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EI, JÚLIA
CAPÍTULO 3
WEB NOVELA DE
ISAAC SANTOS
ESCRITA COM A COLABORAÇÃO DE:
ALEX SPINOLA
LEANDRO BRASIL
RAFAEL BARBOSA
RAUL FELIPE SENNGER
CENA
1. ENTRE SERTÕES. CASA/QUARTO DE AMÉLIA E JUSTINIANO. INT. NOITE
Justiniano e Amélia
estão dormindo. Amélia desperta angustiada. Ela olha pra Justiniano e vê que
ele continua dormindo tranquilamente. Deita de novo a cabeça no travesseiro e,
olhando pro telhado, sussurra.
AMÉLIA - Vixe, que agonia é essa que eu tô
sentindo, meu Deus?
Amélia resolve se
ajoelhar no tapete ao lado da cama e começa a orar baixo.
AMÉLIA - Senhor, eu te peço perdão pelos
meus pecados, peço que ouça a minha oração... Não sei o que estará acontecendo
pra eu tar nessa agonia toda, mas tú sabe. Protege os meus filhos, meu neto,
minha nora, meu marido, e me protege também, Senhor. E a minha filha, Deus,
sozinha ali naquela cidade... Livra ela dos perigos, guarda debaixo de tuas
asas, Pai.
Amélia continua
orando fora de áudio. CAM vem recuando lentamente. Música “Lugar Seguro” de
Aline Barros, de fundo. Corta para:
CENA
2. FACHADA DO PRÉDIO DE FLÁVIA E AURÉLIO. INT. NOITE
Plano
de localização do apartamento do casal.
JÚLIA - (off) Eu não tive culpa, dona
Flávia!
Corta para:
CENA
3. APTO/QUARTO DE FLÁVIA E AURÉLIO. INT. NOITE
Continuação da última
cena do capítulo anterior. Flávia olha séria para Júlia e Aurélio. Júlia muito
assustada. Aurélio bem tranquilo, parece não ligar muito para a situação. Júlia
continua sua fala:
JÚLIA - Eu vim aqui porque ouvi um
barulho, não sabia que vocês iam chegar cedo. Aí o seu Aurélio saiu do banho,
começou a me assediar, me agarrou à força e/
Flávia
faz um gesto para que Júlia se cale. Encara o marido e a empregada.
FLÁVIA - (seca, olhando para o marido, sem
encarar Júlia) Não precisa se preocupar, Júlia. Pode ir pro seu quarto.
JÚLIA - Com licença.
Júlia
sai do quarto. Flávia olha furiosa para Aurélio, que continua calmo.
FLÁVIA - Tava demorando pra você aprontar
de novo, né?
AURÉLIO - Flávia/
FLÁVIA - (corta, cada vez mais irritada) Se
você achava que eu ficar lá no resort fazendo papel de boba enquanto você vinha
pra casa dar em cima da empregada, se enganou redondamente!
AURÉLIO - Você tá muito nervosa, Flávia! Acho
melhor/
FLÁVIA - (corta) Você é um safado! Não vale
nada! Ficar fazendo teatrinho pra sair mais cedo e... (T) É muita cara de pau,
muita sem-vergonhice! Nem uma moça simples do interior, uma moça crente,
evangélica, você soube respeitar! Seu tarado! Você é um tarado nojento!
Os dois ficam em
silêncio um pouco, Flávia meio ofegante, de tanta raiva. Finalmente fala
novamente.
FLÁVIA - Mas dessa vez chega, ouviu bem?
Chega! Eu não vou perder mais uma empregada por sua causa, não vou mesmo! Dessa
vez quem vai sair é você! (decidida) Pode arrumar as suas coisas agora mesmo!
Fora daqui!
AURÉLIO - Tudo bem. (sarcástico) Mas saiba que a
culpa disso tudo é sua! Quem manda contratar só empregada gostosa? (T) Mas não
se preocupe. Eu vou fazer o que você quer. Deixa só eu terminar o meu banho.
Aurélio sai. Flávia
senta na cama e suspira, meio cansada de tudo. Corte descontínuo. Aurélio já arrumando suas roupas em uma
mala. Flávia continua sentada na cama. Sofre, mas faz questão de bancar a
durona. Aurélio está sério e faz um desabafo sincero enquanto arruma as roupas.
AURÉLIO - Acho que é melhor mesmo eu ir embora.
Essa situação já durou foi tempo demais. (pausa) Eu tô cansado, Flávia, cansado
dessa sua insegurança, da sua infantilidade... (T) Eu juro que eu queria
entender essa obsessão que você tem de contratar belas empregadas e depois
surtar e colocar as pobres coitadas na rua. Acho que só mesmo Freud pra
entender essa sua mente perturbada. Ou melhor, nem ele. Nem Freud explica esse
seu comportamento esquisito.
Flávia não responde,
ouve tudo em silêncio. Aurélio acaba de arrumar a mala e se dirige à porta do
quarto.
AURÉLIO - Depois eu mando buscar o resto das
minhas coisas. Tchau, Flávia.
Antes
de sair, ele se volta mais uma vez para Flávia.
AURÉLIO - Espero que você não aja do mesmo jeito
com a Júlia.
Aurélio sai. Flávia
olha para o grande quarto vazio e coloca a cabeça entre as mãos, entregue a uma
grande tristeza. Corta para:
CENA
4. ENTRE SERTÕES. EXT. DIA
Vários
pontos da cidade amanhecendo. Corta
para:
CENA
5. ENTRE SERTÕES. PRAÇA/RUA. EXT. DIA
Danilo
e Rosa Maria andando juntos, bem próximos. Algumas pessoas caminham ao
fundo. Conversa em andamento.
DANILO
- Não, os meus avós não querem que ela mande dinheiro pra eles. E como
ela não gasta quase nada, vai guardando, né? (T) No dia do aniversário, eu e
minha vó ligamos pra ela.
ROSA - (curiosa) E ela?
DANILO
- Ah, ela bem que tentou disfarçar, mas não deu... A gente achou ela
meio estranha. Aquela voz não era de quem estava feliz, não mesmo.
ROSA
- (triste) Coitada... Eu não me esqueci do aniversário, muito
menos dela... Dela nem um pouco.
DANILO
- Sabe, eu pensava que ela viria pra cá aos finais de semana, mas ela
disse que não quer, pelo menos por enquanto, pois seria ainda mais difícil a
cada nova despedida. E a gente sabe que Salvador nem é distante, mas pra quem
toda a vida morou aqui...
ROSA
- A vontade que me dá é de ir
lá e trazer ela de volta.
DANILO
- Ela não conseguiu ser
matriculada em nenhuma escola lá. Terá que repetir o terceiro ano. (T) Parece
até que a tal da patroa não fez muita vontade de conseguir uma vaga.
Eles
param e sentam num banco. Conversa continua:
ROSA
- E sobre mim, ela perguntou
alguma coisa?
DANILO
- Ah, ela sente saudade de todo
mundo...
ROSA
- (decepcionada) É... Eu imagino que sim.
DANILO -
Rosinha, eu vou indo nessa. Painho fica retado quando eu dou essas escapulidas lá
do boteco. A gente se fala.
ROSA
- Tudo bem, Danilo. Tchau!
Do ponto de vista de Rosa, vemos Danilo
atravessando a rua. Instantes em Rosa desiludida. Música “Chora coração” de
Wando, de fundo. Corta para:
CENA
6. SALVADOR. CENÁRIOS DIVERSOS. EXT/INT. DIA/NOITE
Clipe
de imagens alternadas mostra Flávia e Aurélio seguindo com suas vidas após a
separação:
A
- Flávia recebendo convidados ilustres em uma badalada festa em seu
apartamento. Buscar ela conversando e rindo nas altas rodas;
B
- Aurélio ensaiando e tocando com os amigos;
C
– Flávia fazendo compras em uma boutique de luxo. Experimenta várias peças.
Corta para ela saindo da loja cheia de sacolas e entrando em seu carro.
D
– Aurélio sozinho em um bar tomando um drink. Repara em uma mulher bonita que
se senta perto dele.
E
– Flávia malhando na academia com a ajuda de um personal. Vai além de seu
limite e sai exausta de uma esteira.
F
– Aurélio jogando futebol com os amigos. Faz um gol e comemora.
G
– Flávia em seu apartamento dando uma série de ordens a Júlia.
H
– Aurélio se apresentando em um grande evento musical. Buscar Tércia e Marcelo
na plateia, que está lotada.
I
– Flávia solitária em seu quarto, já pronta pra dormir. Pega na gaveta da
cômoda ao lado da cama, um porta retrato com uma foto sua e de Aurélio.
Fim
do Clipe. Corta para:
CENA
7. APART HOTEL. QUARTO DE AURÉLIO. INT. DIA
Cama ainda desfeita,
uma certa desordem no ambiente, roupas espalhadas, partituras sobre uma pequena
mesa. TV ligada no mute. Programa esportivo rolando. De cuecas, Aurélio zanza
pelo quarto, enquanto fala ao celular com um amigo. Conversa ao meio:
AMIGO
- (cel/off) Teve notícias da Flávia,
nesse tempo que vocês tão separados?
AURÉLIO
- Não tive, e nem quero ter. Botei
um advogado pra cuidar de tudo...
AMIGO
- (cel/off) Tomara que vocês
se acertem num boa, como foi com a Tércia.
AURÉLIO
- Ah, mas com a Tércia era
diferente, Bruno, você sabe. Não era toda cheia de grilos como é a Flávia.
AMIGO
- (cel/off/ ) Ôpa, sei sim.
AURÉLIO - Bom, meu velho, a conversa tá boa, mas
tenho que desligar. Daqui a pouco a arrumadeira chega aqui, e se ela me pega
assim, de cuecas, pode até esquecer o que veio fazer no quarto. (ri) Ela é uma
gostosa! Valeu, cara, abração!
Aurélio finaliza a
ligação. Som de batidas na porta. Ele sorri, malicioso, se ajeita dentro da
cueca, bota um sorrisão daqueles nos lábios e abre a porta. Entra um rapaz, na
casa dos vinte anos, o sorriso de Aurélio vai definhando aos poucos.
RAPAZ
- Serviço de quarto, senhor.
AURÉLIO - (sem jeito, vasculhando o apart com
olhar, em busca de algo para se cobrir) Você? E a outra mocinha?
RAPAZ
- (já trocando a roupa de cama)
Ela tá arrumando o outro andar, senhor.
AURÉLIO
- (encabulado, passa uma toalha de
banho na cintura) Entendi. E você dá conta de ajeitar tudo aí?
RAPAZ
- (malícia discreta) Serviço
completo, senhor.
AURÉLIO
- (finge não entender a malícia do
outro) Ah, entendi. Olha, fique à vontade, digo, fique à vontade aí (aponta
aleatoriamente para o quarto) com o seu serviço. Vou tomar uma ducha e já saio.
Desconfiado, Aurélio
segue para o banheiro. O rapaz lhe dá aquela conferida e se abana com uma
fronha. Corta para:
CENA
8. CLÍNICA VETERINÁRIA MEU BICHO. SALA DE TÉRCIA. INT. DIA
Tercia (50), está
concluindo o atendimento de um cliente com seu gato de estimação. O prazer que
ela tem no exercício de sua profissão é notório.
TÉRCIA - Jamais se pode usar esses sabonetes
pesticidas de cães para gatos, é envenenamento na certa. Mas o Juquinha já está
bem, seu Antônio, a medicação fez o efeito esperado, e também o senhor correu a
tempo, e isso fez toda a diferença.
CLIENTE
- (abraçando-se ao gato e já se
despedindo) Mais uma vez muito obrigado doutora Tércia, a senhora foi um anjo,
eu, sem o meu Juquinha, era capaz de me atirar lá do Elevador Lacerda.
TÉRCIA
- (sorrindo do exagero do outro)
Não há de que, seu Antonio. Vejo o senhor e o nosso Juquinha, (faz um chamego
na cabecinha do gato), na data da próxima vacina. Passar bem.
O cliente sai
abraçado ao seu gato. Entra a secretária de Tércia.
SECRETÁRIA
- Com licença, doutora, uma amiga sua, a Mildred, está na recepção.
TÉRCIA - A Mildred é uma grande amiga minha,
de outros carnavais. Eu acho um nome tão bonito.
SECRETÁRIA
- Diferente!
TÉRCIA - Ela tem esse nome por causa de um
filme antigo, da década de 40, chamado Mildred Pierce. A avó dela era fã da
Joan Crawford, e obrigou que a neta tivesse esse nome. Mas me diga uma coisa:
tem mais algum cliente aguardando ou agendado pra próxima meia hora.
A secretária faz que
não.
TÉRCIA
- Então peça que ela entre, por
favor.
Sai a secretária.
Tercia segue para o lavabo e higieniza as mãos, entra Mildred. Tercia vem
saindo do lavabo, a enxugar as mãos, sorriso aberto. Elas se abraçam apertado.
Aquele tipo de abraço comum entre os amigos de verdade. Em seguida, sentam num
discreto chaise lounge que Tércia tem ali para momentos de repouso.
AMIGA
- (quase dramática, mas rindo)
Tércia, meu amor, será que eu tenho que invadir a sua clínica veterinária, pra
poder ter um dedinho de prosa com você, amiga? Tenho milhões de coisas pra
falar com você, faz tempinho que a gente não se vê.
TÉRCIA
- Verdade!
AMIGA
- (rápida no gatilho) Vim te
buscar pra conhecer meu novo apartamento, e não só pra isso, quero saber sua
opinião sobre a decoração. Eu gastei os tubos com o decorador mais famoso e
mais disputado de Salvador, e quero saber se não fui feita de palhaça, pronto
falei! Você sabe, não é, amiga, que o meu bom gosto vai até a página cinco?
Tércia dá uma
gargalhada gostosa e passa a mão nos cabelos da amiga.
TÉRCIA
- Claro que o seu bom gosto não
vai só até a página cinco, você evoluiu muito nesses últimos anos. Ó, eu
adoraria poder ir lá contigo, mas estou com o dia cheio hoje. Eu não sou esse
decorador que você falou aí, mas sou a médica veterinária mais disputada de
Salvador. (risos das duas) Mas vem cá, você quer uma água, um suco, um café?
AMIGA - (murchinha e fazendo bico)
Não, depois desse passa-fora que a senhora me deu, eu quero é uma, não, duas
garrafas de garrafas de champanhe, pra sair bêbada daqui.
TÉRCIA
- Sua boba!
As duas riem e se
abraçam. Mildred se lembra de alguma coisa.
AMIGA - Escute, amiga, antes que você me
coloque porta à fora, tu viu, Flávia e Aurélio? A separação é coisa firme
mesmo.
TÉRCIA - E eu lá quero saber de vida de
Flávia mais Aurélio. Eles que se entendam.
AMIGA
- Sim, e como tá o Marcelo?
TÉRCIA
- Cada dia mais lindo e
namorador feito o pai. Aliás, é fácil de imaginar que alguma o Aurélio deve ter
aprontado, porque aquela lá, a Flavia, sempre foi doida por ele, ela é daquele
tipo de mulher que é capaz de matar ou morrer por um homem.
AMIGA - Acho que agora a dramática foi a
senhora, viu fofa?
TÉRCIA
- (achando graça) Ave Maria,
acho que essa coisa pega, vá-se embora daqui, vá!
Depois de mais um
abraço, Mildred sai, Tércia fica por ali, pensativa. Corta para:
CENA
9. FACHADA DA FACULDADE NOVOS HORIZONTES. EXT. DIA
Plano de localização
da faculdade onde Marcelo é professor. Corta
para:
CENA
10. FACULDADE NOVOS HORIZONTES. PÁTIO. EXT. DIA
Marcelo
caminha em direção ao estacionamento com sua mochila nas costas. Uma jovem,
loira, bonita e de corpo escultural vem se aproximando dele sem que ele veja.
Ela caminha mais depressa para alcançá-lo e o aborda.
GAROTA - E aí
professor!
MARCELO - E aí, Jéssica!
GAROTA -
(risonha) Muito boa a aula de hoje! Aliás, suas aulas são sempre boas,
professor!
MARCELO - Ah, que
bom que você gosta. Obrigado! Não é todo aluno que gosta de matemática.
GAROTA -
(sedutora e atrevida) Não sei se é tanto pela disciplina, não. É que você é o
máximo, explicando os assuntos. Faz tudo parecer tão simples. Não tem como não
prestar atenção na sua aula. E só não tira boas notas quem não quer.
Marcelo
percebe as segundas intenções da garota.
MARCELO - (íntegro)
Ó, eu acho que você exagerou nos elogios. E quanto a tirar boas notas, é exatamente
como você disse: a nota quem faz é o aluno.
Ela
insiste na provocação e o encara lascivamente por alguns segundos. Ele desfaz o
silencio.
MARCELO - Bom, eu
já tô de saída, Jéssica.
GAROTA - Você
se importa de me dar uma carona? Eu ia com a minha amiga, a Tati, mas ela teve
que sair mais cedo hoje.
MARCELO - Eu tô
indo pra Barra. Serve pra você? (ela faz que sim) Então, onde cabem três, cabem
quatro!
GAROTA - Como
assim?
MARCELO - Eu já
tinha oferecido carona pra dois colegas seus. (olha para um rapaz e uma garota
que se aproximam) Olha eles vindo aí. Vamos esperar.
GAROTA - (frustrada)
Claro!
Um
tanto sem graça, a garota olha para os colegas que se aproximam. Marcelo
disfarça, dá um risinho e a mede de cima a baixo, com cara de safado, como quem
diz “tentação da porra!”. Já fora de áudio, os outros dois estudantes chegam,
cumprimentam e os quatro saem em direção ao estacionamento.
Corta
para:
CENA
11. APARTAMENTO DE FLÁVIA. SALA/COZINHA. INT. DIA
Flávia
diante de uma amiga na sala. Conversa já ao meio.
AMIGA -
Então o Aurélio já foi até procurado pelo seu advogado...
FLÁVIA - Já.
Dessa vez eu pedi mesmo o divorcio.
AMIGA - Mas
vai mesmo seguir em frente com isso?
FLÁVIA - É,
eu pretendo...
AMIGA - Não
sinto firmeza em suas palavras, não.
FLÁVIA - São
dez anos. Eu não quero dar o braço a torcer, mas a verdade é que... Eu sinto
muito a falta do Aurélio.
Júlia
vem da cozinha, segurando uma bandeja com biscoitos finos e chazinho, e a
coloca na mesa de centro. Ela já se prepara para servir, quando Flávia a
interrompe.
FLÁVIA -
Deixa que eu sirvo, Júlia. Muito obrigada, pode voltar pra cozinha.
JÚLIA -
De nada, com licença!
Flávia
espera Júlia sair para continuar com a conversa.
FLÁVIA -
Ando me sentindo tão incomodada com a presença dessa menina aqui em casa. Às
vezes não consigo nem olhar pra ela.
AMIGA - Mas
porque isso agora?
FLÁVIA - Não
sei, talvez eu tenha me precipitado em ter mandado o Aurélio embora. Eu deveria
ter apurado melhor o que aconteceu. Às vezes penso que foi um erro não ter
demitido essa moça.
Close
de Flávia pensativa. Corte descontínuo:
A visita já foi embora. Júlia retira a bandeja da mesinha de centro. Flávia
está à parte lhe observando. Júlia percebe e tenta disfarçar o incômodo. Ela
vai indo para cozinha e Flávia a segue. Já na cozinha, Júlia vai colocando a
louça suja na pia enquanto Flávia começa a falar.
FLÁVIA -
Você pensa em se casar Júlia?
JÚLIA - Ainda
não penso nisso, não, dona Flávia!
FLÁVIA - É...
Casamento é muito complicado. Vê o meu caso: Dez anos juntos, lutando dia a dia
pra manter o amor, a relação, o companheirismo, e tudo isso pra um dia eu me
deparar com aquela cena deplorável naquela noite.
De
costas para a patroa, Júlia segue lavando a louça. Vemos Júlia respirando fundo,
tentando controlar a tensão.
FLÁVIA -
Você, jovem e bonita desse jeito. Muitos já devem ter tentado algo com você lá
na sua cidade. A gente sabe como são os homens. O meu marido, por exemplo, eu
conheço bem. Sei que ele nunca foi nenhum santo. Não foi a primeira vez que ele
se engraçou com alguma empregada. Já demiti várias! (T) Mas eu fico me
perguntando o que teria provocado aquela situação que eu acabei presenciando/
Júlia
se vira e responde, embora tentando manter a calma.
JÚLIA -
(firme) Olha, dona Flávia, já contei pra senhora tudo do jeitinho que
aconteceu naquela noite. Eu aprendi ainda bem pequena, que a gente não deve
mentir. Eu não costumo mentir, nem mesmo pra me defender.
Tempo.
FLÁVIA -
(engolindo) Ok. Vamos encerrar esse assunto. Continue seu serviço.
Flávia
lança um olhar atravessado pra Júlia e se retira. Júlia fica pensativa. Aqui
entra o Insert da cena 16 do capítulo1: Osvaldo chamando Júlia de sonsa,
lhe dando uma surra de cinto. Fim do
Insert. Júlia suspira e segue lavando a louça.
Corta
para:
CENA
12. SALVADOR. STOK-SHOTS. EXT. NOITE
Belas imagens de
diferentes pontos da cidade anoitecendo: Farol da Barra, Ondina, Elevador
Lacerda, finalizando na fachada do Apart Hotel onde Aurélio está hospedado. Corta para:
CENA
13. APART HOTEL. CORREDOR/QUARTO DE AURÉLIO. INT. DIA
Aurélio está abrindo
a porta do quarto e ouve o telefone que toca insistentemente. Entra e atende.
AURÉLIO
- Alô! O quê? Pode transferir sim.
Alô! Júlia?! Eita, que surpresa boa,
sentiu saudades, foi? (pausa) Oxe, calma, tô só brincando! (pausa) Ah, sim eu
troquei de número de celular, de propósito, por causa de Flávia. Pra ela não
ficar me aporrinhando. Eu disse a ela que só ligasse pra cá em caso de extrema
urgência. Aconteceu alguma coisa?
Tempo na resposta em
off de Júlia do outro lado da linha. A expressão de Aurélio muda.
AURÉLIO - (surpreso) O quê?!
Corta para:
CENA
14. APARTAMENTO/QUARTO DE FLÁVIA. INT. NOITE
Flávia
está recostada na cama, com os olhos entrefechados. No quarto está o médico,
amigo da família, um senhor já bem de idade. Além dele, também estão Aurélio e
Júlia.
MÉDICO -
Flávia, você precisa de repouso. Tente descansar um pouco o corpo, a mente.
Nada de esforço, de stress. Academia nem pensar, mocinha.
O
médico de direciona para Júlia e estende a ela um papel.
MÉDICO - E você
fica responsável por dar a medicação nos horários corretos, minha jovem. Tá
tudo especificado na receita.
JÚLIA - O
senhor pode deixar!
Flávia
abre os olhos.
FLÁVIA - Dr.
Afonso, o senhor me desculpa, mas eu prefiro que faça essas recomendações ao
meu marido.
O
médico lança um olhar indagador para Aurélio. REAÇÃO DE Júlia que olha para os
dois.
MÉDICO - Pois,
está certa também, minha cara. (sorri) Vou deixar com o Aurélio.
FLÁVIA -
(Voltando a fechar os olhos) Obrigada!
MÉDICO - Bom,
eu já vou indo. Tenho uma consulta marcada pra daqui a meia hora. (para Júlia) Você
é uma moça muito prestativa. Obrigado!
JÚLIA -
De nada, doutor!
AURÉLIO - Eu acompanho
o senhor até a porta, doutor Afonso!
Aurélio
e o médico saem. Júlia fica a observar Flávia que parece estar pegando no sono.
Corta
para:
CENA
15. APARTAMENTO DE FLÁVIA. SALA. INT. NOITE
Médico
conversa com Aurélio perto da porta.
MÉDICO - Não se preocupe, Aurélio. Ela está
bem. A febre, que provavelmente é de causas emocionais, já está controlada.
Flávia respondeu bem aos medicamentos. Mais umas poucas doses do remédio, um
pouco de repouso, ela logo estará novinha em folha. (um pouco constrangido) E a
situação de vocês dois? Em que pé está?
AURÉLIO - (sorri) Tudo na mesma. Mas hoje eu vou
ficar aqui fazendo companhia pra ela.
MÉDICO - Isso. É muito importante ter alguém
do nosso lado num momento desses. (T) Bom, tá na minha hora. E amanhã, mesmo
que a Flávia esteja melhor, não deixe de levá-la ao meu consultório. É só uma
precaução.
AURÉLIO - Pode deixar. Muito obrigado, doutor.
Aurélio
abre a porta para o médico. Júlia aparece nesse momento.
JÚLIA - Doutor, será que eu podia falar
com o senhor?
AURÉLIO - (brinca) Quê que é, Júlia? Resolveu
passar mal também?
MÉDICO - (gentil, para Júlia) Pois não.
Alguma coisa com a Flávia?
JÚLIA - Não. É o meu cachorrinho, o
Tico.
Aurélio
ri. Júlia fica irritada, mas continua, para o médico:
JÚLIA - Faz alguns dias que ele não
come nada, doutor, tá molinho demais, não quer saber de brincar. Eu tenho até
medo que ele acabe... (não tem coragem de dizer “morrendo”)
O
médico sorri para Júlia, que está muito triste.
MÉDICO - Sinto muito não poder ajudá-la,
mocinha. Eu não entendo nada de tratamento de animais. (T) Mas eu sei de alguém
que pode examinar o seu cachorrinho. Pergunte ao Aurélio. (olha o relógio)
Agora eu tenho que ir mesmo. Boa noite pra vocês.
Júlia e Aurélio
respondem “Boa noite”. O médico vai embora. Júlia olha séria para Aurélio.
JÚLIA - Eu não sou nenhuma boba, seu
Aurélio. Sei muito bem que quem trata de bicho é veterinário. Eu só queria
pedir uma orientação pro doutor, saber se ele podia me indicar algum lugar pra
levar o Tico, porque eu não conheço nada aqui. O senhor não tinha nada que
ficar rindo de uma coisa séria como essa! (T) Mas também, o que eu podia
esperar de uma pessoa que detesta bichos? Eu não entendo como é que alguém pode
ter raiva de criaturas inocentes, que não fazem mal a ninguém!
AURÉLIO - Quem foi que disse que eu não gosto de
animais? (percebe tudo) Nem precisa dizer. (gentil) Eu não ri da doença do seu
cachorrinho, Júlia. Só achei engraçada a maneira como você abordou o médico.
Mas não se preocupe, eu vou te ajudar. (T) Será que eu posso ir no seu quarto,
ver o Tico? É esse o nome dele, não é?
Júlia
olha para ele, desconfiada. Aurélio ri.
AURÉLIO - Ora, deixe de bobagem, menina! Eu não
vou atacar você de novo. Vou me comportar direitinho! (T) E então? Vai me
deixar ou não ver o cachorro?
Júlia
indecisa. Corta para:
CENA
16. APARTAMENTO/QUARTO DE FLÁVIA. INT. NOITE
Flávia estranha o
silêncio, sente-se abandonada. Com cuidado, coloca os pés para fora da cama.
Calça as pantufas. Veste a parte de cima da camisola e se levanta. Corta para:
CENA
17. APARTAMENTO DE FLÁVIA. QUARTO DE JÚLIA. INT. NOITE
Abre em Tico deitado
no colo de Aurélio, que está sentado na cama de Júlia e demonstra muito carinho
e cuidado com o cachorrinho. Júlia está sentada ao lado de Aurélio.
AURÉLIO - É, parece que ele tá meio doentinho.
Mas amanhã quando eu for levar a Flávia no consultório, você aproveita e vai
com a gente. Eu deixo você e o Tico na clínica da Tércia, minha ex-mulher. Ela
é uma veterinária das boas. (brinca) Você diz que é uma funcionária minha, que
eu acho que ela te dá um desconto. Eu só acho, não tenho certeza. A Tércia é
uma excelente pessoa, mas não é do tipo que faz caridade. Não deixa de cobrar
nem da própria mãe.
JÚLIA - Dinheiro não é um problema. Eu
tenho umas economias, dá pra pagar a consulta, comprar medicamentos...
Nesse momento Flávia
aparece atrás da porta, que está entreaberta e passa a ouvir a conversa deles,
muito desconfiada. Aurélio e Júlia não percebem sua presença.
AURÉLIO - Que é isso, Júlia, eu sei que você ganha
pouco, não vou deixar você gastar as suas economias. Pode levar o Tico e fica
tranquila, que com a Tércia eu me acerto depois.
Júlia olha para
Aurélio, surpresa e emocionada com a generosidade dele. Flávia irritada ao
ouvir tudo isso.
JÚLIA - Pôxa, seu Aurélio, muito
obrigada. O senhor tá sendo muito bom comigo. Eu nunca vou esquecer esse ato
de/
É interrompida por
Flávia, que entra nesse momento, muito irritada. Aurélio e Júlia se assustam
com a súbita aparição dela no quarto.
FLÁVIA - Chega, menina! Essa sua
conversinha mole, esse seu arzinho de santa, não me enganam mais! Tá despedida!
Despedida! Fora da minha casa!
Aurélio ri, irônico,
como quem diz “tava demorando...”. Em Júlia, surpresa e perplexa com tudo
aquilo,
Corta.
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