EI, JÚLIA
CAPÍTULO 1
WEB NOVELA DE
ISAAC SANTOS
ESCRITA COM A COLABORAÇÃO DE:
ALEX SPINOLA
LEANDRO BRASIL
RAFAEL BARBOSA
RAUL FELIPE SENNGER
CENA
1. ENTRE SERTÕES. EXT. DIA
É domingo. O sol já
nasce firme na fictícia Entre Sertões. Surge a legenda: Entre Sertões - Interior da Bahia. Com a música “Acontecência”, de Cláudio Nucci, de fundo,
vemos takes de diferentes pontos da pequena cidade: começando pela praça matriz,
passando por um terreno baldio limpo, onde vemos alguns rapazes jogando futebol.
Eles param e dão passagem a uma moça negra, bonita, trazendo consigo uma bíblia
numa das mãos, e arrumada como uma típica evangélica, que está cortando caminho
por ali. CAM a acompanha por algumas ruas. A moça chega a seu destino. CAM
fecha na fachada da casa de Júlia. Corta
para
CENA
2. CASA DE JÚLIA. COZINHA. INT. DIA
Abre no vapor do café
que está sendo coado. CAM recua devagar e nos mostra Amélia (57), senhora de
aparência sofrida, que expõe mais do que a idade que tem.
ROSA
MARIA - (off) Hum! Café cheiroso!
Vemos o susto de
Amélia do ponto de vista de Rosa, que a observa da porta que dá pro quintal.
AMÉLIA - (ri) Menina do céu!
CAM revela que Rosa
Maria (17) é a moça que acompanhamos na cena 1.
ROSA
MARIA - O portão tava aberto, eu/
AMÉLIA
- (corta) Oxente, tú é de casa,
minha filha!
ROSA
MARIA - E o Seu Justiniano, como é que tá?
AMÉLIA - Zanzou aí pelo quintal, deu comida pros
passarinhos e pras galinhas, depois saiu. Deve ter ido pra feirinha.
ROSA
MARIA - E a Júlia, já acordou?
AMÉLIA - Eu tive no quarto nesse instante,
chamei, até abri um pouquinho a janela, mas nada dela acordar.
ROSA
MARIA - O líder da mocidade escolheu a gente pra dirigir a inspiração dominical
de hoje. Combinamos de ir juntas.
AMÉLIA - Eu vou botar um cuscuz no fogo já,
já. Toma café com a gente?
ROSA
MARIA - Eu não sinto fome de manhã cedo,
irmã Amélia. Obrigado!
AMÉLIA - Vai lá ver se ela acorda! Corta para:
CENA
3. CASA/QUARTO DE JÚLIA. INT. DIA
CAM explora o quarto
tomado pelas frestas de sol. Os poucos móveis e objetos evidenciam um modo de
vida simples: um pequeno guarda-roupa de duas portas, um caixote de madeira com
uma pilha de livros sobrepostos e uma cama de solteira. Vemos Júlia (17), pele
clara, cabelos pretos, longos e lisos. Ela está dormindo, abraçada em Tico, seu
cachorrinho de estimação, coberta por um fino e quase transparente lençol
branco, que revela o seu corpo nu. Música “Vitoriosa”, de Ivan Lins, de fundo. A
porta é aberta por Rosa Maria, que entra e se coloca ao lado da cama, com expressão
de apaixonada. Close de Júlia dormindo suavemente e fusão:
CENA
4. ENTRE SERTÕES. STOCK-SHOTS. EXT. DIA
Imagens da cidade,
terminando na fachada da Igreja Evangélica Assembleia do Senhor. Corta para:
CENA
5. IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DO SENHOR. INT. DIA
Numa panorâmica,
vemos tratar-se de uma igreja de poucos recursos. Não há ostentação. Membros
vestidos modestamente. Clima de regozijo e harmonia entre os presentes. Júlia e
Rosa Maria, responsáveis pela apresentação do culto matutino que antecede a
escola bíblica dominical, estão sentadas nas cadeiras do púlpito. O pastor
ainda não chegou, sendo representado pelo seu adjunto, que também está no
púlpito. Ouvimos parte da música “Quero que valorize”, de Armando Filho,
cantada por um quarteto de jovens. Corte
descontínuo: Júlia está de pé, falando aos fiéis (ao microfone/fora de
áudio). Do ponto de vista dos que estão no púlpito, vemos a reverência dos
fiéis, contrastada por algumas crianças que conversam entre si. Corta para:
CENA
6. CASA/QUINTAL/COZINHA/QUARTO DE JÚLIA. EXT/INT. DIA
Sol a pino. Amélia
está lavando roupas no tanque. Há algumas já estendidas no varal. Júlia
aparece, vinda do beco.
JÚLIA - Cheguei, mainha! Vou trocar de
roupa e venho ajudar a senhora.
AMÉLIA - Então vai passando aquelas roupas,
lá na área de serviço. Dona Lourdes vem buscar hoje de tarde.
JÚLIA - Irmã Conceição mandou a paz do
Senhor pra senhora.
AMÉLIA - Eu quero ir pro culto da noite. Ó,
o Danilinho tá aí.
CAM segue Júlia pela
cozinha. Ela para e dá um beijo no cangote do pai, Justiniano (63), que prepara
o almoço, entre uma golada e outra na latinha de cerveja.
JÚLIA - Benção, painho! (destampando
uma panela) Tá fazendo o quê de gostoso?
JUSTINIANO - (tapinha na mão de Júlia) Vá lavar a mão, mocinha!
(ela ri) Tô fazendo um cozido de carneiro.
JÚLIA - Não vejo a hora de o senhor
mudar aquela pia dali do quintal, lá pra área de serviço. É muito sol na cabeça
da gente!
Júlia segue pro
quarto. Abre a porta, entra e a encosta novamente. Sorri pra Danilo (17), seu
sobrinho, que está brincando com Tico na cama. Tico logo se assanha ao ver
Júlia. Do ponto de vista de Danilo, vemos Júlia se despindo, pegando saia e
blusa no guarda-roupa e se vestindo novamente.
JÚLIA - E aí, moço?
DANILO - Benção, minha tia!
JÚLIA - Ai, me sinto uma velha! (os
dois riem) Como é que tá o povo lá?
DANILO
- Na mesma: painho continua
sendo um estúpido comigo e com mainha.
JÚLIA
- Tenta relevar. O teu pai
sempre foi assim, Danilinho. Se deixar, o Osvaldo quer mandar até em painho e
mainha.
Júlia se aproxima da
cama e pega Tico no colo. Carinho entre eles!
DANILO - Tem hora que me dá vontade de sair
pelo mundo!
JÚLIA - E deixar pra trás todo mundo
que te ama?
DANILO - Fosse pela vontade de painho eu
teria nascido outra pessoa. (T) Ou nem teria nascido, tia!
JÚLIA - Vem cá, dá um abraço e um beijo
na tia. Sabe que eu te “lovo” muito, né? (ambos riem) Corta para:
CENA
7. BOTECO CAI DURO. EXT. DIA
Plano de localização
do boteco. Corta para:
CENA
8. BOTECO CAI DURO. INT/EXT. DIA
Abre numa bandeja com
porções de feijão tropeiro, arroz, farofa de cenoura, salada vinagrete, trazida
por Zoraide (33) e servida numa das mesas de dentro, que estão lotadas.
ZORAIDE - A carne já, já tá chegando, pessoal!
Osvaldo (40) vem
chegando com um espeto de carne suculenta e começa a servir.
OSVALDO - Essa é da boa!
CLIENTE - Traz mais duas cervejas, por favor!
OSVALDO - Mais duas cervejas aqui, ó!
Aqui o áudio vai
sendo abafado pela música “Isso aqui tá bom demais”, de Dominguinhos e Chico
Buarque. CAM vai se afastando aos poucos. Vemos Osvaldo, Zoraide e dois
rapazinhos se desdobrando pra dar conta dos pedidos. Chegam mais alguns clientes
e começam a ocupar as demais mesas, dispostas no passeio. Corte descontínuo: O ambiente aos poucos vai sendo
esvaziado. Osvaldo se aproxima de Zoraide, que está limpando uma mesa que acaba
de ser desocupada.
OSVALDO - (resmunga) E seu filhinho até agora,
hein?
ZORAIDE - (discreta) Ele disse que ia na casa
dos avós, Osvaldo. Tú quer que o menino viva enfurnado aqui? Já basta a gente!
Osvaldo controla a
raiva. Do ponto de vista de Zoraide, vemos um homem sentando numa das mesas na
calçada.
ZORAIDE - (off) Olha lá o Zito, Osvaldo! Que
milagre é esse?
OSVALDO - Deixa que eu atendo. Continua aí seu
serviço!
Corte
descontínuo: TV ligada numa partida de futebol. Zoraide
está no caixa, os dois ajudantes estão almoçando, sentados numa mesa à parte.
Somente alguns poucos clientes tomando cerveja na parte de dentro. Sentados
numa mesa do lado de fora, estão Zito e Osvaldo. Conversa já no meio.
ZITO - Olha, Osvaldo, tú deve se
lembrar da Fernanda, minha falecida esposa. (Osvaldo faz que sim com a cabeça)
Pois então, a Luíza e o Bernardo eram pequenos quando ela nos deixou. Eu venho
até hoje tentando fazer o possível pra ser um bom pai/
OSVALDO - (corta) Quer dizer que ela vive
provocando o seu filho?
ZITO - (toma um gole de cerveja) O
garoto só tem 17 anos, tá naquela fase de querer todas as meninas. A Luíza,
minha filha, eu crio ali, na rédea curta. Mas o Bernardo... (T) Você é homem
também, tem um filho macho que nem o meu... (Close de Osvaldo nesse momento)
deve me entender muito bem.
OSVALDO - Cê tá querendo dizer que a minha irmã é
uma dessas meninas que vivem por aí/
ZITO - (corta) Eu tô aqui como pai preocupado,
que sabe o que é ter filho adolescente, e como um velho amigo seu. (T) Eu
apertei o Bernardinho contra a parede, e ele acabou me dizendo que saiu várias
vezes com a Júlia. Mas que não foi o primeiro nem o único. (constrangido)
Outros rapazes também.
OSVALDO - (passando as mãos pelo rosto) Quem mais
tá sabendo dessa história?
ZITO - Você sabe que o povo adora
uma fofoca. Eu não vou mentir pra você: algumas pessoas já tão comentando.
OSVALDO - Eu não quero ver meus velhos passando
por isso, não!
Osvaldo se levanta da
mesa e sinaliza pra que tragam mais uma cerveja.
OSVALDO - Valeu, Zito. Vou ver como resolver essa
parada. Ó, vem mais uma “breja” aí. É por conta da casa!
Instantes. Chega
Danilo apressado. Vai direto ao caixa falar com Zoraide.
DANILO - Mainha, me arruma uns trocados!
Combinei com a tia Júlia de ir tomar sorvete, ali na praça.
ZORAIDE - (de cabeça baixa, pegando um dinheiro
na gaveta) Então adiante seu lado. Seu pai tava reclamando de você sumir com o
boteco cheio de gente.
Osvaldo se aproxima
deles.
OSVALDO
- (off) Tava onde, rapaz?
DANILO - Eu almocei lá na vó. Eu vim pedir
um dinheiro a mainha, pra tomar um sorvete com a tia Júlia, ali na/
OSVALDO - (corta) Você vai é me esperar lá dentro
de casa. A gente vai ter uma conversa! Close de Danilo tenso. Corta para:
CENA
9. CASA DE JÚLIA. SALA. INT. TARDE
Lourdes (41) está
sentada no sofá, às voltas com o cachorrinho Tico, que é só carinho. Amélia vem
da área de serviço, trazendo as roupas passadas. Justiniano vem atrás com as
demais roupas. Ele se senta numa poltrona e continua a ver o jogo de futebol. Amélia
fica de pé.
AMÉLIA - A senhora quer um suquinho de
acerola, dona Lourdes?
LOURDES - Aceito, dona Amélia.
AMÉLIA - Tu quer também, Tino?
JUSTINIANO - Eu quero uma latinha. Se você trouxer pra
mim, eu agradeço.
Instantes. Amélia
volta trazendo o suco e a cerveja.
LOURDES - E a senhora não vai tomar?
AMÉLIA - Tomei tanto suco nesse instante,
que chega tô de barriga dura! Mas o quê que a senhora queria falar com a gente?
LOURDES - Bom, é que eu tenho uma amiga lá em Salvador,
que não tem dado sorte com empregada nenhuma...
Corte
descontínuo: Televisão desligada. Justiniano e Amélia
estão atentos à conversa de Lourdes. Tico corre atrás de uma bola pelo chão.
AMÉLIA - A gente não tem interesse nisso,
não, né Tino?
JUSTINIANO - Nossa menina é muito prendada, dona Lourdes.
A gente faz muito gosto que ela acabe os estudos e siga algum caminho diferente
do nosso.
AMÉLIA - É, eu sempre trabalhei lavando,
passando roupa de ganho, faxinando a casa dos outros. O Tino toda a vida
labutou como pedreiro. A senhora vai nos desculpar, não é orgulho nem soberba,
mas a Júlia não há de ser empregada doméstica, não. (T) E tem mais, dona
Lourdes, ela tá estudando. (orgulhosa) Se forma esse ano, né Tino?
JUSTINIANO - Se a senhora for ali no quarto dela, vai ver
uma pilha de livros, que uma ex patroa da Amelinha sempre fez questão de doar
pra Júlia. Ela tem um ciúme desses livros!
AMÉLIA - Ela é danadinha, dona Lourdes, vive
corrigindo a gente, dizendo como falar, reclama quando a gente fala errado. É
nosso orgulho!
LOURDES - (sorri) Eu entendo vocês. (a Amélia) Mas
se a senhora souber de alguma moça direita... Bom, quanto é que eu lhe devo,
dona Amélia?
AMÉLIA - É o mesmo de sempre, dona Lourdes. Corta para:
CENA
10. ENTRE SERTÕES. PRAÇA. EXT. TARDE
Júlia e Rosa Maria
estão tomando sorvete, sentadas num banco da praça. Há crianças brincando por
ali.
ROSA
MARIA - Eu acho que você dramatiza tudo,
Júlia.
JÚLIA - Eu não preciso dramatizar nada.
ROSA
MARIA - Eu te amo, Júlia! O que há de
errado em duas pessoas se amarem?
JÚLIA - Duas pessoas do mesmo sexo!
ROSA
MARIA - Não estamos cometendo crime algum.
Estamos apenas vivendo a nossa felicidade.
JÚLIA - Como é que eu posso ser feliz
contrariando a vontade de Deus? Eu tenho até medo de morrer em pecado, Rosinha.
ROSA
MARIA - Para com isso, Júlia. Presta
atenção nas bobagens que você tá falando.
JÚLIA - Eu já não sei mais o que fazer
pra arrancar esse sentimento maldito de dentro de mim.
ROSA
MARIA - Sentimento maldito? (T) Você não
acha que já me magoou demais, se entregando pra uns imbecis que vivem babando
por você, Júlia?
JÚLIA - Eu só tava tentando gostar
deles. Tava tentando mudar! (T) Às vezes eu me pego implorando a Deus que me
mate. Seria melhor que viver nessa confusão! Corta para:
CENA
11. CASA DE JÚLIA. SALA. INT. TARDE
Justiniano está
deitado no chão da sala, brincando com o cachorrinho Tico. Osvaldo aparece na
janela.
OSVALDO - (off) Cadê o povo dessa casa?
JUSTINIANO - Ô, filhão! Que milagre é esse?
Osvaldo vai entrando.
Amélia aparece, vinda da cozinha.
AMÉLIA - Vai chover hoje, Tino!
OSVALDO - (aos dois) A benção! (eles respondem)
JUSTINIANO - E como é que tá a minha nora?
OSVALDO - Tá todo mundo bem! (tom) Ô mainha, eu
queria levar um papo com o velho...
Amélia e Justiniano
começam a perceber um clima estranho.
AMÉLIA - Eu botei um bolo pra assar. Vou
passar um cafezinho pra vocês.
Amélia se retira.
Justiniano, ainda no chão, se recosta no sofá. Osvaldo já está sentado.
JUSTINIANO - O quê que tá acontecendo? Você sabe que eu
não tenho segredos pra sua mãe.
OSVALDO - É sobre a Júlia, painho.
Corte
descontínuo: Justiniano e Osvaldo continuam conversando.
Sobre uma mesinha de centro, vemos uma bandeja com alguns pedaços de bolo de
fubá, intactos, e duas xícaras de café. CAM vem recuando e nos mostra Amélia, atrás
de uma parede que dá para a cozinha. Eles não percebem a presença dela.
OSVALDO - (off) Quando eu digo que tem certas
igrejas que tão cheias de viado, ladrão e pu/
JUSTINIANO - (corta/off) Quer levar um tapão no meio das
fuças, é?
Close de Amélia
chocada. Corta rápido:
CENA
12. CASA DE JÚLIA. QUARTO DE AMÉLIA. INT. TARDE
Amélia está orando,
ajoelhada ao lado de sua cama.
AMÉLIA - Tá escrito em tua palavra, Senhor:
os filhos são herança tua. Júlia e Osvaldo pertencem a ti, meu Deus. O diabo
não tem poder sobre a minha família. Não deixa a minha filha se perder, Senhor!
O teu sacrifício na cruz não foi em vão; foi pelos nossos pecados. Se ela
cometeu essas coisas terríveis, perdoa ela, Senhor. Acalma aqueles dois lá na
sala, Deus. Não deixa que nenhuma desgraça aconteça na minha família. Corta para:
CENA
13. ENTRE SERTÕES. PRAÇA. EXT. TARDE
Continuação da cena
10 deste capítulo. Rosa Maria e Júlia dialogando.
ROSA
MARIA - Eu não enxergo mais aquela menina
que quando tava comigo era pura festa. Agora é só lamentação, papo deprê. Tô
me cansando disso, Júlia!
JÚLIA - É porque não é amor. Não pode
existir amor entre duas garotas. Não é de ordem natural!
ROSA
MARIA - Agora você tá falando igual o
pastor lá da igreja.
JÚLIA - Mas é a mais pura verdade,
Rosinha. Não dá pra ir contra a bíblia.
ROSA
MARIA - Você gosta de sofrer, de se
amargurar. Se puxa pra baixo. (T) Deus e eu sabemos o quanto eu já sofri por me
sentir diferente das outras. Acontece que eu decidi viver, encarar as coisas de
frente, numa boa. A gente não é pior que ninguém, Júlia!
JÚLIA - Mas a gente conhece a verdade,
Rosinha. Tá errado continuar nessa vida dupla.
ROSA
MARIA - Êpa! Eu amo estar na casa de Deus,
eu o sirvo com todo o meu coração. Ele me aceita como eu sou. Eu não sou santa,
sou pecadora como todo mundo é. Mas essa definição do que é mais e do que é
menos pecado, me parece coisa de homem e não de Deus.
Instantes de silêncio
entre as duas.
ROSA
MARIA - Eu só queria que tudo voltasse a
ser como quando a gente começou. (T) Vamo sair daqui? Tá uma tarde linda! Vamo
lá pras bandas da fazenda de Seu Olegário. Lá a gente fica mais à vontade. Eu
tô morrendo de vontade de você!
JÚLIA - Não vai mais ter a gente,
Rosinha! Corta para:
CENA
14. ENTRE SERTÕES. STOCK-SHOTS. EXT. FIM DE TARDE
Imagens bonitas da
cidade sob o por do sol. Corta para:
CENA
15. RUA/BOTECO CAI DURO. EXT/INT. FIM DE TARDE
Júlia vem caminhando
pela rua do boteco, para do outro lado da calçada, olha pra dentro como quem
quer se certificar de alguma coisa. Então atravessa e entra. Não há mais
clientes. Zoraide está fechando o caixa, Danilo e os dois ajudantes estão
recolhendo as mesas e cadeiras. Do ponto de vista de Zoraide, vemos Júlia se
aproximando de Danilo.
JÚLIA - A gente ficou te esperando lá
na pracinha. O quê que houve, que cara é essa? Aconteceu alguma coisa com teu
pai? Ele não tá por aqui.
Danilo dá um caloroso
abraço em Júlia. Zoraide, emocionada, se aproxima e abraça os dois. CAM mostra
os dois ajudantes parados, olhando, sem nada entender da cena. Close de Júlia
surpresa. Fusão:
CENA
16. CASA DE JÚLIA. COZINHA/QUARTO DE AMÉLIA/SALA. INT. FIM DE TARDE
Abre em Júlia, vinda
do quintal. Ela entra pela cozinha, passa em frente ao quarto da mãe, que está
sentada na cama com a cabeça entre as mãos, preocupada. Decide entrar.
JÚLIA - (baixo) Mainha! O Osvaldo tá
ali conversando com painho, a senhora tá aí desse jeito. Aconteceu alguma
coisa?
AMÉLIA - Eles já viram você?
JÚLIA - Acho que não. Entrei pelo beco.
O que foi, mainha? É alguma coisa comigo né?
AMÉLIA - (voz embargada) Ô minha filha!
Amélia abraça a
filha. Tico se aproxima e fica olhando a cena como se sentisse. Júlia se desfaz
do abraço e caminha até a sala. Está sendo esperada por Justiniano e Osvaldo.
JÚLIA - Painho, tudo bem? Que clima é
essa, Osvaldo?
OSVALDO - Você não tem vergonha nessa cara, não?
Sua sonsa!
Justiniano se levanta
do sofá.
JUSTINIANO - (projetando a voz) Traz esse cinto aqui,
Amélia!
Osvaldo com expressão
firme, de quem tá fazendo o que devia ser feito. Júlia assustada. Amélia traz o
cinto, entrega ao marido, mas o abraça, implorando pra que ele não faça aquilo.
Tensão!
AMÉLIA - (chorando) Não, Tino, não faz isso
com nossa menina, não. Deixa que eu converso com ela.
OSVALDO - Ela tem que aprender a respeitar a nossa
família!
Osvaldo, percebendo
que o pai vai fraquejar, toma o cinto da mão dele. Agora é Justiniano que
abraça firme a esposa, evitando que ela tente impedir Osvaldo de dar uma lição em
Júlia. Em câmera lenta. Música triste
de fundo: Osvaldo parte pra cima de Júlia e começa a dar uma surra de
cinto. Júlia chora, tenta se defender, pede que ele pare. Corte descontínuo: Osvaldo já foi embora. Justiniano está de
pé observando Júlia. Amélia, arrasada, está no chão, perto da filha, que está
encolhida num canto da sala.
JUSTINIANO - Vá tomar um banho, Júlia. Aproveite pra
pensar na vida.
Justiniano faz sinal
pra que Amélia continue na sala. Júlia se retira. Amélia senta no sofá,
desiludida.
JUSTINIANO - Arrume as coisas dela e pode dizer pra dona
Lourdes que a gente pensou melhor e resolveu mandar a Júlia pra Salvador.
Na incredulidade de
Amélia,
Corta.
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