta “Super Plá” (1969). Embora a telenovela não tenha sido
um sucesso, outra renovação foi apresentada. “Super Plá” era ao mesmo tempo uma
novela infantil e adulta. Poderia ser assistida (e entendida) por pessoas dos
mais distintos graus de escolaridade. Se
até hoje a telenovela é dita por muitos como um produto cultural menor (que o
teatro e o cinema, por exemplo), naquela época as pessoas tinham até vergonha
em admitir que assistissem. “Super Plá” misturava cinema, teatro e história de
quadrinhos. Havia personagens inspirados tanto em Tio Patinhas (Jonas Jazão –
Jofre Soares) como na personagem de Virginia Cherrill (a florista cega) do
filme “Luzes da Cidade” de Chaplin – a Titina vivida por Bete Mendes.
O não
sucesso fez com que Bráulio fosse afastado da trama, sendo assumida por Marcos
Rey. O enredo era centrado tanto na
história de Plácido (Rodrigo Santiago) que era super inteligente quando criança,
mas após um tombo perde a inteligência – sendo recuperada após tomar o
refrigerante “Super Plá” (algo similar ao marinheiro Popeye que ganha forças ao
comer espinafre) como no romance entre Baby Stompanato (Hélio Souto) e Joana
Martini (Marília Pêra) [que inclusive, ao término da trama, viraram personagens
de um espetáculo de Pedroso – A vida escrachada de Joana Martini & Baby
Stompanato]. Ele um traficante bonachão e ela uma ex-vedete do teatro de
revista da Praça Tiradentes (RJ).
Bráulio
saiu da Tupi e foi para a Globo para juntar-se ao time dos escritores do
horário das 22h. Faixa esta que permitiu inovações estéticas e temáticas. Além
de Bráulio, Dias Gomes, Walter Durst e Jorge Andrade escreviam novelas das 22h.
“O Cafona” (1971) foi sua estreia. Está trama foi marcada pelo deboche com a
alta sociedade, tema caro às obras de Pedroso. O cafona em questão era Gilberto
(Francisco Cuoco) que se transformou em um milionário quando seu comércio no
subúrbio se transformou em uma rede de supermercados. Assim, a elite falida
buscava sua amizade. A exemplo do decadente Fred (Paulo Gracindo) que o tenta
fazer apaixonar-se por sua filha Malu (Renata Sorrah). O coração de Gilberto
também foi disputado pela milionária Beatriz (Tônia Carrero) e pela sua
secretária Shirley Sexy (Marília Pera). Outra parte da trama focava as
aventuras dos jovens cineastas Rogério (Carlos Vereza), Cacá (Osmar Prado),
Julinho (Marcos Nanini) e Lúcia (Djenane Machado), liderados pelo guru das
praias cariocas, o Profeta (Ary Fontoura). A história foi fortemente inspirada
na sociedade carioca. Foi a primeira vez que a emissora utilizou a expressão
“qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas e com fatos reais terá sido
mera coincidência”. A cantora Maysa participou da trama, vivendo a Simone (um
quase alter-ego). Os nomes dos cineastas remetem aos diretores Cacá Diegues,
Rogério Sganzerla e Júlio Bressame. O filme que eles iriam produzir, estrelado
por Shirley Sexy, era denominado de “Matou o marido e prevaricou com o cadáver”
livre inspiração no filme de Júlio Bressame “Matou a família e foi ao cinema”.
A cena clássica da trama foi Gilberto bebendo a lavanda em um jantar de
milionários.
A
comédia que deu o tom de “O Cafona” foi transformada em deboche (quase ao nível
de pastelão) em “O Bofe” (1972). De certa forma, Bráulio trouxe uma inovação na
linguagem escrachada e em cenas cômico-irreais. Novamente a alta sociedade foi
usada como pano de fundo. Os personagens eram uma radicalização ao estereótipo.
A mocinha da trama era Guiomar (Betty Faria) que sai do subúrbio para
Copacabana com o intuito de arranjar um namorado rico, acaba se envolvendo com um
mecânico – Dorival (Jardel Filho). A novela ainda contava com uma dama da
sociedade que era também jurada da “Buzina do Chacrinha”, trata-se da Suzana
(Ilka Soares). Havia também uma senhora extremamente católica que se apaixona
por um falso padre – Carlota (Zilka Salaberry) e Inocêncio (Paulo Gonçalves). O
escracho ficou por conta de Bandeira (José Wilker) que morreu de tanto rir e da
Tia Stanislava (Ziembinski, travestido) que se embebedava de xarope e sonhava
com um príncipe trapezista. Eloísa Mafalda era Gonzaguinha, uma macumbeira e Cláudio
Marzo um artista plástico. O público, desacostumado com tanta audácia, não
gostou da trama e Bráulio foi substituído por Lauro César Muniz.
Bráulio
então retorna a Tupi para escrever “A volta de Beto Rockfeller” que não alcançou
o sucesso esperado. De volta a Globo, o autor foi convidado para adaptar o
romance “Gabriela, cravo e canela” de Jorge Amado. Contudo, o tempo para
produção seria muito curto e optaram por uma trama original que não demandariam
tantos esforços na produção de cenário. Foi então que Bráulio propôs e realizou
“O Rebu” (1974). “Gabriela” passaria a ser adaptado por Walter Durst e estreou
após “O Rebu”.
“O
Rebu” é de fato a maior ousadia de Pedroso e também a maior realizada em nossa
dramaturgia. E, novamente, outro fracasso em termos de audiência. Inclusive, o
autor chegou a afirmar em entrevistas posteriores que era muito lembrado graças
ao sucesso de “Beto Rockfeller”, mas preferia ser reconhecido como o autor de
“O Rebu”.
O
grosso da trama aconteceu em apenas uma noite. Sim, o 112 capítulos de “O Rebu”
teve como cenário a mansão de Conrad Mahler (Ziembinski) em uma festa dada por
ele para recepcionar uma princesa italiana – Olimpia Buoncompagni (Marília
Branco). A trama, contudo, começa com um corpo boiando na piscina da mansão e a
chegada dos policiais, entre eles o delegado Xavier (Edson França), para tentar
descobrir o que sucedera. Os primeiros 50 capítulos, então, foram dedicados para
saber quem havia morrido. A cada pessoa interrogada pelos policiais, no dia
anterior à festa – o segundo tempo narrativo – o espectador sabia que não era
esta pessoa que havia morrido. O capítulo 51 nos revelou, através de um close
subaquático, que a vítima era a ambiciosa Sílvia (Bete Mendes). Até o capítulo
93 a ação foi focada em quem (e o porquê) matou Sílvia? Além dos inúmeros
diálogos decorridos na festa, cenas de flash-black foram usadas para sabermos
um pouco mais sobre o personagem. O assassino foi Mahler.
Em
um jogo de Polo sobre o cavalo, dois anos antes da festa, Mahler conhece Cauê.
Um jovem que havia sofrido um acidente no referido jogo. A pedido de Kiko
(Rodrigo Santiago), amigo de Cauê e conhecido de Mahler, o magnata leva o
garoto para se recuperar em sua mansão. O que deveria ser provisório virou
permanente. Kiko e Cauê planejavam um golpe em Mahler, uma vez que ele não
tinha herdeiros. Cauê, à sua maneira, passa a nutrir um forte sentimento pelo
velho. Mahler estava disposto a fazer de Cauê seu único herdeiro. Uma clara
relação homossexual que foi desenvolvida nas entrelinhas.
Contudo,
Cauê apaixona-se por Sílvia. Mahler, a “raposa velha”, percebendo que esse
romance o afastara de Cauê, tenta fazê-lo esquecer a ambiciosa garota. Inclusive,
ela não foi convidada para a referida festa. Sílvia, em um de seus golpes,
consegue o convite com Álvaro (Mauro Mendonça), advogado de Mahler. Mal sabia
ela que a festa mudaria de fez seu destino.
No
próximo post, terminarei a história de “O Rebu” e continuarei com outras
criações de Bráulio, como “Feijão Maravilha”, “O Pulo do Gato” e “Parabéns pra
você”.
Confira a parte 2.
Vídeos (you tube): Canal Memória
Memória da TV
Bom texto sobre o autor Bráulio Pedroso...Lembro da novela Feijão Maravilha, uma espécie de chanchada bem brasileira, exibida na TV Globo, em 1979...
ResponderExcluirÓtimo acessar o blog e encontrar esse resgate histórico. Bráulio Pedroso é pouco lembrado, mas deixou obras interessantes. Eu gostaria que esse autor fosse revisitado, seria muito bom! Será que "O rebu" sai do papel um dia?
ResponderExcluirwww.cascudeando.zip.net