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EI, JÚLIA
CAPÍTULO 4
WEB NOVELA DE
ISAAC SANTOS
ESCRITA COM A COLABORAÇÃO DE:
ALEX SPINOLA
LEANDRO BRASIL
RAFAEL BARBOSA
RAUL FELIPE SENNGER
CENA
1. APTO DE FLÁVIA E AURÉLIO. QUARTO DE JÚLIA. INT. NOITE
Continuação imediata
do capítulo anterior. Flávia furiosa diante de Júlia e Aurélio.
FLÁVIA - (a Júlia) Só agora eu tô vendo que
eu tava criando uma cobra pra me picar depois.
Você não presta, garota, não vale nada! Eu exijo que você saia da minha
casa imediatamente!
AURÉLIO - (intervém, para Flávia) Também não é
assim, Flávia. Você não pode simplesmente mandar a Júlia ir embora assim, sem
mais nem menos. Ela tem direitos e/
Júlia interrompe
Aurélio e encara Flávia, com raiva e determinação de dizer de uma vez o que já
está querendo há muito tempo.
JÚLIA - Pode deixar, seu Aurélio. (para
Flávia) Eu não aguento mais as suas humilhações, dona Flávia. No início... No
início até que a senhora parecia uma boa pessoa, me enganou direitinho. Mas
logo eu percebi que tudo isso era só capa! Por dentro a senhora é mesquinha,
egoísta, só pensa em si mesma! Tudo que faz ou deixa de fazer é em nome dos
seus caprichos.
Flávia encara Júlia
sem fala, muito surpresa. Reação de Aurélio adorando ver Júlia acabar com a
pose dela. E Júlia continua:
JÚLIA - Garantiu que ia conseguir vaga
pra mim numa boa escola e nunca moveu um dedo pra isso! Também não contratou
uma cozinheira pra me ajudar, queria jogar todo o trabalho nas minhas costas,
me tratou como uma verdadeira escrava! (T) Me prendia em casa até nos fins de
semana! Eu não tinha tempo nem de respirar direito, não podia nem sair um pouco
pra me divertir; tinha que estar sempre aqui, à sua disposição!
Flávia
finalmente encontra alguma coisa para falar:
FLÁVIA - (trêmula) Ingrata! Você é uma
ingrata, ouviu? Uma ingrata! Eu não trato os meus empregados assim. Não admito
que/
JÚLIA - (corta, furiosa, crescendo para
cima dela, que se encolhe assustada. Aurélio ri) Não admite? Não admite que
gente como eu suba no pedestal pra falar com a senhora? (T) Pois olhe, dona
Flávia: eu sempre fui muito pobre, nunca tive nada na vida, mas não é por isso
que madames nojentas como a senhora têm o direito de me tratar como bem
entenderem! Eu sou gente, ouviu? Muito mais gente do que a senhora! (T) Pode
ficar tranquila. Eu é que não quero mais ficar um minuto aqui na sua casa!
Quero distância da senhora e da sua maldade!
FLÁVIA - (assustada) Não precisa sair
assim, de repente! Apesar de você me considerar essa pessoa horrível, eu sou
muito justa, menina! Não vou deixar você sair assim à noite numa cidade tão
grande e perigosa como Salvador. (T) Você fica essa noite. Pode arrumar suas
coisas com tranquilidade. Amanhã antes de sair, me procure. Eu vou regularizar
a sua demissão, da maneira como manda a lei.
Flávia olha com muita
raiva para Júlia e Aurélio e sai do quarto. Júlia senta na cama, meio trêmula.
AURÉLIO - Gostei de ver! Fez a dona Flávia cair
do pedestal!
JÚLIA - (preocupada) Não sei se eu fiz
bem, seu Aurélio. Eu não tenho a menor ideia do que fazer agora... (pensativa)
Voltar pra minha cidade eu não quero, de jeito nenhum! Não quero mais depender
da minha família...
Aurélio sorri pra
Júlia como quem quer tranquiliza-la, mas ela continua preocupada.
Corta para:
CENA
2. FACHADA DO PRÉDIO DE TÉRCIA. INT. NOITE
Plano de localização
do apartamento de Tércia.
TÉRCIA - (Off) Pode levar a menina, Aurélio.
Corta para:
CENA
3. APTO DE TÉRCIA. SALA DE JANTAR. INT. NOITE
Tércia terminando de
falar com Aurélio ao telefone.
TÉRCIA - (ao tel) Eu dou uma olhada no
cachorrinho... (pausa) Tá... Tudo bem... Beijo, tchau!
Desliga o aparelho e
volta para a mesa onde Marcelo está jantando.
MARCELO - (casual) Quê que ele queria?
TÉRCIA - Nada demais. Vai levar uma moça com
um cachorrinho doente amanhã lá na clínica. Sabe como é seu pai, né? Se eu
deixasse, ele levaria todo cachorro que encontra na rua lá pra minha clínica.
(ri e muda de assunto) E você trate de comer tudo, hein? Tô te achando tão
magrinho...
MARCELO - (ri) Por que que toda mãe tem mania de
achar que o filho tá magro só porque tá longe delas, hein? (T) Já te pedi pra
não se preocupar. Eu tô muito bem instalado lá no apartamento.
TÉRCIA - Quando você tiver um filho vai
perceber o absurdo que tá me pedindo. Depois que a gente bota um filho no mundo
é impossível não se preocupar.
MARCELO - (ri) Tá bom, mãe tá bom. (T) E o papai,
hein? Será verdade o que um amigo lá da academia me contou?
TÉRCIA - Do que você tá falando?
MARCELO - Do casamento dele com a Flávia. Parece
que tá por um fio.
TÉRCIA - (com certa ironia) Engraçado como
logo ficamos sabendo dessas coisas pelos nossos amigos, né?
Marcelo percebe a
crítica velada da mãe e prefere não responder. Continuam jantando.
TÉRCIA - E as coisas lá na faculdade, como
estão?
MARCELO - Tudo bem, mas eu não vejo a hora de ser
chamado pra tomar posse na Universidade Estadual lá de Feira de Santana.
TÉRCIA - Isso se antes você não passar em
algum concurso da Federal daqui de Salvador.
Marcelo
sorri e olha atentamente para a mãe.
TÉRCIA - (ri, incomodada) Quê que foi,
Marcelo?
MARCELO - Olha, mãe, longe de mim querer me meter
na tua vida. Mas... Bom, quando é que você vai voltar a pensar em si mesma,
hein? Arranjar uma pessoa legal, namorar, ser feliz... Eu sei que você é
plenamente realizada na profissão, mas só isso não é suficiente.
Tércia
tenta disfarçar o incômodo com a pergunta do filho e sorri, embaraçada.
TÉRCIA - E como é que você pode saber se eu
já tô ou não com alguém, já que não tá o tempo todo comigo?
MARCELO - Ah, mãe, essas coisas a gente/
TÉRCIA - (corta, deixando claro que quer
mudar o rumo da conversa) E você, hein? Como é que tá? Rodeado de gatinhas como
sempre?
Marcelo percebe a
intenção da mãe e resolve não insistir mais. Não quer invadir a vida íntima da
mãe.
MARCELO - (ri) Não se preocupe. Seu filho continua o queridinho das
mulheres. Chove gata na minha horta!
Os dois riem,
descontraídos. Tércia olha para Marcelo como quem diz: “vocês não prestam
hein?”. Na alegria dos dois, o corte:
CENA
4. ORLA DO FAROL DA BARRA. EXT. NOITE
Tércia e Marcelo caminham pela calçada, tomando um sorvete.
Harmonia entre eles.
TERCIA
- Me lembro de quando eu e o Aurélio
trazíamos você pequenininho pra praia. Corria descalço pela orla, chegava em
casa todo cheio de areia.
Risos dos dois.
MARCELO - Eu
lembro que adorava esses passeios, mainha.
TERCIA
- Você amava! Entrava no mar e não
queria mais sair de lá. E não queria saber de ficar no rasinho não, insistia
pro seu pai te levar lá pro fundão.
MARCELO - Tão
bom se lembrar da infância. Eu posso dizer que tive uma infância muito boa.
Bons tempos!
TÉRCIA
- Que bom ouvir isso, meu filho!
Marcelo se adianta e para diante da mãe.
MARCELO -
(empolgado) Sabe o que meu deu vontade de fazer agora? (ela faz cara de quem
está muito curiosa) De entrar no mar com você. Como a gente fazia quando eu era
pequeno. Topa?
TÉRCIA
- (sorrindo) Tá falando sério? (ele faz que sim) No mar a essa hora, Marcelo?
MARCELO -
Deixa de ser chata, dona Tercia. A água deve estar uma delícia.
Tércia olha toda boba
para o filho.
TÉRCIA - (nostálgica) Tô vendo aquele menino de sete oito anos na minha frente outra vez.
MARCELO - E aí, vamos?
TÉRCIA - Vamos!
Marcelo comemora, pega a mãe no colo e sai correndo em direção ao
mar.
TÉRCIA
- (divertindo-se) Me põe no chão,
menino!
A risada de ambos ecoa pela praia. Chegam ao mar, tiram os
calçados e pulam na água de roupa e tudo. Jogam água um no outro.
Divertem-se. Corta para:
CENA
5. CLÍNICA VETERINÁRIA MEU BICHO/RUA. EXT. DIA
Abre
na fachada da clínica. Vemos Júlia descendo do carro de Aurélio com Tico em seu
colo e entrando no prédio. Ela olha preocupada para o cachorro. CAM volta para
o carro que vai saindo. Corta
para:
CENA
6. CLÍNICA VETERINÁRIA MEU BICHO. SALA DE TÉRCIA. INT. DIA
Abre em Tico sendo
examinado por Tércia. Júlia olha tudo, preocupada.
JÚLIA - O seu Aurélio falou pra senhora
que/
TÉRCIA - (corta, gentil) Não se preocupe.
Ele entrou em contato comigo ontem. Tá tudo certo. (continua examinando o
cachorro) É, Tico... Você não tá bem não, amiguinho. (a Júlia) Ele vai ter que
ficar algumas horas em observação aqui na clínica.
JÚLIA - (nervosa, quase chorando) É
muito grave, doutora? Pode falar, não me esconda nada.
TÉRCIA - (preocupando-se em não assustá-la
mais) Não precisa ficar assim. Ele só tá um pouco desidratado. Logo estará
novinho em folha.
Mas Júlia já se desmancha
em lágrimas diante dela, sem suportar toda a tensão em que está vivendo.
JÚLIA - (chora muito) Desgraça nunca
vem só. Além de perder o emprego, de não saber mais o que fazer da minha vida,
o meu companheirinho ainda fica doente! (implora) Por favor, doutora Tércia,
salve o Tico! Eu não vou suportar perder ele, não vou!
TÉRCIA - (comovida) Calma, menina! (T) Fica
aqui, tá? Eu vou ali levar o Tico pra minha equipe cuidar dele e já volto.
Tércia sai. Júlia
continua chorando muito, arrasada. Corte
descontínuo. Júlia já mais calma sentada diante da mesa de Tércia. Toma
um copo de água com açúcar. Tércia sorri para ela.
TÉRCIA - Tá mais calma?
JÚLIA - Tô. Obrigada, doutora.
TÉRCIA - (mais para si mesma) Quer dizer que
a Flávia voltou a aprontar... (para Júlia) Mas não se preocupe, querida. Tudo
vai acabar bem. E quanto ao Tico, ele logo vai estar bom. No máximo amanhã de
tarde você já pode pegá-lo aqui. (olha o relógio) Eu só lamento não pode
estender mais a nossa conversa. Tem alguns clientes me esperando...
JÚLIA - Muito obrigada por tudo,
doutora. Obrigada.
TÉRCIA - Não tem nada que agradecer. Eu
desejo sinceramente que logo as coisas se arranjem da melhor maneira possível
para você. (T) Até amanhã.
JÚLIA - Até amanhã.
As
duas apertam-se as mãos. Júlia sai. Em Tércia pensativa, Corta para:
CENA
7. CLÍNICA MEU BICHO / RUAS/CARRO DE AURÉLIO. EXT/INT. DIA
Abre na fachada da Clínica. Vemos Júlia saindo do prédio. CAM segue
Júlia caminhando pela calçada em direção a um ponto de ônibus. Algumas pessoas
passam por ela. Vemos o carro de Aurélio se aproximando. Do ponto de vista de
Aurélio, vemos a expressão de surpresa de Júlia ao vê-lo. O carro para. Júlia
entra. Vemos o carro se distanciando. Corta
pro interior:
AURÉLIO -
Eu resolvi te esperar.
JÚLIA -
E eu nem vi você, já tava até indo pegar um ônibus.
AURÉLIO -
Como foi lá com a Tércia?
JÚLIA -
Ah, foi triste ter que deixar ele lá, mas a doutora disse que não é nada grave.
Amanhã já deve estar sendo liberado.
AURÉLIO -
Pode ficar tranquila, Júlia. A Tercia é ótima no que faz.
Instantes. Júlia se entristece.
AURÉLIO -
E o que houve agora?
JÚLIA -
É que eu nem queria voltar lá no apartamento de dona Flávia.
AURÉLIO -
Oxente! E deixar de acertar os seus direitos? Depois que tudo for acertado, aí
sim. (T) Você já sabe pra onde vai e o que pretende fazer?
Na incerteza de Júlia, corta
para:
CENA
8. CLÍNICA VETERINÁRIA MEU BICHO. SALA DE TÉRCIA. INT. DIA
Tércia está se despedindo de mais um cliente com seu bicho de
estimação. Os acompanha até a porta. Fecha a porta e volta em direção ao chaise
lounge. Recosta-se confortavelmente. Algo lhe rouba os pensamentos! Insert da cena 6 deste capítulo:
Tercia com o olhar fixo em Júlia. Fim
do insert.
Corta para:
CENA
9. APARTAMENTO DE FLÁVIA. COZINHA. DIA
Júlia está cumprindo
suas obrigações normalmente: Ela prepara o almoço. Flávia entra. Sua voz
carrega aquele tom meio áspero que algumas patroas costumam ter com seus
empregados.
FLÁVIA
- E o Aurélio, ele recebeu meu
recado?
JÚLIA
- (tom impessoal, sem soar
agressiva) Sim, dona Flávia. Falei pra ele exatamente o que a senhora pediu:
“que não precisa dele pra levá-la ao médico, porque já está se sentindo bem”.
FLÁVIA
- (mordida, mas sem dar o braço
a torcer) E ele, o que disse?
JÚLIA
- (de costas, lidando no
fogão, morde o lábio e sorri sapeca) Disse que tá ótimo assim.
FLÁVIA
- (atingida pela indiferença) É,
está ótimo mesmo. (muda o tom) E o que você está preparando pro almoço?
JÚLIA
- (vira-se para Flávia,
destampa as panelas e aponta) Arroz branco e um picadinho bem leve de carne com
legumes. E na geladeira já tem salada de rúcula e tomate cereja temperada com
azeite e limão siciliano.
FLÁVIA
- Ótimo assim. (já deixando a
cozinha) E não se esqueça do nosso compromisso logo mais à tarde, viu?
Contador, fazer sua rescisão tudo certinho e passar num banco pra depositar em
sua conta poupança.
JÚLIA
- Esqueço não, dona Flávia.
FLÁVIA
- (insiste um pouco mais,
discreta) E nenhum outro recado de Aurélio, alguma coisa sobre advogado?
JÚLIA
- (vira para o fogão, sorri
novamente e aproveita pra se divertir um pouco com a agonia da outra)
Nenhunzinho, dona Flávia.
Flávia dá uma jogada
de cabelo e deixa a cozinha. Em Júlia em sua labuta corta para:
CENA
10. SALVADOR. STOCK-SHOTS. EXT. DIA/NOITE/DIA
Imagens
aceleradas da cidade, destacando pontos turísticos: Elevador Lacerda,
Pelourinho, Farol da Barra, Mercado Modelo, terminando na fachada do prédio de
Flávia.
Corta
para:
CENA
11. PRÉDIO DE FLÁVIA/CARRO DE AURÉLIO. EXT/INT. DIA
Vemos Júlia se
despedindo fora de áudio do porteiro e deixando o prédio com suas malas.
Aurélio está com o carro estacionado esperando por ela. Ele desce do carro e
ajuda com as malas e ainda, cavalheiro, abre a porta pra Júlia. Entram e o
carro começa a sair devagar. CAM vai buscar a imagem de Flávia que, mordida de
ciúme, observa tudo da sacada do apartamento. Corta para o interior do carro: Aurélio em tom bem humorado,
tenta animar Júlia.
AURÉLIO - Eu não quis olhar pra trás, mas tenho
quase certeza que a Flávia tava nos vigiando com aqueles olhos de medusa, doida
pra transformar nós dois em pedra, pra não dizer coisa pior.
Júlia
ri. Instantes de silêncio.
JÚLIA - Me desculpe a curiosidade, seu
Aurélio, mas... O senhor e a dona Flávia? Não tem mais volta?
Aurélio
fica em silêncio um pouco, procurando uma resposta.
AURÉLIO - Eu me faço a mesma pergunta todos os
dias, Júlia, mas tô cada vez mais convencido de que a vida de casado não é pra
mim. Eu nunca tive muita sorte no amor... (muda de assunto, bem humorado) E a
senhorita, madame? Pra onde deseja que o chofer a leve?
JÚLIA - O senhor tem sido um anjo, seu
Aurélio. Eu nunca vou poder pagar o que o senhor tá fazendo por mim. (T) E
quanto aquele incidente lamentável, eu já perdoei há muito tempo. Vamos
esquecer aquela cena, tá?
AURÉLIO - (comovido) Você é mesmo muito
generosa, viu, Júlia?
JÚLIA - Que nada... (e olha pela janela
do carro, pensativa) Se tem uma coisa nessa vida que eu já aprendi há muito
tempo, é perdoar...
Na
melancolia de Júlia, olhando a paisagem pela janela, Corta para:
CENA
12. CLÍNICA MEU BICHO. SALA DE TÉRCIA. INT. DIA
Tercia recebendo
Júlia e Aurélio. Cumprimentam-se.
AURÉLIO
- (meio saliente) Muita correria
hoje, doutora Tércia?
TÉRCIA
- A de sempre, Aurélio. Mas meu
ritmo sempre foi assim mesmo, um pouco mais acelerado que o seu.
AURÉLIO
- (ri) Valeu pela alfinetada,
doutora, mas nem doeu.
Júlia de canto, só
sentindo o clima entre os dois. Ela acha até alguma graça nisso.
AURÉLIO
- Diga aí, quanto é que ficou a
conta do nosso amigão, o Tico?
TÉRCIA
- Aurélio, você sabe que quem
trata disso é a minha secretária. Pode acertar tudo com ela.
AURÉLIO
- (voltando a fazer sua graça)
Poxa, pensei que se eu tratasse diretamente com você, um aperto de mão e muito
obrigado, já resolveriam a questão.
TÉRCIA
- (ri alto) Você está mais
impossível do que o normal, Aurélio. Eu só não te dou a resposta que você
merece porque estamos na companhia da suave Júlia.
Júlia se descontrai
um pouco mais e sorri com eles. Tércia a encara com discrição e ri também.
AURÉLIO
- Bom, eu vou lá acertar com a sua
secretária, que, diga-se de passagem, é um pitéu.
A secretária entra
com Tico nos braços. O cãozinho já está todo serelepe e se assanha ainda mais
ao ver Júlia, que vibra feito criança ao vê-lo, já o tomando carinhosamente das
mãos da moça e o cobrindo de beijos e chamegos. Tércia, mais uma vez, se
encanta.
AURÉLIO
- (a secretária) Além de linda,
eficiente. Vamos lá, mocinha, acertar a conta.
Tércia o repreende
com o olhar. Ele se manca e faz um discreto gesto de desculpas. Ele e a
secretária saem. Júlia ainda a brincar e dizer palavras de carinho para Tico.
Instantes, até que ela se nota observada por Tércia. Júlia a encara, olhos
marejados.
JÚLIA
- Muito obrigada, doutora
Tércia, a senhora foi um anjo da guarda pro meu Tico.
TÉRCIA
- Anjo da guarda é você, Júlia,
por ter por ele esse amor tão lindo e incondicional.
Tocada, Júlia não
consegue dizer mais nada, apenas deixa sua emoção fluir. Uma lágrima furtiva
lhe escorre pela face. Tércia tem o ímpeto de secá-la, mas se policia. Júlia,
de certo modo percebe isso, mas não demonstra, se recompõe, agradece e se
retira. Corta para:
CENA
13. PENSÃO DA DONA JUREMA. RECEPÇÃO. EXT/INT. DIA
Abre na fachada da
pensão. Carro de Aurélio está estacionado na frente. Ele está com o cachorro o
colo, recostado na porta do carro. Júlia está vindo falar com ele.
JÚLIA - (desanimada) Lugar bacana,
preço muito bom, dentro do que posso pagar, mas... Também não aceitam o Tico.
AURÉLIO - Que droga! Já é o quarto lugar que nós
vamos. Quê que essa gente tem contra bicho, hein? (pausa. Aurélio olha para
Júlia) Tem certeza que não quer voltar pra sua cidade?
Ela
baixa a cabeça pensativa, sem responder. Aurélio não quer insistir.
AURÉLIO - Bom, Júlia, por mim eu andaria a
cidade toda procurando um lugar pra você ficar, mas é que eu tenho um
compromisso agora e...
Os dois ficam em
silêncio, desanimados. De repente Aurélio parece ter uma ideia brilhante.
AURÉLIO - (animado) Já sei. Júlia, pode entrar
agora na pensão, acertar a sua estada e pedir pra alguém vir te ajudar com as
malas!
JÚLIA - (sem entender nada) Quê que o
senhor pretende?
AURÉLIO - Confie em mim. Peça pra deixarem as
suas malas no quarto e venha comigo. Acho que eu encontrei uma saída.
No sorriso esperançoso de Júlia, Corta para:
CENA
14. CLÍNICA MEU BICHO. EXT. DIA
O carro de Aurélio está estacionado. Júlia está dentro do carro
com Tico. Tércia e Aurélio vêm saindo da clínica e se aproximam da janela do
carro. Júlia se mostra um pouco constrangida com a aproximação deles.
TÉRCIA
- E aí, mocinha, o nosso bichinho aí
tá curtindo esse passeio de carro? (Júlia dá um sorriso meio sem graça) Bom,
Júlia, o Aurélio me explicou toda a situação. Eu pude perceber que você é uma
garota muito bacana. (T) Especial. Por isso, já liguei pra Aurora, minha
funcionária, dizendo a ela pra tomar uns copos de suco de maracujá... (faz um
pouco de suspense antes de continuar) Nós vamos receber um hóspede bem
animalesco por alguns dias, (faz um cafuné no cachorrinho) não é mesmo, Tico?
AURÉLIO
- (sorri pra Júlia) Não disse que ia resolver tudo?
JÚLIA
- (aliviada)
Nem sei como agradecer. Muito obrigada, doutora Tercia.
TÉRCIA
- Por nada! Ó, eu tô indo almoçar em
casa. Você e o cachorrinho vêm comigo. Vai ser até bom, pra ele já ir se
familiarizando com um novo ambiente.
Julia, emocionada, desce do carro e dá um abraço em Aurélio.
JÚLIA
- Obrigada
por tudo.
AURÉLIO
- Espero que tudo se ajeite.
TÉRCIA
- (a Júlia) E então, vamos? (Júlia
faz que sim) O meu carro tá logo ali.
Tércia e Júlia seguem em direção ao carro. Aurélio entra em seu
carro e vai embora.
Corta para:
CENA
15. APARTAMENTO DE TERCIA. SALA DE JANTAR. INT. DIA
Júlia e Tercia estão
almoçando. Conversa ao meio.
TÉRCIA - Mas eles não te obrigavam a
frequentar a igreja, né?
JÚLIA - Não, eu ia desde pequena com
mainha. Meu pai já foi crente, mas isso faz muitos anos. Quando eu nasci ele já
tinha se afastado da igreja. Mas assim, ele sempre fez questão que eu
continuasse indo, incentivava.
TÉRCIA - E quanto ao seu irmão?
JÚLIA - Ah, o Osvaldo, é bem mais velho
que eu, e mainha me contou que ele acabou seguindo o mesmo caminho de painho:
se afastou da igreja. Isso foi antes de eu nascer também.
TÉRCIA - E você continua frequentando?
JÚLIA - Olha, dona Tércia, pra ser bem
sincera com a senhora, eu continuo guardando alguma coisa de evangélica dentro
de mim, mas não tenho mais aquele fervor que eu tinha. Não é dizer que ter
vindo morar em Salvador virou a minha cabeça pelo avesso, mas eu acabei
perdendo o costume de ir pros cultos.
TÉRCIA - Você chegou a ir a alguma igreja
aqui na cidade?
JÚLIA - Fui umas duas vezes numa igreja
lá na Graça, onde fica o apartamento de dona Flávia, mas não me adaptei.
TÉRCIA - Ah, imagino. Graça é um bairro
nobre, provavelmente as igrejas também acompanhem esse padrão mais
elitizado.
JÚLIA - Eu nunca me imaginei no meio de
tanta gente grã-fina e menos ainda, que algum dia seriam amigos meus. (percebendo
que pode estar sendo ousada, se corrige) Posso considerar a senhora minha
amiga?
Tercia sorri e,
passando a mão sobre a mão de Júlia, diz:
TÉRCIA - Você é mesmo cativante, Júlia.
JÚLIA - Ah, a senhora é quem deixa a
gente muito à vontade. (T) E o filho de vocês, hein? O seu Aurélio comentava
dele de vez em quando.
TÉRCIA Ah, Júlia, o Marcelo é uma das coisas
mais bonitas que eu já fiz na vida, (se corrige) quer dizer, que fizemos (ri).
Ele é lindo igual o pai. Aliás, puxou não só a beleza do Aurélio, mas é tão
galanteador quanto.
JÚLIA - Ele é professor, né? (Tercia
faz que sim)
Ouvimos o cachorrinho
Tico latindo em off.
JÚLIA - O Tico já deve estar aprontando
das dele.
TÉRCIA
- Mas a Aurora deve estar amando
tudo isso. Desde que o Marcelo foi morar no apartamento dele, ficamos só nós
duas nesse apartamento enorme. Isso aqui ficou muito parado!
As duas continuam a
conversa fora de áudio. Corta para:
CENA
16. STOCK-SHOTS. EXT. NOITE
Imagens de ruas da
periferia de Salvador, terminando num ponto de ônibus onde vemos Júlia descendo
de um coletivo e caminhando pela calçada.
CENA
17. PENSÃO DE DONA JUREMA. QUARTO DE JÚLIA. INT. NOITE
Abre em Júlia feliz, mais esperançosa. Música alegre invade a cena. Júlia está terminando de acomodar as suas coisas no armário. Instantes. Ela pega uma toalha, umas peças de roupa, saboneteira e sai do quarto. Fusão para:
Abre em Júlia feliz, mais esperançosa. Música alegre invade a cena. Júlia está terminando de acomodar as suas coisas no armário. Instantes. Ela pega uma toalha, umas peças de roupa, saboneteira e sai do quarto. Fusão para:
CENA
18. PENSÃO DE DONA JUREMA. CORREDOR. INT. DIA
CAM abre na porta do
banheiro no fim do corredor que dá pro quarto de Júlia. CAM vem se afastando
devagar até vermos uma pequena fila com duas mulheres esperando o banheiro ser
desocupado. Júlia vai caminhando na direção delas e fica por ali esperando a
sua vez. A porta se abre, uma mulher sai e outra que estava na fila entra. A expressão
de Júlia mudou. Ela agora está totalmente desanimada. Outra hóspede se aproxima
e as duas começam a conversar.
HÓSPEDE
- Oxe, que bicho te mordeu, Júlia? Dia
desses tu tava aí, toda animada. O que foi, diga?
JÚLIA
- Não é nada não, Maria, tô
só pensando na vida.
HÓSPEDE
- Vá, deixe de bobagem, me fale! A
gente agarrou uma amizade nesse tempo que tu ta aqui. Já te contei meus
perrengues também. Amiga é pra isso, né?
JÚLIA
- Tô preocupada mesmo,
Maria. Situação tá é preta pro meu lado. Dinheiro tá curto, nada de emprego.
Todo lugar no comércio que eu bato, eles pedem experiência nisso, naquilo. Em
casa de família só tão pegando com referência, e sei que dona Flávia não vai dar
referência minha nem pro capeta.
HÓSPEDE
- (se benze) Ave Maria, não diga o
nome do tinhoso não.
JÚLIA
- Ah, Maria, tá tudo uma
droga pra mim. Vivo num passinho pra frente dois pra trás. Fui inventar de comprar
presentes pra mainha e meu sobrinho. Eles ficaram numa alegria que só vendo! Mas
não tive coragem de falar que tô desempregada, disse que já tava vendo outra
coisa melhor. (T) Eu já até me arrependi de ter comprado aquele celular. Havia
outros bem mais em conta.
HÓSPEDE
- Sai desse desânimo! Sei que quando a gente tá no meio do problema,
a gente fica cega, não consegue achar saída. Mas veja, fale lá com a dona da
clínica, tu me disse que ela é gente boa, não disse? Até com o teu cachorrinho ela
ficou, não é?
Júlia faz que sim.
HÓSPEDE
- Pois então, ela pode te indicar pra
alguém. Conhecimento ela deve ter de monte! Se abra também lá com o tal de
Aurélio. Vá, dê seus pulos, Júlia!
JÚLIA
- Já fizeram demais por mim.
E também tenho vergonha de parecer que tô me aproveitando da bondade dos
outros. Fui lá na casa da dona Tércia ver o Tico umas três vezes e nem voltei
mais, pra não incomodar.
HÓSPEDE
- Largue de ser besta! Ninguém fez
nada de graça por você. Você não deve nada pra ninguém.
JÚLIA
- (reticente) Sei não... Não
é bem assim!
HÓSPEDE
- (imitando Júlia) “Sei não, sei
não...” Depois que a coisa ficar roxa pro teu lado, você não diga que eu não
avisei. Oxe, que se fosse comigo, eu tava era lá, na porta deles, pedindo
ajuda, pedindo trabalho. Não é esmola, não, Júlia.
Júlia fica um
instante calada, parece digerir as palavras de Maria. A porta do banheiro se
abre, a mulher sai.
HÓSPEDE
- Vá lá, tome seu banho e pense no
que eu te disse.
Júlia entra no
banheiro e fecha a porta. Maria fica no aguardo da sua vez, meio que falando
sozinha e com uma expressão no rosto que diz: “Mas essa Júlia é muito da besta
mesmo”. E no ruminar silencioso de Maria corta
para:
CENA
19. PRAIA. EXT. DIA
Mercedes e Rosana
estão por ali, curtindo o sol. Júlia um pouco distante delas, parece estar
chorando.
MERCEDES - (a Rosana, apontando Júlia) E aquela moça,
hein? Tá numa tristeza de dar dó há um tempão. Parece até que tá chorando...
ROSANA - (sem ligar) A gente não tem nada a
ver com isso, Mercedes. Vem, vamo entrar na água!
MERCEDES - Tô com vontade, não. Vai você.
Assim que Rosana
corre para o mar, Mercedes se aproxima de Júlia e a reconhece na hora. Sorri
para ela.
MERCEDES - Peraí, você é a... A filha da irmã Amélia,
não é? A Júlia!
Júlia
enxuga as lágrimas e olha para Mercedes, sem reconhecê-la.
MERCEDES - Tá me reconhecendo, não? Sou eu, Maria
Mercedes, filha do seu João e da irmã Dalva. (T) Eu já era um pouco mais velha
que tu quando saí de Entre Sertões, mas cidade pequena todo mundo praticamente
cresce junto. Eu também ia com mainha lá na assembleia.
Júlia
sorri ao finalmente reconhecer Mercedes.
JÚLIA - Agora eu lembrei. Como tu tá
bonita, Maria Mercedes!
MERCEDES - Esquece o Maria, tá bom? Me chama só de
Mercedes.
Júlia
e Mercedes se abraçam, felizes. Depois as duas sentam.
MERCEDES - (animada) Tô com vinte e quatro, e você?
Peraí, não fala. Eu adivinho. Você deve ter uns dezenove, acertei?
JÚLIA - (ri) Passou perto...
MERCEDES - Tu lembra do dia que eu fugi da cidade?
Júlia confirma, com
um aceno de cabeça. Mercedes continua, sempre muito animada:
MERCEDES - Deve ter sido um acontecimento naquela
cidade de Deus me livre, né? Ah, menina, foi uma aventura. Sabe que eu não me
arrependo? Faria tudo de novo. (T) Eu já não tava mais me encaixando nos
padrões de igreja, sabe? (pausa) Ok, eu era novinha, só tinha dezesseis anos,
me arrisquei pra caramba. Mas aprendi muito nessa vida. Peguei carona com um
caminhoneiro, fui parar em Sampa. Pense que loucura!
JÚLIA - Loucura mesmo. (T) E você não
pensa mais em voltar lá, rever seu pai?
MERCEDES - Eu prometi pra mim mesma que nunca mais
coloco os meus pés lá, desde o dia em que me pai me expulsou do enterro de
mainha... (fica triste) Tadinha! Quando ela morreu, há coisa de cinco seis anos
atrás, eu já tava aqui em Salvador, mas fiz questão de ir lá me despedir dela.
(emocionada) E o meu pai... (interrompe-se) Você acha que isso é coisa que um pai
faça com a filha, Júlia? Ainda mais no velório da própria mãe?
As duas ficam em
silêncio um pouco. Mercedes tenta se refazer da emoção e volta a usar o tom
animado na voz:
MERCEDES - Agora me fala de você! Tá bonitona, hein!.
Mas eu tô te achando triste. Você tava até chorando, né? Me conta: o que foi
que houve?
Corte descontínuo: Rosana também está
sentada ao lado das duas. Júlia acaba de expor sua situação.
JÚLIA - E é isso. Eu tô me sentindo
completamente só, desamparada. (T) Mas eu não quero voltar pra casa dos meus
pais, entendem? Isso seria passar recibo que eu quebrei a cara, que eu não fui
responsável o suficiente pra manter um bom emprego.
ROSANA - (implica) O que não deixa de ser
verdade, né?
MERCEDES - (irritada) Para com isso, Rosana, que coisa!
(a Júlia) Olha, Júlia, eu acho... Eu acho que a gente pode te ajudar.
ROSANA - (surpresa) Como assim?
MERCEDES - (para Júlia, sem dar atenção a Rosana)
Sabe, nós éramos três lá em casa dividindo as despesas com aluguel, comida,
luz, água, telefone... Eu, a Rosana e a Sarita. E como a Sarita foi pra
Espanha, eu acho que/
ROSANA - (corta) Mas essa menina não tem nada
a ver com a gente, Mercedes! Nem de longe lembra a Sarita!
MERCEDES - (muito irritada) Olha aqui, ô Rosana, faz
tempo que eu não curto esse papo de igreja, mas se tem uma coisa que eu aprendi
e não quero nunca me esquecer é amar ao próximo. E eu não me esqueço que um dia
eu já estive em situação parecida. (a Júlia) Fica com medo dessa turrona não,
Júlia. Ela adora implicar com todos, mas no fundo, bem no fundo mesmo, é boa
gente. Pode contar com a gente, Júlia!
ROSANA - (rabugenta) Fale por você, tá?
Mercedes e Júlia
riem. Rosana permanece emburrada. Corta
para:
CENA
20. STOCK-SHOTS. EXT. NOITE
Mais imagens da periferia de Salvador, terminando na fachada
da casa de Mercedes.
Corta
para:
CENA
21. CASA DE MERCEDES. SALA. INT. NOITE
Rosana está sentada
no sofá, fazendo as unhas. Mercedes chega com Júlia trazendo suas bagagens.
ROSANA - Caramba, pensei que não chegassem
mais hoje!
MERCEDES - Ônibus, minha cara! (a Júlia) Vamo botar
essas malas ali no quarto, Júlia. Aproveito pra te mostrar nosso modesto
barraco, que é pequeno, mas limpinho. (elas riem)
Instantes em Mercedes
mostrando os cômodos da casa pra Júlia. Elas voltam pra sala.
ROSANA - Agora vai logo tomar teu banho,
Mercedes. (a Júlia) Senta aí, Júlia.
MERCEDES - É, vou me jogar embaixo do chuveiro. (a
Júlia) Fique à vontade, Júlia.
Mercedes se retira.
JÚLIA - Cês vão sair hoje ainda?
ROSANA - Vamo. É difícil a gente não sair à
noite.
Rosana olha pra Júlia
e a percebe ainda pouco à vontade.
ROSANA - Ó, tá com fome? (Júlia faz que não)
Quando quiser, tem comida lá na cozinha. A gente dá um duro da porra, mas
graças a Deus o armário e a geladeira tão sempre abastecidos.
JÚLIA - Quem cozinha melhor, das duas?
ROSANA - Modéstia à parte, acho que sou eu.
(as duas riem) A Mercedes conversou tudo direitinho contigo?
JÚLIA - Ela me disse que vai explicar
melhor umas coisas.
ROSANA - Ó, como você ainda não conhece
ninguém da vizinhança, não abra a porta pra ninguém, quando a gente sair.
(Júlia faz que sim) Tá vendo (aponta) aquele pato de louça na estante? Tem uma
cópia da chave, se você precisar.
Continuam a conversa
fora de áudio. Corta para:
CENA
22. STOCK-SHOTS. EXT. DIA
Mais imagens da cidade,
terminando na fachada da Clínica. Corta
para:
CENA
23. CLÍNICA MEU BICHO. SALA DE TÉRCIA. INT. DIA
Júlia diante de Tércia. Conversa ao meio.
JÚLIA
- Fazia um
tempão que eu não via essa amiga. Encontrar com ela assim, do nada, foi coisa
de Deus. Parece até coisa de novela.
TÉRCIA
- (sorrindo) Parece mesmo.
JULIA
- E o
cantinho dela... É tudo muito simples, uma casinha pequena. Mas é aconchegante.
E, bom, agora que eu já consegui onde ficar. Eu acho que...
TERCIA
- Que não é mais necessário que o Tico
fique lá em casa. (Júlia, constrangida, faz que sim) Quando você me disse que
havia encontrado um lugar, imaginei que fosse me dizer isso. (T) Ao mesmo tempo
em que eu fico feliz por você poder estar junto de seu cachorrinho de novo,
eu... Não posso esconder que, fico um pouco triste.
Reação de Júlia.
TERCIA
- Talvez você não consiga me
entender Júlia. Mas é como se o Tico... Como se ele fosse um elo entre a gente.
As duas se olham por um instante.
TERCIA
- (continua) As poucas vezes que
você foi lá em casa, e que ficamos conversando, me fizeram muito bem.
Tempo em silencio. Tercia olha fixamente para Júlia, um olhar
contemplativo, admirado. Júlia, um tanto perdida, baixa os olhos.
JULIA
- Eu vou ser
sempre muito grata pelo que a senhora tem feito por mim e pelo Tico.
Tercia disfarça uma leve emoção e volta a sorrir, tentando
desfazer o clima.
TERCIA
- Tudo bem, Júlia. Eu vou ligar pra
Aurora e avisar que você vai pegar o cãozinho. Nós ficamos bem apegadas a ele.
Espero que você vá ao meu apartamento sempre que puder, e leve o Tico pra
visitar a gente.
JULIA
- Eu levo
sim, pode deixar.
TERCIA
- Eu falei tanto de você pro meu
filho, que ele tá curioso pra te conhecer.
Julia sorri um pouco sem
graça, olha Tercia por alguns segundos que devolve o olhar, o mesmo de antes.
Júlia desvia o olhar mais uma vez. Tércia suspira e pega o telefone.
TERCIA
- bom, eu vou ligar pra Aurora. Corta para:
CENA
24. APARTAMENTO DE TERCIA. SALA. INT. DIA
Júlia está parada no meio da sala, observando Aurora, que brinca
com Tico, despedindo-se.
AURORA
- (faz cafuné nele) Ô tiquinho, meu lindo! (a Júlia)
Vou sentir uma saudade danada desse bichinho!
JULIA
- Eu
imagino, dona Aurora. Mas eu vou ficar sempre trazendo ele aqui.
AURORA
- Bom, deixa eu ir lá pegar as coisinhas dele: Tem
coleira, ração, brinquedinho. Dona Tércia quem comprou. Eu já volto.
JULIA
- Pode ir
sossegada. Eu espero.
Aurora vai pra dentro e Tico corre atrás dela, festeiro. Sozinha
na sala, Julia fica a olhar ao redor. Toca os móveis, admira a arrumação da
casa. Vai até uma mesinha de canto onde estão alguns porta-retratos. Pega um
deles, em que Tercia e Aurélio estão com Marcelo, ainda criança, na Disney.
Pega outro, de uma foto mais atual de Tercia mostrando seu costumeiro sorriso.
Júlia fica a admirá-la. Insert
da cena 23 deste capítulo. Tércia
diz pra Júlia que sente como se o cachorrinho fosse um elo entre elas. Fim do Insert: Júlia devolve os porta-retratos na
mesinha, suspira e fica a pensar, distante.
Corta para:
CENA
25. CASA DE MERCEDES.COZINHA. INT. NOITE
CAM abre numa
folhinha (calendário) pendurada na parede, e depois nos revela a cena: Rosana a
lidar num fogão vermelho de quatro bocas. Mercedes e Júlia sentadas à mesa.
Clima pesado no ar. Júlia e Mercedes se olham. Rosana quebra o silêncio:
ROSANA
- (off) Olha, Júlia, você sabe que
não sou de dizer nada pelas costas, então vou ser franca, a coisa tá ficando
difícil.
Rosana senta-se à
mesa junto com elas, traz consigo uma panela de macarrão com carne moída, e sem
parar de falar começa a servi-las.
ROSANA
- Já faz quase um mês que tu tá
aqui com a gente e nada de emprego. Eu sei que tá brabo de se arrumar um, mas
minha filha, a gente tem que ser prática. E aí, como é que vai ser?
Mercedes não aprova o
tom de Rosana, mas não a contesta.
MERCEDES
- Olha, Júlia, não ligue pro jeito da
Rosana não, viu? (Mercedes faz um gesto para que Rosana pegue um pouco mais
leve), ela é assim mesmo. Mas ela não deixa de estar certa, né?
Júlia, cabisbaixa,
apenas faz que sim com a cabeça. Mercedes continua:
MERCEDES
- É como tu mesmo disse, já, já o pouco
que tu tem, se acaba, e eu e Rosana não damos conta de manter a casa com mais
uma pessoa e um cachorro, que querendo ou não também dá despesa, né?
Rosana acha graça
nessa parte, mas se contem, Mercedes prossegue:
MERCEDES
- É gasto com ração, vacina que tem que
dar.
Júlia ainda
cabisbaixa.
ROSANA
- Oxente, Júlia, diga alguma
coisa! Não vai ficar aí, se fazendo de vítima e eu mais Mercedes parecendo duas
bruxas!
Júlia ergue a cabeça,
faz força para não chorar, procura se manter firme, mesmo estando destroçada,
não pelas cobranças das amigas, mas sim pelas rasteiras da vida nesses últimos
tempos.
JÚLIA
- Vocês tão certas. Foram
legais comigo quando eu mais precisei. Não vejo vocês assim, como bruxas não.
(sua voz fica embargada a partir daqui) Eu lutei e vou continuar lutando, não
desisto não. De um jeito ou de outro, eu vou dar a volta por cima. Bora lá, se
vocês conseguiram, eu também posso.
Júlia não diz com
firmeza, com alegria. É apenas resiliência. Mercedes e Rosana se entreolham.
Elas sabem que não vai ser fácil pra Júlia. corta para:
CENA
26. PELOURINHO. EXT. MADRUGADA
Abre numa rua pouco iluminada, onde vemos alguns mendigos dormindo
e usuários de drogas se drogando. Mais adiante, numa esquina, vemos uma viatura
da polícia passando. CAM sai desse ambiente e nos mostra a vida noturna na
praça principal: alguns bares ainda funcionando em atendimento a turistas e
também moradores da cidade. CAM vai buscar Rosana e Mercedes que estão por ali.
MERCEDES -
Será que ela vai conseguir assim, de cara?
ROSANA
- Tô pouco me lixando! E que porra de banheiro demorado é esse?
Vemos então Júlia saindo de um bar. Veste-se com roupas justas,
curtíssimas. Usa maquiagem excessiva e anda desenvolta, parecendo até outra
pessoa, bem putona mesmo. Mercedes e Rosana olham impressionadas para ela, que
está mais linda do que nunca, um convite ao pecado. Corte descontínuo: Elas estão caminhando pela Avenida
Chile. Carro vem se aproximando devagar delas. Para. Elas olham pra dentro e
reconhecem Marcelo.
MERCEDES - Aê,
Marcelo! Quanto tempo, hein! Tu sumiu, cara!
MARCELO
- Ando com uma falta de tempo que vocês nem imaginam.
ROSANA
- Ah, mas pra essas coisas a gente sempre encontra um tempinho...
MARCELO
- (ri) É exatamente isso que eu tô fazendo. (olha para Júlia com interesse) E
ela, quem é?
MERCEDES - O
nome dela é Júlia.
MARCELO
- (a Júlia) Tudo bem, gostosa?
Júlia sorri, tímida e nervosa. Mercedes tenta livrá-la do embaraço.
MERCEDES -
Calma, Marcelo. A garota tá começando agora, não assusta ela.
Mercedes sorri para Júlia e pisca como quem diz: “Relaxa”. Corta para:
CENA
27. AVENIDA/CARRO DE MARCELO. EXT/INT. MADRUGADA
Abre no carro de Marcelo em movimento numa avenida da orla de
Salvador.
ROSANA
- (off, safada) E aí, Marcelo? Acha que vai conseguir dar conta de três?
Corta pro interior do carro. Risos de Marcelo e Rosana, que está
no banco do carona. Júlia e Mercedes no banco de trás. Júlia está tensa.
MARCELO
- Dou conta até de mais, Rosana! Parece até que não me conhece...
Os dois voltam a rir. Mercedes não consegue achar graça de nada.
Júlia olha nervosa para Marcelo.
JÚLIA
- Por favor, para o carro. Eu não tô me sentindo muito bem.
MARCELO
- Relaxa, gatinha. Não precisa ter medo de mim, não.
JÚLIA
- (cada vez mais nervosa) Por favor, moço, para esse carro, eu tô passando mal.
Marcelo não lhe dá atenção. Júlia explode, descontrolada:
JÚLIA
- Para essa merda desse carro agora que eu quero descer!
MERCEDES -
Para, Marcelo. É melhor.
MARCELO
- (tranquilo, sem parecer malvado) me desculpe, Mercedes, mas eu não vou deixar
uma gata dessas escapar assim. Não vou mesmo!
Rosana ri, maliciosa. Completamente desesperada e sem que ninguém
possa impedir, Júlia, abruptamente, abre a porta do carro em movimento e se
joga. Mercedes grita. Todos se assustam. Close de Júlia estirada no chão.
Corta.
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